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Daniel Dennett

De acordo com o filósofo inglês John Lucas, naturalismo filosófico é agora a ortodoxia do mundo intelectual ocidental. Isso é plausível; é de algum modo uma das atuais ortodoxias acadêmicas (a outra, talvez, seja um tipo de antirrealismo criativo e relativista em relação à verdade, associado com certas áreas do pós-modernismo). Talvez o modo mais fácil de entender o naturalismo é vê-lo como a visão de que não há tal pessoa como Deus (nenhuma pessoa todo-poderosa, todo-sábia e totalmente boa que criou o mundo e os seres humanos à sua imagem), nem algo que seja semelhante a Deus. O naturalista – o naturalista contemporâneo, de qualquer maneira – apresenta tipicamente uma visão elevada da ciência, vendo-a como o único meio possível de salvação.

O livro de Daniel Dennett, A Perigosa Ideia de Darwin, é uma grande (muito grande) e brilhante exploração e defesa do naturalismo – ou, pelo menos, de alguns aspectos dele. Em muitas áreas fala com autoridade; é escrito com paixão e poder; eu não ficaria de modo nenhum surpreso se esse livro adquirisse o status de clássico menor (ou talvez maior) entre os cânones do naturalismo. Dennett tenta ao menos fazer três coisas: (1) explicar a perigosa ideia de Darwin e mostrar como o mundo parece se você levá-la realmente a sério, (2) desenvolver essa ideia, ou talvez defendê-la, ou argumentar que ela é de algum modo, possivelmente verdadeira, ou nos persuadir de que é verdadeira, ou possivelmente verdadeira (é difícil dizer qual), e (3) animar e exortar naturalistas tímidos e de coração dividido que não são capazes de admitir as implicações totais de sua posição, agindo com uma falsa consciência.

Dennett não se limita somente a interesses teóricos. Ele vê as religiões sérias como diminuindo seriamente o progresso da ciência, mas sugere que devemos manter alguns batistas e outros fundamentalistas por perto em algo parecido com um zoológico cultural (sem dúvida com fossos profundos para proteger o resto de nós esclarecidos não-fundamentalistas). Nós devemos preservar alguns batistas pelo bem-estar da posteridade – mas não, ele afirma, a qualquer custo. “Salve os batistas”, ele diz, “mas não de qualquer modo (ênfase de Dennett). Não, se isso significa tolerar a deseducação deliberada de crianças sobre o mundo natural”. Salve os batistas, tudo bem, mas somente se eles prometerem não deseducar seus filhos ao ensiná-los que “o ‘Homem’ não é um produto da evolução por seleção natural” e outras visões descaradamente questionáveis. Mas e se eles insistirem em ensinarem essas heresias para seus filhos? (batistas são batistas, afinal de contas). Nós seremos obrigados a remover as crianças batistas da influência nociva dos seus pais? Deveríamos colocar cercas ao redor dos zoológicos e verificar se, por acaso, não existe um lugar para eles no norte da Sibéria?[1] Dennett não diz, mas seria interessante ouvir sua resposta. Ainda há muito mais a dizer sobre o livro de Dennett. Ele contém uma multidão de informações entusiasmadas sobre o pensamento darwiniano em geral, assim como muitas explicações detalhadas de teorias darwinianas específicas. Existe uma excelente explicação e desenvolvimento da noção central de Espaço de Buscas – o espaço de todos os possíveis designs orgânicos – e algumas das noções (topologia adaptativa) à sua semelhança. Também existe uma multidão de detalhes sobre tópicos apenas tangencialmente conectados ao argumento principal: uma excursão sobre arcos e arquitetura medieval, algumas etimologias, relatos de coisas que Dennett pensa ou faz, anedotas sobre pessoas famosas na evolução e no pensamento evolucionário, e muito mais. O livro é bem escrito, e um pouco pomposo. É divertido de ler, apesar de que alguns podem ser afastados por conta de sua prolixidade (sem a clássica moderação e economia aqui), por frequentes e muitas vezes inexplicáveis digressões e por uma tendenciosidade generalizada, ou talvez um certo direcionamento para a demagogia[2]. Há algo mais a ser dito contra o livro. Em particular, mesmo que Dennett apresente seus argumentos com fervor religioso (e de fato seus argumentos são, de um ponto de vista agostiniano, basicamente religiosos) suas incursões dentro de teologia filosófica e filosofia da religião são, no seu melhor, bem abaixo do esperado. Dizer que eles não inspiram confiança seria de uma modéstia colossal.

A ideia em si mesma

Em primeiro lugar, então, qual é a Perigosa Ideia de Darwin e por que ela é perigosa? Como podemos esperar, ela inclui a noção de que todas as criaturas do mundo vieram à existência por meio da evolução – descendência com modificação. Todas as criaturas contemporâneas estão ligadas por laços genealógicos, de maneira que quaisquer seres vivos que você escolher – você e a abobrinha no seu jardim, por exemplo – são na verdade primos por baixo da pele (casca). Mas é muito mais que isso. Dennett inicia o livro relembrando as palavras de uma das suas músicas favoritas da infância, “Diga-Me Por Que”:

Diga-me por que as estrelas brilham,

Diga-me por que a trepadeira cresce,

Diga-me por que o céu é tão azul,

Então eu te direi por que eu te amo.

Ele continua até citar o último verso: “Porque Deus fez as estrelas para brilhar,… Porque Deus fez você, é por isso que eu te amo.” (ele chega ao ponto de providenciar a música em um apêndice, prestativamente adicionando: “A linha da harmonia é geralmente cantada pelas vozes mais altas um oitavo acima da melodia.”). A imagem do jovem Dan Dennett cantando “Diga-Me Por Que”, com os olhos umedecidos extasiadamente fechados, é sem sombra de dúvidas bonito e tocante, mas qual é o ponto aqui?

Como se segue, a perigosa ideia de Darwin, diz Dennett, é simplesmente a ideia que o mundo com toda a sua beleza e majestade, com todo o seu magnífico e engenhoso design, não foi criado por Deus ou nada semelhante a Deus, mas foi produzido por processos cegos, inconscientes, mecânicos e algorítmicos como a seleção natural – um processo, ele diz, que cria “design do caos sem o auxílio de uma Mente”. A ideia é que mente, inteligência, previsibilidade, planejamento e design são todos elementos tardios no universo, eles mesmos criados pelo processo irracional da seleção natural. A ideia é que os seres humanos são o ápice de um processo irracional; eles não são desenhados ou planejados por Deus ou qualquer outro. E essa ideia é perigosa, ele pensa, porque se a aceitarmos, seremos forçados a reconsiderar toda nossa infância e nossas ideias infantis sobre Deus, moralidade, valores, o significado da vida e similares. Cristãos, é claro, acreditam que Deus sempre existiu; a mente, então, é algo que sempre existiu e esteve envolvida na produção e planejamento de tudo o que há. De fato, muitos já pensaram que é impossível que a mente possa ter sido produzida da matéria não-pensante; como John Locke colocou “…é impossível conceber que jamais uma pura matéria não-cogitativa possa produzir um ser pensante e inteligente, como se nada pudesse por si mesmo produzir a matéria.”[3]

A perigosa ideia de Darwin é que essa noção não é simplesmente possível; ela é a verdade soberana sobre o assunto. O que nós conseguimos até aqui é apenas um reforço do naturalismo perene ou ateísmo; Demócrito e Lucrécio teriam concordado. O que há de novo ou especial na versão de Dennett? Em primeiro lugar, Dennett vê que as ideias evolucionárias de Darwin (em particular a seleção natural) dá ao naturalista uma sugestão genuína de como todas as maravilhas do mundo natural podem ter surgido sem um ato de divina criatividade, orientação ou orquestração. Antes do advento e desenvolvimento do darwinismo, o naturalista (Hume, por exemplo) não apresentava resposta para a pergunta “Bem, então, como essa enorme variedade de flora e fauna, com todo esse aparente design, apareceu? De onde vieram todo esse design e variedade?” Depois de Darwin, porém, havia uma resposta para a pergunta – não uma resposta satisfatória, talvez, mas pelo menos uma história viável. De acordo com Richard Dawkins, “Darwin tornou possível ser um ateu intelectualmente realizado”[4].

Eu duvido que seja possível ser um ateu intelectualmente realizado, mas o darwinismo realmente confere ao naturalista uma resposta possível para o que, de outra maneira, seria uma questão embaraçosa. Como Dennett coloca, “Aqui, então, está a perigosa ideia de Darwin: o nível algorítmico (o nível da seleção natural) é o nível que melhor explica a velocidade do antílope, as asas da águia, o formato da orquídea, a diversidade das espécies e todas as outras ocasiões de deslumbramento no mundo da natureza.” Ele bem poderia ter adicionado: nosso senso moral, nossas sensibilidades religiosas, nossos esforços artísticos e nossa habilidade de fazer ciência. Muito do livro é um esforço em mostrar quão bem esse nível algorítmico de explanação funciona e que bela resposta à questão anterior Darwin colocou em mãos naturalistas.

Bem, como Dennett tenta mostrar que esta é, de fato, uma boa resposta? Primeiro ele insiste que toda a vida realmente foi produzida pela evolução. De fato, ele afirma que, se você duvida disso, você é indesculpavelmente ignorante: “Dizendo franca, mas honestamente, qualquer um nesses dias que duvide que a variedade de vida no planeta fosse produzida pelo processo da evolução é ignorante – indesculpavelmente ignorante…” Note que você não precisa rejeitar a evolução para ser qualificado como indesculpavelmente ignorante: tudo o que você tem que fazer é manter uma dúvida ou duas. Você estuda a evidência com grande cuidado, mas se mantém duvidoso se Deus realmente fez as coisas desse jeito: de acordo com Dennett, você é indesculpavelmente ignorante. Aqui Dennett está seguindo Richard Dawkins, que escreveu em uma resenha para o New York Times: “É absolutamente seguro dizer que se você encontra alguém que afirme não acreditar na evolução, essa pessoa é ignorante, imbecil e insana (ou maligna, mas eu prefiro não considerá-la assim).” Eu diria que Dennett vai além de Dawkins aqui, porque pelo menos Dawkins dá aos céticos uma escolha. Podemos ser ignorantes, ou imbecis, ou insanos ou talvez até malignos. Mas Dennett é mais duro: ele não nos dá opção nenhuma e, de fato, engloba duas das características de Dawkins: nós, céticos da evolução, somos tanto ignorantes como malignos (indesculpáveis). Aparentemente evolução é como a lei: ignorância sobre ela não é desculpa. Aqui Dennett e Dawkins lembram certo tipo de personalidade religiosa que nos é familiar: se você discorda dela, você não está somente errado, mas é mau e deveria ser punido, se não nessa vida, então certamente na próxima.

É claro que a reivindicação de Dennett não é somente que todas as maravilhas da vida contemporânea foram produzidas pela descendência com modificação, mas que isso aconteceu sem a ajuda de Deus ou qualquer outro (ou qualquer coisa); tudo aconteceu somente pela graça da irracional seleção natural. A vida mesma se originou através das regularidades da física e química (através de certa forma de seleção natural); e a seleção natural produziu a linguagem e a mente, incluindo nossas produções artísticas, morais, religiosas e intelectuais. Muitos consideraram essa afirmação extremamente duvidosa; é realmente possível que algo como a linguagem, ou a consciência, tenham sido produzidas por processos desse tipo? Uma das mais impressionantes características do pensamento é sua intencionalidade, concernência (aboutness). Nós podemos pensar sobre toda sorte de coisas, algumas bem distantes de nós. Podemos pensar sobre a antiga Esparta, o Big Bang, o anjo Gabriel, teoremas lógicos, princípios morais, possíveis estados de coisas, o próprio Deus e muito mais: poderia mesmo esta habilidade ter surgido (começando a partir das bactérias, eles dizem) apenas pelo meio irracional da seleção natural? Dennett não nos mostra realmente, é claro, que foi assim que aconteceu, ou mesmo que possivelmente foi. Sua estratégia básica é simplesmente afirmar (alta e pausadamente, como de fato foi) que essas coisas devem ter acontecido, providenciando uma avalanche de hipóteses e especulações científicas (por exemplo, sobre o que acontece em várias partes do cérebro quando você se lembra, fala, percebe, etc.). Essa rica porção do pensamento e das hipóteses evolucionárias nesse tópico são bastante interessantes e Dennett tem uma compreensão de primeira classe da vasta literatura. Mas, por exemplo, nenhuma das suas sugestões (tiradas das ciências cognitivas e similares) de fato abordam a questão de se realmente é possível que a mente e a intenção possam ter surgido desse modo; eles simplesmente presumem que é assim[5]. Essas partes do livro contêm uma grande quantidade de especulação desmedida, bem como uma forte saída pela tangente.

Um segundo projeto do livro, como eu disse, é animar naturalistas debilitados. Dennett distingue o que ele chama gruas (cranes) de ganchos celestes (skyhooks):

Devemos entender que um gancho celeste é uma força ou processo “oriundo da mente”, uma exceção ao princípio que todo design e aparência de design são, em último caso, o resultado de processos irracionais, sem propósito e mecânicos. Uma grua, em contraste, é um subprocesso ou característica especial que pode ser demonstrada para permitir a aceleração local do mais básico e lento processo de seleção natural, e que pode ser demonstrado ser ela mesma o produto previsto (ou retrospectivamente explicável) desse processo básico.

Um exemplo de grua seria a reprodução sexual, por meio da qual, Dennett afirma, organismos “podem se mover através do Espaço de Buscas com muito maior velocidade do que aquela conseguida por organismos que se reproduzem assexuadamente.” Por outro lado, a criação especial feita por Deus da vida, ou mente, ou seres humanos, ou pardais, ou qualquer outra coisa, seria um gancho celeste, assim como seria qualquer outro processo inespecífico ou desconhecido (elan vital, por exemplo) que ocupe os espaços desocupados deixados por supostas deficiências na evolução darwiniana. Agora, Dennett pensa que há muitos que abandonaram a religião da infância e rejeitaram a ideia de que há tal pessoa como Deus, que endossam a ideia de que todas as formas de vida, incluindo nós mesmos, surgiram de alguma maneira pela evolução, que pelo menos defendem verbalmente a perigosa ideia de Darwin, mas, apesar de tudo, não podem ou não querem abraçar suas implicações totais. Eles se encontram duvidando que a evolução darwiniana possa realmente explicar ou responder por coisas como o desenvolvimento do cérebro humano, por exemplo, a linguagem ou a consciência. Eles não necessariamente duvidam de que elas evoluíram, mas duvidam ou negam que os mecanismos darwinianos são suficientes; deve existir algo a mais. Tais pessoas, Dennett pensa, deveriam envergonhar-se de si mesmas. Elas são brandas com a religião, ou pelo menos estão desejosas de um gancho celeste; e fazendo isso elas caem numa espécie de doença dos nervos, uma falsa consciência. Correr atrás de ganchos celestes é uma coisa ruim, e muito do livro é devotado a desaprovar aqueles que (assim ele pensa) o fazem – Noam Chomsky, Roger Penrose, John Searle e especialmente Stephen Jay Gould[6]. (É claro que a ambivalência desses pensadores deve ser devido a algo diferente de má-fé ou pusilanimidade; talvez eles estejam inclinados a aceitar a perigosa ideia de Darwin, mas também veem algumas de suas implicações como dando um motivo sério para pausa, ao invés de novas descobertas a serem abraçadas entusiasticamente.)

Por que acreditar nisso?

Uma questão que ocorre naturalmente ao leitor do livro é: por que Dennett acha que nós devemos aceitar a perigosa ideia de Darwin? Concordemos que seja audaciosa, revolucionária, antimedieval, quintessencialmente contemporânea, e que contenha aquela nobre qualidade estoica de um cilício que Bertrand Russell disse gostar em suas próprias crenças. Ainda sim, por que deveríamos acreditar nela? Eu penso que Dennett tenta dar uma resposta para essa pergunta (e não está meramente pregando o coro naturalista). Ele repete diversas vezes que acreditar num Deus “antropomórfico” é infantil, irracional ou, de qualquer maneira, fora de questão nos dias atuais. O que ele vê como um Deus antropomórfico, ademais, é precisamente o que os cristãos tradicionais acreditam – um Deus a quem os seres humanos se referem em virtude de serem pessoas, o tipo de seres que são capazes de crenças e conhecimento, que possuem objetivos e propósitos e que agem sobre suas crenças de maneira a tentar alcançar esses objetivos.

Bem, por que isso é infantil? A resposta de Dennett, tanto quanto podemos entender, é que os argumentos tradicionais para a existência de Deus não funcionam. Ele menciona somente um argumento, o assim chamado argumento do desígnio: o universo e muitas de suas partes dão a aparência de terem sido projetados por um designer de inteligência e poder admiráveis, então provavelmente existe um Designer Inteligente. Dennett pensa que algumas considerações darwinianas são suficientes para derrubar esse argumento; eles mostram como todo esse design aparente do mundo natural pode ter aparecido sem a ajuda de um Designer inteligente. Atualmente, porém, a versão mais popular do argumento do design envolve o requintado ajuste fino das leis e regularidades da natureza. As constantes fundamentais da física – a velocidade da luz, a constante gravitacional e as forças nucleares forte e fraca – parecem exigir valores que caem dentro de um espectro extremamente reduzido para possibilitar a extrema diversidade da vida. Se esses valores tivessem sido mesmo minimamente diferentes (se, por exemplo, a força gravitacional tivesse sido diferente mesmo num grau minúsculo) planetas habitáveis não teriam se desenvolvido e a vida (ao menos a vida como nós a conhecemos) não teria sido possível. Isso sugere ou torna plausível o pensamento de que o mundo foi projetado ou criado por um Designer que pretendeu a existência de criaturas vivas e eventualmente criaturas significativamente racionais, inteligentes e morais. Como suas predecessoras do século 17 e 18, essa versão do argumento é probabilística em vez de dedutiva: dada a natureza do mundo, é provável que tenha sido planejada por um Designer inteligente. As premissas não implicam a conclusão, mas concedem a você algumas razões para aceitá-la. A réplica de Dennett é que possivelmente, “ocorreu uma evolução de mundos (no sentido de universos inteiros) e o mundo em que nós nos encontramos é simplesmente um entre incontáveis outros que existiram através da eternidade”. E dada a infinidade de universos, Dennett pensa, todas as possíveis distribuições de valores das constantes cosmológicas teriam sido tentadas[7]; se isso aconteceu, nós nos encontraríamos em um dos universos onde as constantes são tais que permitiram o desenvolvimento da vida inteligente (onde mais?).

Bem, talvez tudo isso seja logicamente possível (e, novamente, talvez não seja). Como uma resposta a um argumento probabilístico, entretanto, é bastante anêmico. Como essa resposta teria sido recebida em Tombstone ou em Dodge City? “Bem, rapazes, eu sei que é um pouco suspeito que toda vez que eu jogo as cartas eu lanço quatro ases e um coringa, mas vocês já consideraram o seguinte? Possivelmente existe uma sucessão infinita de universos, de modo que para qualquer distribuição possível de cartas de pôquer há um universo no qual essa possibilidade é concretizada; apenas tivemos a sorte de nos encontrar em um em que alguém como eu sempre joga ases e coringas sem precisar roubar.

Então “baixem suas armas e tomem assento, seus tolos”. A resposta de Dennett nos mostra, no máximo (“no máximo”, porque esta história sobre uma possibilidade infinita de universos é de uma coerência duvidosa), o que nunca foi questionado: que as premissas desse argumento sobre o design aparente não levam à essa conclusão. Mas é claro que isso foi reconhecido desde o começo: ele foi apresentado como um argumento probabilístico, não um que seja dedutivamente válido. Além do mais, desde que um argumento seja bom, mesmo que não seja dedutivamente válido, você não pode refutá-lo apenas apontando que ele não é dedutivamente válido. Você pode muito bem rejeitar o argumento da evolução apontando que a evidência da evolução não implica que ela tenha realmente ocorrido, mas torna esse fato possível. Você pode também rejeitar a evidência da redondeza da Terra apontando para o fato de que existem muitos mundos possíveis dos quais nós temos toda a evidência de que a Terra é redonda, mas de fato ela é plana. Qualquer que seja o valor desse argumento do design, Dennett fracassa em atingi-lo.

Mas existe uma questão mais importante que Dennett ignora completamente. Como eu disse, ele parece pensar que alguém somente pode acreditar sinceramente em Deus com base em algum argumento, algo na linha dos argumentos teístas tradicionais. Mas por que pensar algo assim? Por que pensar que é necessário um argumento para ser racional acreditar em Deus? Existe uma multidão de coisas que nós aceitamos racionalmente sem precisar de argumentos – que existe um passado, por exemplo, ou que existem outras pessoas, ou um mundo externo, ou que nossas faculdades cognitivas são racionalmente confiáveis. Ademais, uma lição a ser aprendida da história moderna da filosofia, de Descartes a Hume e Reid, é que provavelmente não existem bons argumentos para essas coisas – mas mesmo assim é perfeitamente racional aceitá-las. Não poderia o mesmo ser verdadeiro para a crença em Deus? Mesmo assim, pensadores cristãos como Aquino, Calvino, Jonathan Edwards (para não mencionar São Paulo) e muitos outros sustentaram que a crença em Deus e em algumas verdades específicas do cristianismo são racionalmente justificáveis, sim, mas não precisam ser aceitas com base nesse argumento. Indo mais além, essa mesma questão tem sido o coração da filosofia da religião contemporânea (bem aqui nos EUA, onde Dennett vive) por cerca de 20 anos ou mais[8]. Mas Dennett ignora a questão totalmente, assumindo despreocupadamente que a crença em Deus é racionalmente justificável somente se aceita com base em argumentos ou somente se bons argumentos para ela.

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Eu disse que pensadores cristãos há tempos afirmam que as verdades cristãs não precisam ser aceitas com base em “argumentos racionais” para serem intelectual ou racionalmente justificáveis. Com base em que então? Suponha que pensemos sobre as faculdades cognitivas e intelectuais envolvidas na ciência: elas incluiriam percepção, memória e aquilo que chamaríamos ‘intuição racional’, a faculdade por meio da qual nós conhecemos verdades matemáticas e lógicas. Usemos o termo “razão” para se referir ao conjunto dessas faculdades (percepção, memória, intuição racional e tudo o mais empregado em ciência); então o que Aquino, Calvino e a maior parte da tradição cristã sustentaram é que as verdades do cristianismo não necessitam (e provavelmente não podem) ser provadas com base na razão para serem racionalmente aceitáveis, pois existem outras fontes de conhecimento somadas à razão: também existe (para colocar as coisas ao modo de Calvino) o Sensus Divinitatis e a , que é uma resposta ao testemunho interno do Espírito Santo. É por meio dessas fontes de conhecimento que alguém reconhece a verdade da fé, como o fato que Deus estava, em Cristo, reconciliando consigo o mundo. Uma posição que o cristão deve ter sobre a evolução, então, é que ele sabe por fé que (contrário à perigosa ideia de Darwin) Deus criou o mundo natural de uma maneira ou outra e pela razão (ciência) que Ele deve tê-lo feito ou provavelmente o fez pela evolução. Mas, e quanto à origem da vida em si mesma? Aqui se salienta o fato da enorme dificuldade de conceber um modo pelo qual isso possa ter acontecido somente pelas regularidades da física e química. Um cristão ou outro teísta, então, pode sensatamente concluir que Deus fez algo fora do ordinário aqui, especialmente criar a vida.

Dennett percebe essa possibilidade, mas dá uma resposta extraordinária. Ele cita Richard Dawkins:

Este é um argumento claramente fraco, além de ser autorrefutável. A complexidade organizada é uma coisa que nós temos dificuldade em explicar. Uma vez que somos autorizados a simplesmente postular uma complexidade organizada, como a complexidade organizada do DNA/máquina replicadora de proteína, é relativamente fácil invocá-la como uma geradora de mais complexidade organizada… Mas é claro que um Deus capaz de projetar inteligentemente algo como o DNA/máquina replicadora de proteína deve ser pelo menos tão complexo e organizado quanto a própria máquina.[9]

Dennett aparentemente considera isso um golpe de mestre: “a réplica de Dawkins ao teórico que invoca Deus para pular o processo de evolução é uma refutação imbatível, tão devastadora hoje como quando Philo a usou para derrotar Cleantes nos Diálogos de Hume dois séculos atrás.” Sinto muito por dizê-lo, mas não me parece ser nenhum golpe de mestre. A réplica de Dawkins não é nem imbatível, nem devastadora, nem mesmo relevante; ela se dirige a um ponto irrelevante para a questão. Dawkins acusa os teístas de dar uma explicação circular. Eles tentam explicar a complexidade organizada (por exemplo, a mente); então eles propõem uma hipótese explanatória de que existe uma Mente Eterna não criada que criou todo o resto; mas eles estupidamente negligenciam o fato de que essa Mente Eterna teria que ser (naturalmente falando) uma mente e teria que pensar de maneira complexa o suficiente para se igualar à complexidade daquilo que ela cria[10]. Assim, eles tentam explicar a complexidade organizada, mas desapercebidamente apenas a presumem ou postulam.

Isso seria realmente muita desatenção, é verdade, mas é claro que não é isso que os teístas fazem. Em primeiro lugar, eles não estão tentando explicar a existência de complexidade organizada, mas a existência da vida na terra. Em segundo lugar, eles não postulam a existência de Deus, como se fosse uma espécie de hipótese científica. Eles não propõem a existência de Deus (muito menos outras doutrinas cristãs características, como a Trindade, Encarnação, Expiação) como uma espécie de hipótese, feita para explicar a complexidade organizada ou outros fenômenos. Eles não acreditam em Deus porque a existência e o agir de Deus é uma boa hipótese, uma boa explicação da complexidade organizada do mundo. Quando Deus fala com Moisés da sarça ardente, Moisés não disse, “Ei! Olhe para aquela sarça ardente! Está pegando fogo, mas não se queima! E ouça os sons vindo dela! Qual a melhor hipótese explanatória que eu posso pensar? Talvez exista um ser todo-poderoso, conhecedor de todas as coisas e inteiramente bom que criou o mundo e ele está me chamando através daquela sarça. Sim, deve ser isso, é uma boa explicação para o fenômeno.” Cristãos não raciocinam dessa maneira: “Qual a melhor explicação para toda essa complexidade organizada e o resto daquilo que vemos ao nosso redor? Bem, vejamos, talvez haja um ser onisciente, onipotente e totalmente bom que criou o mundo. Sim, é isso; e talvez esse ser seja uma de três pessoas, sendo que as outras duas são seu divino Filho e a terceira pessoa procede das duas primeiras (mesmo assim eles não são três deuses, mas um); a segunda pessoa se encarnou, sofreu, foi crucificada e morreu, fazendo expiação por nossos pecados, tornando possível que tenhamos vida e vida em abundância. Certo. Tem que ser isso; é uma explicação elegante dos fatos.” Que cristão raciocinaria desse jeito? Praticamente nenhum. Ao contrário, o cristão tradicional pensa que ele sabe dessas coisas por meio da e suas correlatas: a revelação por meio da inspiração divina nas Escrituras e/ou o ensino da igreja, o corpo de Cristo. Ele não afirma, é claro, que esses ensinos constituem a melhor explicação científica de certos fenômenos, não mais do que acreditamos que exista um passado porque essa é uma boa explicação científica de fenômenos presentes como faces enrugadas, livros empoeirados, automóveis enferrujados e montanhas desmoronadas (é claro que uma vez que ele saiba, segundo sua opinião, que Deus criou os céus e a terra, ele pode usar esse fato para explicar o que de outro modo seria inexplicável).

Dawkins e Dennett fazem uma pressuposição totalmente injustificada, inarticulada e implausível sobre os ensinos cristãos: que eles são propostos e sustentados como um tipo de ciência, um esforço para explicar certas coisas, como o fato que há uma grande quantidade de complexidade organizada, variedade e design aparente no mundo. Vista como uma hipótese científica feita para explicar a complexidade organizada, as doutrinas cristãs talvez sejam carentes – talvez tão carentes quanto a ciência seja, se fosse vista como uma religião, como um caminho para estar em um relacionamento correto com Deus.

Agora Dennett nota que crentes em Deus sempre afirmaram que existem outras fontes de conhecimento além da razão. Sua resposta, mais uma vez, é monumentalmente inadequada:

O filósofo Ronald de Sousa uma vez descreveu memoravelmente a teologia filosófica como “um [jogo de] tênis intelectual sem uma rede”, e eu prontamente admito que estive pressupondo sem comentar ou questionar até agora que a rede do julgamento racional estava armada. Nós podemos baixá-la se vocês realmente quiserem. É o seu serviço. O que quer que vocês sirvam, presumam que eu rudemente retornarei o serviço da seguinte forma: O que você diz implica que Deus é um sanduíche de presunto envolvido em papel alumínio. Isso não é muito a se esperar de um Deus a que se deve adorar.

Bem, provavelmente não, mas o que leva Dennett a falar desse miserável sanduíche de presunto em primeiro lugar? Aonde ele quer chegar? Não é fácil dizer. O tópico é a reivindicação de parte de alguns (a maioria) dos cristãos de que eles possuem uma fonte de conhecimento ou informação sobre o mundo em acréscimo à razão. Estaria Dennett dizendo que qualquer um que faça essa afirmação está sendo contado como tão irracional quanto Dennett seria se ele lançasse bruscamente aquele sanduíche de presunto? Eu penso que sim; mais abaixo na mesma página ele diz “…pense no quanto você realmente quer abandonar a razão quando ela está do seu lado.” Segue-se, então, um conto sobre como você está fazendo turismo em um país estrangeiro, seu cônjuge é morto e, no julgamento, o juiz é influenciado mais fortemente pelo relato (dos parentes do assassino) sobre o caráter exemplar do acusado do que pelo relato da testemunha que o viu cometer o crime: isso seria irracional e você não gostaria disso, gostaria? Ele continua:

Você gostaria de ser operado por um cirurgião que diz a você que sempre que uma pequena voz em sua cabeça lhe diz que deve desconsiderar seu treinamento médico ele decide ouvi-la? Eu sei que soa educado deixar as pessoas verem os dois lados… Mas estamos tentando seriamente chegar até a verdade aqui, e se você pensa que esse entendimento comum, mas não declarado sobre a fé, é qualquer coisa melhor que um obscurecimento social útil para evitar constrangimentos mútuos e perda de prestígio, então você viu muito mais profundamente essa questão do que qualquer filósofo jamais viu (pois nenhum apareceu até hoje com uma boa defesa disso) ou você está se enganando.

Porém, filósofos têm aparecido com boas defesas para a ideia de que existem fontes de conhecimento alternativas à razão (isto é, percepção, memória, intuição racional…). Além do mais, Dennett parece pensar que, se existem quaisquer outras fontes de informação ou conhecimento além da razão, a libertação dessas fontes iria necessariamente ser contra a razão. Mas isso, obviamente, é apenas uma confusão. Cristãos e ouros teístas podem pensar que sabem por fé que Deus criou o mundo e de certo modo supervisiona, rege ou guia o processo de evolução (talvez porque vejam que as mutações certas surgem no tempo certo, que certos grupos de criaturas não sofrem extinções prematuras, etc.); então eles podem afirmar saber algo em acréscimo ao que a razão fornece – mas não, é claro, algo que vá contrário à razão. (Não existe nada na atual ciência evolucionária que mostre ou sugira que Deus não tenha supervisionado a evolução). Não é papel da razão insistir que não pode haver nenhuma outra fonte de verdade; está perfeitamente de acordo com a razão supor que existem outras fontes de verdade em acréscimo à razão[11]. Parece que aqui é Dennett quem está convenientemente abaixando a rede um palmo ou dois quando anuncia seu retorno. (Talvez uma metáfora de tênis mais adequada seja de que ele tenha tentado bater na bola, mas não a acertou).

Mas o que ele diz também sugere uma terceira possibilidade:

Agora, se vocês querem pensar racionalmente sobre a fé, e oferecer uma defesa racional (e racionalmente adequada) da fé como uma categoria extra de crença digna de consideração especial, eu estou pronto para brincar… O que eu quero ver é um fundamento racional para levar a fé a sério como um meio de se chegar à verdade, e não, como se diz, como um modo das pessoas consolarem a si mesmas e uns aos outros… Mas você não deve esperar que eu concorde com sua defesa da fé como um caminho para a verdade se, em qualquer ponto, você apelar ao mesmo critério que está supostamente tentando defender.

Aqui, Dennett parece presumir que se você não pode mostrar pela razão que uma suposta fonte de verdade é de fato confiável, então é impróprio aceitar o uso dessa fonte. Esse pressuposto nos leva de volta à afirmação lockeana, iluminista de que, conquanto haja uma coisa tal como uma revelação divina, seria irracional aceitar qualquer crença como divinamente revelada a não ser que possamos oferecer um bom argumento racional de que foi. Mas, de novo, por que pensar uma coisa como essa? Tomo outras fontes de conhecimento: intuição racional, memória e percepção, por exemplo. Nós poderíamos demonstrar através dos dois primeiros que o terceiro é de fato confiável – isto é, sem depender de modo algum das condições do terceiro? Não, não podemos; assim como não podemos demonstrar pelo primeiro e pelo terceiro que a memória é confiável, nem (é claro) pela percepção e memória que a intuição racional é. Nem podemos dar um argumento racional decente e definitivo para o fato de a razão ser em si mesma confiável. Disso segue-se que é irracional confiar nessas supostas fontes, em aceitar suas condições? Certamente que não. Então por que insistir que é irracional aceitar, digamos, o Testemunho Interno do Espírito Santo a não ser que possamos dar um argumento conclusivo de que há de fato tal coisa e de que aquilo que ele fornece é a verdade? Por que tratar essas supostas fontes de maneira diferente? Não existe muita arbitrariedade em insistir que qualquer suposta fonte de verdade deva justificar a si mesma dentro das condições da intuição racional, percepção e memória? Talvez Deus tenha nos dado diferentes fontes de conhecimento sobre o mundo e nenhuma delas possa ser demonstrada como confiável usando somente os recursos das outras. Mais uma vez, abaixando a rede arbitrariamente (ou errando a bola).

Finalmente, me parece que, em um aspecto, a perigosa ideia de Darwin é muito mais perigosa do que Dennett se dá conta. De acordo com Richard Rorty,

A ideia de que uma espécie de organismo seja, diferentemente das outras, orientada não para seu próprio desenvolvimento pessoal, mas para a Verdade, é uma ideia tão não darwiniana como a ideia de que cada ser humano tem um compasso moral incorporado – uma consciência que oscila livre tanto da história social como da sorte individual.[12]

Os pronunciamentos de Rorty nem sempre inspiram confiança máxima, mas aqui ele parece ter chegado a algo (apesar de que, como Dennett, ele falha em ver o real perigo aqui). Ele diz que duas ideias são não darwinianas: que nós temos uma mente orientada para a Verdade e uma consciência que nos põe em contato com o certo e o errado. Dennett realmente tenta lidar com o segundo de uma perspectiva darwiniana (embora o que ele tente explicar não é como pode haver algo como o certo e o errado, o bem e o mal, dessa perspectiva, mas como é que pensamos que existem tais coisas).

Mas a outra parte da sugestão de Rorty é onde o verdadeiro perigo intelectual da perigosa ideia de Darwin realmente se encontra (mesmo se a ideia de Rorty de “Verdade” seja apenas a verdade ordinária do dia a dia). Mas por quê? Aqui eu posso apenas sugerir um argumento[13]. A perigosa ideia de Darwin é na verdade a junção de duas ideias: o naturalismo filosófico junto com a afirmação de que nossas faculdades cognitivas se originaram por meio da seleção natural, agindo em certas formas de variação genética. De acordo com essa ideia, então, o propósito e função dessas faculdades (se eles tiverem uma) é nos habilitar para promover nossa sobrevivência ou sobrevivência e reprodução, mais precisamente, a maximização da adaptabilidade (maximization of fitness) (a probabilidade de sobrevivência e reprodução). Ademais, a probabilidade de que nossas habilidades cognitivas sejam confiáveis (isto é, nos equipem com uma predominância de crenças verdadeiras) sobre a perigosa ideia de Darwin é baixa ou inescrutável (isto é, impossível de estimar). Mas ambas dão aos devotos do naturalismo evolucionário um anulador (defeater) para a proposição de que suas capacidades cognitivas são confiáveis, uma razão para duvidar, desistir, rejeitar essa crença natural. Se for assim, então também lhes dá razão para duvidar de qualquer crença produzida por essas faculdades. Isso inclui, é claro, as crenças envolvidas na própria ciência. O naturalismo evolucionário, portanto, provê para aquele que o aceita um anulador (defeater) para as crenças científicas, uma razão para duvidar que a ciência possa de fato nos levar à verdade, ou perto da verdade[14]. Darwin mesmo talvez tenha vislumbrado esta presença sinistra enrolada como um verme no próprio coração do naturalismo evolucionário: “Em mim”, Darwin diz,

uma terrível dúvida sempre surge, qual seja, se as convicções da mente do homem, que se desenvolveram a partir da mente de animais inferiores, são de algum valor ou confiáveis. Qualquer um confiaria nas convicções da mente de um macaco, se é que há quaisquer convicções em tal mente?[15]

A ciência moderna foi concebida, nasceu e floresceu no contexto do teísmo cristão. Somente doses guturais de autoengano e pensamento dúbio, creio eu, irão permitir que ela floresça no contexto do naturalismo darwiniano.

______________

[1] As ideias de Dennett combinam perfeitamente com a declaração de Richard Rorty de que na nova sociedade liberal, aqueles que acreditam no “destino final do homem”, como no Breve Catecismo de Westminster, terão que ser declarados como “insanos” (e talvez privados do direito de voto e confinados em gulags aguardando recuperação da sua crise?).

[2] Como nas sugestões de que devemos manter alguns fundamentalistas por perto dentro de zoológicos. Dennett toma por certo que formas sérias de religião estão desaparecendo, apesar do fato de que há muito mais batistas do que adeptos da perigosa ideia de Darwin. Ele também falha em perceber que mesmo na academia – e especialmente nas hard sciences – existe um aumento considerável do substrato da religião clássica. De fato, o mesmo é verdadeiro mesmo na filosofia, a área do próprio Dennett. A Society for Christian Philosophers, fundada há 20 anos, agora tem mais de mil membros; Quarenta anos atrás, tal sociedade não poderia ter mais que um décimo dessa quantidade.

[3] Essay Concerning Human Understanding (1690) IV, x, 10.

[4] The Blind Watchmaker [O Relojoeiro Cego] (Longmans, 1986).

[5] O livro de Dennett Consciousness Explained (Little, Brown, 1991) é um esforço ampliado dentro dessas linhas; o fato é, porém, que o livro não explica tanto a consciência, mas tenta nos mostrar como podemos nos virar perfeitamente bem sem que seja preciso pensar em algo como ela.

[6] “Eu vejo sua [Gould] antipatia pela perigosa ideia de Darwin como um desejo de proteger ou restaurar a visão hierárquica da mente como primeira, de John Locke – a ponto de assegurar nosso lugar no cosmos com um gancho celeste” (p. 309).

[7] Mas, seria isso óbvio? Como alguém saberia algo assim? Indo além: não seria uma das possibilidades que um conjunto possível de valores dados nunca mude? Se for assim, a sugestão não é meramente infundada: é incoerente.

[8] Veja, por exemplo, o obra magistral de William Alston Perceiving God (1991) e  de Plantinga e Wolterstorff’s Faith and Rationality (1983).

[9] A citação é da página 141 do livro de Dawkins The Blind Watchmaker [O Relojoeiro Cego].

[10] Também existe a tradição segundo a qual Deus, apesar da complexidade de Sua criação, é Ele mesmo inteiramente simples; mas isso é uma história para outra ocasião.

[11] De fato, não é nem mesmo papel da razão afirmar que não pode haver uma fonte de verdade cujas implicações sejam (em algum grau) contrárias aos ensinamentos da razão.

[12] “Untruth and Consequences,” The New Republic, July 31, 1995, pp. 32-36.

[13] Para um desenvolvimento desse argumento, veja meu livro Warrant and Proper Function (Oxford University Press, 1993), Capítulo 12.

[14] De fato, ao prover quem o aceita com um anulador (defeater) para qualquer coisa que uma pessoa acredite, ele também provê um anulador (defeater) para si mesma; o naturalismo evolucionário é, portanto autorrefutável.

[15] Carta para William Graham, Down, 3 de Julho, 1881. Em The Life and Letters of Charles Darwin Including an Autobiographical Chapter, ed. Francis Darwin (D. Appleton and Company, 1887), vol. 1, p. 255.

Traduzido por Bruno Mori Porreca e revisado por Leonardo Bruno Galdino.

Texto original: Darwin, Mind and Meaning. Calvin College.

Alvin PlantingaAlvin Plantinga é doutor em filosofia pela Universidade Yale. Ocupou por trinta anos a cátedra John A. O’Brien de Filosofia na University of Notre Dame, nos Estados Unidos, e foi professor da cátedra Jellema de Filosofia na Calvin College. Foi presidente da American Philosophical Association e da Society of Christian Philosophers. Aclamado como um dos mais importantes filósofos analíticos da atualidade, foi laureado em 2017 com o prêmio Templeton em reconhecimento por seu rigoroso trabalho em epistemologia, metafísica e filosofia da religião. É autor de vários livros, entre eles 'Ciência, religião e naturalismo: onde está o conflito?', 'Conhecimento de Deus' e 'Deus, a liberdade e o mal', publicados por Vida Nova.
Conhecimento de DeusO que acontece quando dois filósofos discordam de uma questão? O óbvio: eles entram em debate, discutindo argumentos e expondo seus pontos de vista. Do debate entre os filósofos Alvin Plantinga e Michael Tooley resultou este livro, que tem como principal objetivo discutir a possibilidade de a crença em Deus ser epistemicamente justificada.

Como era de se esperar, o debate começa com as exposições de dois pontos de vista opostos e termina com a réplica e a tréplica dos debatedores. O resultado desse exercício filosófico é a obra primorosa que o leitor tem em mãos e que, sem dúvida, poderá ajudá-lo a aprofundar e ampliar o entendimento a respeito das implicações epistemológicas da crença em Deus.

Publicado por Vida Nova.

 

1 Comments

  1. Perfeito! O senso comum sobre a revelação de Deus nas coisas criadas e na nossa consciência (conforme o Apóstolo Paulo em Romanos 1) e posteriormente a Revelação específica das Escrituras, a regeneração do Espírito, a redenção pelo Filho e a comunhão com o Pai de Amor foi o que permitiu o desenvolvimento científico! Por quê a ciência não surgiu muito antes em outras civilizações tão ou mais avançadas de antigamente?
    A Ira de Deus se revela contra aqueles que sufocam a verdade, suprimem a verdade pela injustiça.

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