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A geração que hoje ocupa os bancos das universidades de nosso país receberá um legado ameaçador: os graves problemas ambientais que afligem nosso planeta.[1] Embora devamos ser críticos em relação ao tom catastrófico e apocalíptico com que organizações ambientalistas costumam se pronunciar sobre o futuro do planeta e de seus habitantes, existe pouca dúvida de que a crise é, de fato, real. Poluição de rios, mares e do ar; desmatamento; redução da camada de ozônio; não só a ameaça, mas a extinção de espécies animais; aquecimento global — são apenas alguns dos itens na pauta de ambientalistas, governos e religiosos. Essas preocupações estão relacionadas à sobrevivência da raça humana em um planeta cujas reservas naturais estão sendo exauridas a passos largos. Cabe à nossa própria geração entender a situação e tomar decisões que ao menos nos permitam esperar por dias menos sombrios. Nesse contexto, destaca-se o papel crucial da universidade, especialmente a de natureza confessional.
Em nossa concepção, há uma relação indissociável entre os conceitos de “cosmovisão cristã” e “ecologia”. O primeiro é uma maneira peculiar de entender nossa relação com Deus, com o próximo e com o mundo; e o segundo diz respeito ao estudo das interações dos seres vivos entre si e com o meio ambiente. Em outras palavras, aquilo que acreditamos acerca de nós mesmos, de Deus e do mundo em que vivemos determinará nossas decisões quanto ao nosso planeta.
O cristianismo tem promovido, no decorrer dos séculos, uma cosmovisão coerente e abrangente que tem interagido com a ciência e o progresso. Nossa visão sobre o mundo que nos cerca é profundamente condicionada pelas crenças sobre nossa natureza e nosso destino — isto é, pela religião. Nesse aspecto, defendemos a importância da universidade confessional em formar uma mentalidade cristã que proporcione uma abordagem positiva e coerente em relação aos problemas ambientais.
É fato incontestável que encontramos entre os grandes poluidores do planeta alguns países que nasceram sob a égide do cristianismo. Contudo, essa constatação não invalida os ensinamentos bíblicos sobre o cuidado com a natureza. No máximo, sugerem que esses ensinamentos não permearam suficientemente a cultura e a mentalidade dessas sociedades. Ou, ainda, que os referenciais cristãos, que num passado distante foram adotados por elas, são agora rejeitados ou distorcidos, no todo ou em parte, em nome de interesses econômicos.
Os seguintes pontos, extraídos da fé cristã reformada, podem servir de base para a formação de uma mentalidade ecológica cristã.
1) O mundo foi criado por Deus. A Bíblia abre com esta declaração: “No princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). O mundo é obra de suas mãos, mesmo que não saibamos expressar, cientificamente, a maneira pela qual sua palavra trouxe todas as coisas à existência. A origem divina de tudo o que existe não significa que nosso planeta seja uma extensão de Deus ou muito menos que mereça nossa adoração. Significa que ele merece nosso respeito e nosso cuidado, como o lar que Deus preparou para nós e os demais seres vivos. Significa também que Deus é o soberano Senhor da criação, como disse Davi, rei de Israel, muito tempo atrás: “Ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” (Sl 24.1).
2) O mundo foi criado bom. Após o relato da Criação, encontramos esta declaração: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31). “Muito bom” é o veredito do Criador sobre a natureza. Ela foi declarada boa tanto pelo seu valor intrínseco quanto por sua perfeita adequação às necessidades humanas. Isso difere da visão do antigo dualismo pagão entre matéria e espírito, que equiparava a matéria à desordem. De acordo com essa visão, a matéria é má e pecaminosa. Perspectivas que têm uma visão negativa do mundo físico ou que o separam da sua origem transcendente dificilmente podem nos dar alguma esperança de encontrar soluções racionais e abrangentes para nossos problemas ambientais.
3) O mundo funciona de acordo com leis e princípios estabelecidos por Deus. A convicção fundamental da ciência é que o mundo funciona de acordo com leis e princípios regulares e constantes e, portanto, previsíveis. Essa base é dádiva da visão cristã de que o mundo foi criado de forma ordenada, por um único Deus, um Deus de ordem, e não por vários deuses ambíguos, contraditórios, incoerentes e caprichosos, de matéria caótica, como acreditam alguns. Foram cientistas com as convicções oriundas da visão cristã que, no todo ou em parte, lançaram as bases da moderna ciência e da tecnologia, como, por exemplo, os astrônomos Kepler e Galileu, os químicos Paracelso e Van Helmont, os físicos Newton e Boyle e os biólogos Ray, Lineu e Cuvier, para citar alguns. Somente com esses referenciais podemos entender o funcionamento do meio ambiente, do mundo e de seus recursos, perceber os desastres que estamos causando por violarmos essas leis e, assim, prover soluções.
4) O ser humano é único. De acordo com o cristianismo, o ser humano foi criado por Deus, juntamente com a natureza e os demais seres vivos. Nesse sentido, é parte integrante dela. Todavia, ele foi feito de forma única, à imagem e semelhança de Deus, o que o distingue do restante da criação. A imagem de Deus implica, entre outras coisas, que o ser humano foi dotado de inteligência e, portanto, pode interpretar as leis do mundo e prover os meios de preservá-lo. Em algumas cosmovisões, o ser humano, a natureza e Deus estão em níveis idênticos e fazem parte de uma mesma substância, o que torna impossível ao ser humano transcender a natureza para poder analisá-la, dominá-la e ajudá-la.
5) O ser humano é mordomo da criação. Após relatar como Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, o livro de Gênesis registra: “Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar” (Gn 2.15). Deus o colocou no mundo como seu administrador, e lhe deu alguns mandatos: cuidar da criação, da qual tiraria seu sustento; protegê-la e preservá-la; conhecê-la; estudá-la, para assim conhecer melhor a si mesmo e a Deus. O ser humano é um mordomo de Deus. Não é o soberano senhor, dono e déspota, mas o responsável diante de Deus pelo emprego correto dos recursos naturais, pelo seu desenvolvimento de forma sustentável e pela preservação dos demais seres vivos.
6) Vivemos num mundo afetado pelo pecado. De acordo com a Bíblia, quando o ser humano colocado no jardim se revoltou contra o Criador, ocasionou o caos a si mesmo e à criação pela qual era responsável. “Maldita é a terra por tua causa” (Gn 3.17) foi a sentença do Criador ao ser humano, agora sujeito à morte, a retornar ao pó de onde fora tirado. Tensões se estabeleceram entre Deus e o ser humano, entre o ser humano e seus semelhantes, e entre o ser humano e a natureza. A crise que vivemos hoje se deve a essas tensões. Separado espiritualmente de Deus, o ser humano perdeu a referência da sua existência e da relação criatura-Criador. Esta última perda, em especial, afetou profundamente sua maneira de ver o mundo, que ele ora agride e exaure, ora venera e teme como a um deus. Vivendo em tensão emocional em relação a seus semelhantes, o indivíduo dedica-se a buscar seus próprios interesses, mesmo que à custa do próximo. A exploração egoísta e desenfreada dos recursos naturais é feita sem levar em consideração a falta que farão à próxima geração.
Vivendo em tensão com a natureza, o ser humano a explora de modo destrutivo, em nome do poder, do lucro e do progresso. O meio ambiente é para ele somente um bem de consumo.
Diante do exposto, entendemos que os problemas ambientais são primeiramente de origem moral e espiritual. Entendemos, ainda, que a solução passa pela transformação interior das pessoas, uma mudança de mentalidade com relação a Deus, ao próximo e à natureza. Em suma, é esse o apelo e o chamado do evangelho.
Uma abordagem ecológica que tenha os fundamentos citados como referência poderá também escapar dos extremos de algumas perspectivas populares sobre a preservação do meio ambiente. Um desses extremos, por exemplo, é uma visão mística em que o ser humano não é mais entendido como mordomo de Deus encarregado de cuidar, desenvolver e usar a natureza com sabedoria. Ao contrário, é entendido como servo dela, com a obrigação de preservá-la, como se ela fosse sagrada e o ser humano devesse manter uma atitude de adoração a seu respeito. Essa visão impede o uso inteligente e racional dos recursos naturais, a busca de soluções para os graves problemas humanos e o desenvolvimento do ser humano em geral.
Outra perspectiva que deve ser evitada é aquela visão sentimentalista da natureza, que tem como ideal a vida no campo. Por mais atraente que essa visão seja, ela não faz justiça à vocação e à responsabilidade do ser humano. O progresso humano, conforme a Bíblia apresenta, ocorre do jardim para a cidade (cf. Gn 2 e Ap 21), e não necessariamente em um retorno para o campo. Essa visão, à semelhança da anterior, impede que o ser humano explore com sabedoria e responsabilidade os imensos recursos naturais à sua disposição, que podem promover seu progresso e bem-estar, mas sem a depredação da natureza.
Há também a visão antropocêntrica, que coloca o ser humano no centro e recorre a soluções tecnológicas para a crise ecológica. Essas soluções, além de serem extremamente caras, acabam mantendo a atitude de desprezo para com o meio ambiente, o que tende a agravar a crise e a lançar o ser humano cegamente no caminho da autodestruição.
Portanto, diante do exposto, cremos que as universidades confessionais podem encontrar na fé cristã reformada as premissas epistemológicas, morais, espirituais e éticas para que possamos lutar pelo meio ambiente e em prol do nosso planeta, fazendo ecologia de forma coerente e integral.
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[1] Este capítulo é baseado no texto da Carta de Princípios da Universidade Presbiteriana Mackenzie para 2007, “Universidade e ecologia”, de minha autoria.
Trecho extraído da obra “Cristianismo na Universidade: A prática da integração da fé cristã à academia“, de Augustus Nicodemus Lopes, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2019, pp. 157-163. Publicado no site Tuporém com permissão.
Augustus Nicodemus Lopes é mestre e doutor em Novo Testamento e Interpretação Bíblica e pós-doutor em Novo Testamento. É vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil. É casado com Minka Lopes e tem quatro filhos: Hendrika, Samuel, David e Anna. É autor de vários livros, entre eles Um chamado à justiça e retidão, O poder de Deus para a salvação, O poder de Deus para a santificação, A conquista da Terra Prometida, A compaixão de Deus, Cristianismo na universidade, Livres em Cristo, O Pentecostes e o crescimento da igreja, A supremacia e a suficiência de Cristo, No princípio de tudo e Abraão, o pai da fé, publicados por Vida Nova. |
A universidade representa um grande desafio para a fé dos jovens cristãos que ali ingressam em busca de formação acadêmica e qualificação profissional. Dominada por uma visão de mundo naturalista, materialista, ateísta e darwinista, a academia não só confronta aquilo que o cristão aprendeu no lar e na igreja, mas também cria um ambiente hostil para os que abertamente professam Cristo como Senhor. Longe de intimidar-se e vacilar, o cristão deve tomar conhecimento da história da ciência, do papel fundamental do cristianismo no surgimento das universidades e da ciência moderna, bem como das fraquezas evidentes da visão de mundo naturalista, com o alvo de permanecer firme na fé e ter como responder a seus professores e colegas de classe quando indagado sobre aquilo em que crê. Este livro tem como objetivo ajudar o cristão universitário a entender melhor sua fé à luz dos desafios que encontrará no ambiente universitário. É o resultado de dez anos de experiência do autor nessa área como chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Publicado por Vida Nova. |