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06/jan/2017“The BFG” do Roald Dahl é um livro maravilhoso. Acabo de lê-lo e fico com vontade de saber escrever assim: histórias que aparentemente sendo para crianças transmitem uma beleza simples que parece ser uma característica que não casa bem com literatura para gente crescida. A verdade é que boa parte dos meus escritores preferidos escreveram abundantemente aquilo que à falta de melhor designação chamamos literatura infanto-juvenil. Por exemplo, o C. S. Lewis e o Mark Twain para duas das minhas referências sagradas. Aliás, cada vez mais me parece que se não consegues contar uma boa história a uma criança, então nenhuma das histórias que vás contar a adultos vale assim tanto a pena. E tudo isto tendo em conta que li há menos de um mês a “Alice no País das Maravilhas” do Carroll e fiquei deslumbrado (como é possível esperar pelos quase 39 anos para ler a Alice?).
Do Roald Dahl conheço os outros contos, não virados especialmente para crianças. Neles, ele cultiva sobretudo a arte do desfecho. O engraçado é que quando escreve para adultos o Dahl não está com pudores: recordo um em especial onde se conta a história de dois maridos que resolvem trocar de mulheres por uma noite sem que elas se apercebam. Quando não quer transmitir uma moral da história, Dahl sabe ser bem imoral. Este não é o escritor infanto-juvenil no postal ilustrado. O que só torna tudo mais interessante quando se chega a “The BFG”.
“The BFG” conta a história improvável da amizade de uma pequena orfã chamada Sophie com um gigante. Este não é um gigante qualquer. Além de ser Big, Friendly e Giant (daí as iniciais), ele ao mesmo tempo não é assim tão gigante quando comparado com os outros gigantes, tem uma espécie de dislexia (que na verdade é um reflexo de não haver escolas para gigantes), tem umas orelhas proporcionalmente mais gigantescas que o seu próprio gigantismo (e que dão origem a um episódio muito bonito onde carrega Sophie dentro delas e onde ela tem de falar muito baixinho para não o deixar surdo – estar dentro de uma orelha e por isso ter de falar baixinho é uma ideia fantástica), e apesar de ser um fracote para a restante comunidade de gigantes carrega consigo uma certa elegância de porte. E é necessário dizer que, ao invés de todos os outros gigantes que devoram pessoas, o BFG sopra sonhos nelas através de uma trombeta. O BFG é um inadaptado como a Sophie é.
Não há nada como ter olhos diferentes para ver aquilo que no mundo nos parece sempre igual. Por isso o livro passa a vida a brincar com as dimensões, sejam elas as dos países ou as das pessoas. Aos olhos de um gigante as certezas que os seres humanos têm acerca de si mesmos tornam-se bastante relativas. Por outro lado, também é certo que uma perspectiva pequenina como a da Sophie pode dar ao gigante aquilo que ele ainda não percebeu acerca de si próprio. Dahl sabe dar-nos esta mistura em diálogos simples que podem ir do que nos dá sustos ao que nos dá sonhos. Ao longo de “BFG” são muitas as ocasiões em que concluímos: às vezes perceber a realidade é mesmo uma questão de olhar de outra perspectiva. Daí que a cena da pequena Sophie no bolso do BFG que rapidamente corre pelos campos ingleses facilmente se torna uma imagem que há-de perdurar na nossa memória.
A resolução do problema da coexistência pacífica entre gigantes e humanos pede uma estratégia que mete a Rainha de Inglaterra ao barulho, num episódio que roça a farsa política (lembrei-me do “Dr. Strangelove” do Kubrick) e o mais tradicional conto de fadas (em que a coragem, a fidelidade e a amizade são elementos fundamentais para derrotar a maldade). Preparo-me para ir ver a adaptação cinematográfica. É certo que o Spielberg é um dos meus realizadores preferidos, mas duvido que saia tão deslumbrado do filme como saí do livro.
Publicado originalmente em Voz do Deserto.
Tiago Cavaco é formado em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa e pastor da Igreja da Lapa. Trabalhou dez anos em televisão, colabora com a revista Ler e mantém desde 2003 o blog Voz do Deserto. Casado com Ana Rute e pai de Maria, Marta, Joaquim e Caleb, é autor de "Ter Fé na Cidade, "Seis Sermões Contra a Preguiça", "Cuidado com o Alemão" e "Milagres no Coração" publicados por Vida Nova. |
Neste livro inovador e provocativo, o autor responde a uma importante indagação: “A religião até pode ter servido para o meu antepassado que vivia no interior, mas como pode servir para a minha vida moderna na cidade?”. Ao partilhar o diálogo que uma pequena igreja de bairro tem mantido com a cultura à sua volta, ele sugere uma resposta: o cristianismo é não apenas adequado para a vida moderna nos grandes centros urbanos em que habitamos, mas também urgente para essa vida. Quando temos fé em Cristo em contextos que podem ser desfavoráveis, podemos ter a verdadeira fé na cidade. Publicado por Vida Nova. |