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20/jan/2017*SPOILERS DE DOUTOR ESTRANHO*
Depois de assistir a Homem-Formiga, eu quis desistir.
Filmes de super-heróis estão caindo na mesmice e você pode tentar lutar contra o fato o quanto você quiser. Aquela parte dentro de você que sempre quis ser nerd e agora pode porque hoje em dia não é só aceito, mas é rentável, e que se libertou quando viu o Wolverine na telona pela primeira vez, pode não querer admitir. E a grande salvadora desses filmes, a Marvel, é responsável por isso. Os excelentes filmes da Marvel estão ficando excelentemente iguais. Quando eu assisti, no Homem-Formiga, pela trigésima vez, a mesma jornadinha do herói, mas dessa vez com menos impacto e com uma montagem muito questionável, comecei a levar em conta a ideia da minha noiva de boicotar filmes de heróis. Batman V Superman e Esquadrão Suicida não ajudaram, ainda mais por não terem nada do carisma, conceitos e valores de produção altos de Homem-Formiga.
Mas aí anunciaram Doutor Estranho, com Benedict Cumberbatch à frente do elenco. E aí saiu um trailer de visual impressionante. E já que esse ano já tínhamos Capitão América: Guerra Civil para mostrar que a Marvel ainda sabe da coisa, por que não dar uma chance? (Quem estamos enganando? Eu vou ver todos esses filmes pra sempre).
No final, Doutor Estranho repete a mesma fórmula, roubando até mesmo alguns elementos de Homem de Ferro. Stephen Strange, um grande cirurgião, rico e famoso, orgulhoso e arrogante, sofre um acidente que lhe tira o que é mais necessário para continuar naquele status quo. Suas mãos não funcionam mais como antes. Ele, então, atravessa o mundo em busca de uma cura e acaba encontrando uma espécie de guilda de feiticeiros, protetores que lutam contra forças das trevas que tentam invadir nosso planeta.
Você sabe, mais ou menos, o resto do filme. Esse personagem vai superar sua limitação física, seus traços de personalidade problemáticos, as dificuldades do aprendizado, vai dobrar o vilão (vai dobrar cidades também nesse caso) e vai salvar o mundo. O interessante é que esse filme consegue ir além, consegue tocar em alguns temas surpreendentes e discuti-los de maneira elegante.
O Doutor Estranho do título, mesmo tendo alcançado o máximo que poderia alcançar em sua vida, tem um medo muito palpável. Isso só é sugerido no começo do filme, quando vemos que ele tem uma coleção de relógios desnecessariamente pomposa. Num acidente rápido, ele perde a base de sua fortuna, ofício e vida, e isso faz com que ele tenha em mente a fragilidade da sua vida. Isso o destrói completamente. Não tanto por ter um “apego à vida”, mas por ter um apego ao seu tempo. Pode parecer a mesma coisa, mas não é. O Doutor não quer perder tempo. Ele dispensa casos médicos que o fariam “perder tempo” (lembra do House?) porque o tempo dele é precioso demais. Perder o controle das mãos informa-o de que ele não é eterno. Quando esbarra numa organização secreta formada por feiticeiros-guerreiros, enxerga naquilo uma nova possibilidade de curar suas mãos; além de poder exercitar seu cérebro numa nova área de conhecimento. O que guia o Doutor pelo aprendizado, o que o faz ser extremamente eficiente é, além de sua memória fotográfica, sua gana por controle. E agora que tem poderes mágicos, pensa que nada poderá detê-lo. Então seus professores (e seus adversários) começam a ensiná-lo sobre controle e sobre tempo.
O vilão, interpretado por Mads Mikkelsen, está em busca de uma forma de imortalidade. Para ele, o tempo é um insulto à vida. Ele tem quase que a mesma reação que o Doutor Estranho tem, só que ele está disposto a matar e destruir para reverter sua frustração. A principal professora de magia de Strange, interpretada pela sempre ótima Tilda Swinton, também tem esse medo daquilo que o tempo pode trazer, do inevitável túnel escuro da morte. Quando ela é assassinada, consegue reduzir a velocidade do tempo (mas não pará-lo) para ter uma última conversa com Strange para confessar que ela tem medo, que ela queria poder esticar aqueles momentos para sempre para não ter que descobrir o que vem depois. Mas ela não pode. Ninguém pode. Talvez seja a cena mais interessante do filme, pois mostra a fragilidade de alguém poderosíssima perante a impiedade dos ponteiros do relógio.
Strange consegue usar um artefato que manipula o tempo chamado de o Olho de Agamotto. Com esse amuleto, ele avança, volta e faz todo tipo de falcatrua com o tempo. E todos em volta dão o alerta: não brinque com o tempo. Isso é uma responsabilidade muito pesada.
Próximo ao final do filme, ele usa o tempo para reconstruir uma cidade (não só uma citação temática sobre a fantasia da recuperação do tempo perdido, como também uma alfinetada em todos os outros filmes de herói). Mas sua jornada realmente se mostra completa quando ele enfrenta um demônio transdimensional, Dormammu, que quer invadir a Terra. Ele consegue prender o demônio num loop de tempo e, toda vez que o demônio o mata, ele reaparece novamente. Um Dia da Marmota místico e sinistro, já que Strange condenou-se a morrer para sempre até que a paciência de Dormammu acabe. Ele conseguiu ir de um entendimento egoísta sobre o seu tempo a um desprendimento tão extremo que estaria disposto a se sacrificar infinitamente para salvar o mundo. Ele queria a eternidade e jogou-se numa eternidade terrível em prol da humanidade. A cena acaba sendo engraçada e é também outra alfinetada nos outros filmes de heróis porque aqui o herói vence o vilão com inteligência e, quem sabe, filosofia. E com tempo. Com um entendimento de que o tempo não deve ser temido. Deve ser aceito. É inevitável.
Doutor Estranho é um filme visualmente assombroso, com atores bons e ação divertida. Tem uma trilha sonora bem inspirada em rock progressivo, o que é sempre um bônus. É uma história sobre alguém que perde o controle de suas mãos e que tem medo do tempo, transformando-se quase que exatamente num Capitão Gancho moderno. Tem medo de crescer, medo de morrer. Medo do tic-tac assombroso e do que ele significa. Medo de que não poderá esticar seu último segundo na Terra indefinidamente e terá que encontrar-se com seu Criador. O que é interessante é que o Doutor consegue vencer seu medo e aprender um pouco mais sobre a paz que liberar controle traz. De que, talvez, não fomos feitos para ter tanto controle em nossas mãos. Ele termina o filme menos doutor e mais sábio. O que nos traz a deixa: temos que parar de tentar controlar o tempo. O Olho de Agamotto é responsabilidade demais para nós.
Rock progressivo pra vocês.
Silas Chosen é roteirista, cineasta, publicitário, ilustrador e é viciado em cinema e histórias. Escreve para sites e programas de rádio sobre cinema, cultura pop e cristianismo desde 2004. Faz parte da 4U Films, ministério de cinema independente. |