Os dons que recebemos são para servir a igreja | Augustus Nicodemus 

O valor do aconselhamento | Tim Challies
21/abr/2025
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Paulo nos comunica que os dons espirituais foram dados para fazer aquilo que é útil na igreja. “Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um para benefício comum” (1Co 12.7). Devemos entender “manifestação do Espírito” como mais uma forma de falar dos dons. Assim, os dons são concedidos a cada um para benefício comum. Todos nós temos dons espirituais. Esse é mais um princípio apresentado por Paulo para abordar a questão dos dons no culto. 

Alguns dos nossos dons são a santificação de talentos naturais. Por exemplo, antes de me converter, eu já tinha o dom de liderança, embora o utilizasse da maneira errada. Eu liderava uma gangue de motociclistas em Recife. Desde cedo, eu demonstrava facilidade de falar em público, sendo escolhido como orador da minha turma no primário. Na minha conversão, o Espírito Santo santificou essas habilidades e agora as utiliza para a glória de Deus. Outras habilidades que eu não tinha me foram concedidas depois da minha conversão. Algumas habilidades nos são dadas na conversão, outras são santificadas e algumas outras variam durante a vida. Lembro-me de que, no início da minha conversão, da convicção de que tinha o dom de evangelizar. Alguns membros da igreja que pastoreio podem comprovar o que estou dizendo, porque são frutos do meu trabalho como evangelista. No entanto, com o tempo, o dom de mestre se sobrepôs ao de evangelista, e a minha vida deu uma guinada para esse lado. Hoje eu brinco, dizendo que o meu maior dom é ser avô. Esse dom não permite que eu tenha muito tempo para fazer outras coisas. Então, durante a nossa vida é normal que exista esse tipo de alteração. 

Os dons nos são dados visando ao bem dos outros, ou seja, ao benefício comum. “Porque a um é dada, pelo Espírito, a palavra de sabedoria; a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra de conhecimento” (1Co 12.8). Se temos o dom de falar palavras sábias, não o temos para nós mesmos, mas sim para os outros. O dom de falar palavras sábias que abençoem a vida dos outros e da igreja é dado pelo Espírito Santo. O Espírito Santo concede a alguns, conhecimento e a capacidade de transmiti-lo. De nada adianta termos conhecimento só para nós mesmos; precisamos transmiti-lo, e essa capacidade quem dá é o Espírito Santo. 

“A outro, pelo mesmo Espírito, é dada a fé; a outro, pelo mesmo Espírito, dons de curar” (1Co 12.9). A fé de que Paulo fala aqui não é a fé salvadora, a qual todos os crentes têm. Paulo está se referindo à capacidade de crer e receber da parte de Deus determinadas coisas que buscamos e que outras pessoas não conseguem. O dom da fé não existe para que peçamos a Deus coisas para nós, mas para que peçamos a ele aquilo de que o outro precisa. A algumas pessoas, Deus dá uma fé extraordinária. Elas são capazes de pedir a Deus determinadas coisas, e Deus se compraz em atendê-las. Outros têm uma vida regular de oração. Todo crente tem fé suficiente para pedir coisas a Deus, mas a alguns Deus concede o dom da fé. Um exemplo disso é George Müller, um cristão do século 20 que viveu em uma cidade da Inglaterra chamada Bristol. Ele sentiu-se chamado para começar um ministério para órfãos. Começou um orfanato e colocou em seu coração que não pediria dinheiro a ninguém, mas que, em vez disso, oraria, e Deus enviaria os recursos. Ele orava, e Deus mandava. Certo dia, Müller orou por leite e pão para as crianças, e, naquele dia, uma carroça de leite e pão quebrou em frente ao orfanato. Para evitar que os produtos estragassem, tudo foi doado para a instituição de Müller. Por mais de trinta anos, Deus sustentou todos os orfanatos de Müller só por meio da oração. Ao ler a biografia de George Müller, eu me senti miserável e questionei minha conversão. Uma pessoa viu a minha angústia — eu era novo convertido, quando li essa biografia — e me disse que Deus não havia me chamado para viver a vida de George Müller, mas para viver a vida de Augustus Nicodemus. Deus tem diferentes dons para pessoas diferentes. 

Deus concedeu também dons de curar. Esse dom é igualmente um ponto de disputa. Questiona-se se ainda hoje existem pessoas que tenham o dom de curar, mas, ao menos na época que escreveu 1Coríntios, Paulo tinha certeza de que Deus concede dons de curar. Há pessoas que pedem pela cura de alguém e Deus atende ao seu pedido. Talvez esse dom esteja também relacionado ao dom de fé. Já orei por pessoas que na hora foram curadas, mas também já orei por pessoas que morreram no dia seguinte. A diferença dos dons de curar é que, se eles forem os mesmos que os apóstolos tinham, não falham. Todas as vezes que os apóstolos disseram: “Levanta-te e anda”, isso aconteceu. Não há na Bíblia registro de que tais dons tenham falhado uma só vez que seja. Justamente porque não existe ninguém depois dos apóstolos que tenha mostrado esse histórico infalível de cura é que se chega à conclusão de que esses dons estavam relacionados ao período dos apóstolos. Se esses dons ainda estivessem em operação, eles seriam de grande benefício para toda a população brasileira. Nós podíamos ter orado, e Deus poderia ter curado pessoas com a Covid-19. Eu creio que ele pode fazer isso. Apenas não sei se existem pessoas que, assim como os apóstolos, têm dons de curar infalivelmente. Disso eu não tenho certeza, porque a história da igreja não me diz. O que é central aqui, no entanto, é que os dons de curar não são para benefício próprio, mas sim do outro. 

“A outro, a realização de milagres; a outro, profecia; a outro, o dom de discernir os espíritos; a outro, variedade de línguas; e a outro, interpretação de línguas” (1Co 12.10). Os estudiosos lutam para diferenciar entre o dom da fé, o de curar e o de milagres. Todos eles são muito pareci- dos. Talvez o dom de milagres seja fazer aquelas coisas que Cristo fez, como andar sobre as águas, multiplicar pães e transformar água em vinho. O problema é que não há exemplos desse dom além de Cristo. Nem mesmo os após- tolos fizeram tais coisas. Nós realmente não temos infor- mações sobre muitas coisas, e precisamos ter cuidado ao fazer afirmações sobre esse assunto. 

Seja lá qual for a definição de profecia, ela é sempre voltada para o bem dos outros. Também existem discussões em torno da definição do que é o dom de discernir espíritos. Já vi pessoas afirmando que têm discernimento de espíritos porque ficam arrepiadas quando passa uma pessoa endemoniada. Discernimento de espíritos não é isso. O apóstolo João nos diz: “Amados, não acrediteis em qualquer espírito, mas avaliai se os espíritos vêm de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo” (1Jo 4.1). Será que Paulo está nos dizendo que o dom de discernimento de espíritos é a capacidade de discernir se alguém realmente é de Deus e fala da parte de Deus? Isso faria mais sentido no contexto da igreja de Corinto, onde os irmãos estavam interessados em saber quem era ou não espiritual. O Espírito Santo concede a capacidade extraordinária de, ao olharmos para uma pessoa, perceber se ela está falando ou não a verdade, ou de perceber as intenções do coração. Eu já conheci pessoas assim, que são hábeis julgadores de caráter e raramente se enganam quando avaliam alguém. Eu não sou assim e já confiei em muita gente em quem não deveria ter confiado. Esse é um ótimo dom para a igreja, porque existem muitas situações em que precisamos de discernimento. 

Por último, talvez propositadamente, Paulo fala sobre o dom de línguas e o dom de interpretação de línguas. Em 1Coríntios 12, ele cita uma lista dos dons por ordem de importância, e nela o dom de línguas ocupa o último lugar. O que quer que seja esse dom, ele também existe para o benefício da igreja. 

Este é o princípio apresentado por Paulo: os dons devem ser utilizados para benefício comum. Paulo enfatiza isso porque na igreja de Corinto havia pessoas que falavam em línguas e estavam buscando reconhecimento para si; havia pessoas que profetizavam apenas para se destacar; havia outras que exerciam seus dons porque queriam ser o centro das atenções; havia pessoas se exaltando por terem certo dom, e outras sendo humilhadas por não terem. Ora, os dons não são dados para uso próprio, mas para que, por meio deles, possamos abençoar outras pessoas. Se observamos alguém dotado de dons realizando um serviço que, no final, exaltará a si mesmo, isso mostra que quem está agindo não é o Espírito Santo. Os dons foram dados para abençoar a igreja. Cada um de nós é beneficiado pelos dons dos outros. 

 

Trecho extraído e adaptado da obra “Um Caminho mais excelente”, de Augustus Nicodemus, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2025. Publicado no site Cruciforme com permissão.

Augustus Nicodemus Lopes é mestre e doutor em Novo Testamento e Interpretação Bíblica e pós-doutor em Novo Testamento. É vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil. É casado com Minka Lopes e tem quatro filhos: Hendrika, Samuel, David e Anna. É autor de vários livros, entre eles Um chamado à justiça e retidão, O poder de Deus para a salvação, O poder de Deus para a santificação, A conquista da Terra Prometida, A compaixão de Deus, Cristianismo na universidade, Livres em Cristo, O Pentecostes e o crescimento da igreja, A supremacia e a suficiência de Cristo, No princípio de tudo e Abraão, o pai da fé, publicados por Vida Nova.

 

 

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