Humildade e alegria no perdão | Timothy Keller

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O epílogo fascinante da história de José vem depois da morte de Jacó. Os filhos de Jacó duvidam que José os tenha perdoado de verdade. Eles acreditam que José simplesmente deixou de vingar-se por causa do pai. Ao perceber essa dúvida, José chora. Ele está chorando porque os irmãos ainda não acreditam no tamanho do seu amor por eles.

Quando nós nos tornamos cristãos, frequentemente trilhamos o mesmo caminho. No começo do relacionamento, aceitamos o perdão de Deus em Cristo. No entanto, não vai demorar muito até que comecemos a mostrar que nossos corações ainda duvidam do seu amor. Essa dúvida se manifesta de muitas maneiras: tentamos conquistar nossa autoestima com trabalho em excesso, castigamo-nos continuamente diante dos nossos fracassos e deixamos de perdoar porque a realidade do perdão de Deus está distante de nós.

Não acho um exagero afirmar que Jesus se entristece quando agimos dessa maneira, da mesma forma que José se entristeceu quando recebeu a mensagem dos irmãos. A resposta clássica de José é uma espécie de resumo de tudo que aprendemos nesse capítulo (Gn 50.19-21). José reitera o seu perdão, mas o faz, surpreendentemente, de maneira centrada em Deus. Ele fundamenta firmemente o perdão “horizontal” aplicado aos irmãos no perdão vertical de Deus. Se você está com dificuldade para perdoar, veja como fazê-lo.

Primeiro, José pergunta: “Por acaso estou no lugar de Deus?” José tinha humildade suficiente para perdoar. Se você está com dificuldade para perdoar, está esquecendo de que você é pecador, e não Deus. José diz: “O único motivo de eu continuar irado com vocês é se eu me considerasse digno de julgá-los. Mas não sou.”

É preciso tomar cuidado aqui, pois a Bíblia deixa claro que Deus quer que clamemos a ele quando nos sentimos ofendidos. Os salmos estão repletos de exemplos dessa realidade emocional e de clamores por justiça. Entretanto, qualquer um que insista em cultivar ressentimento está dizendo: “Estou no lugar de Deus. Eu tenho o direito de julgar”.

Segundo, ele diz: “Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o transformou em bem”. José tinha alegria suficiente para perdoar. Perceba que ele diz, literalmente no hebraico, “Vocês planejaram o mal”. José não diz que aquilo que os irmãos fizeram não era tão vil. Ao contrário, ele diz: “O que vocês fizeram foi mal”. José fala a verdade: “Eu sei que, apesar da má conduta de vocês, tenho um Deus que me ama, que me levantou, e que transformou tudo em bem para mim”.

As pessoas más são capazes de fazer coisas terríveis e, digo novamente, precisamos tomar cuidado para não extinguir os lamentos corretos e expressões de dor que as orações da Bíblia mostram como saudáveis e justas. No entanto, mais uma vez, não podemos ficar presos em nossa lamentação. Se você sabe, como José, que Deus está planejando o bem de todas as coisas (Rm 8.28), então você pode olhar para o transgressor e dizer: “Em última instância, você não pode me prejudicar. Você não pode me afastar do cuidado e do amor de Deus”.

Em último lugar, José diz: “‘Portanto, não tenham medo. Sustentarei vocês e os seus filhos’. Assim ele os consolou e lhes falou carinhosamente”. Esse é o passo ativo. José paga o mal com o bem. Frequentemente (talvez quase sempre), o perdão é concedido antes que seja sentido internamente. Quando você perdoa, você não está dizendo: “Toda a minha ira se foi”. Ao perdoar, o que você está dizendo é: “Agora vou tratar você do jeito que Deus me tratou. Não me lembrarei mais de seus pecados. Isso não significa que eu não possa me recordar deles. Significa, sim, que não vou agir de acordo com eles. Os seus pecados não são a realidade controladora em minha vida.” O que é a realidade controladora? A graça de Deus e a maneira pela qual ele, movido por amor, controla a história.

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José era um homem excepcional. E talvez você diga: “Ah, antigamente o povo era santo. Mas estou fora desse negócio de perdão. Não consigo perdoar.” O problema com esse raciocínio é: você tem o que José não tinha. José não conhecia Jesus. A cruz, o exemplo supremo de Deus transformando o mal em bem, fará de você uma pessoa muito mais humilde que José, porque você enxerga mais que José a nossa condição. José não sabia que Deus teria de morrer para salvá-lo. Por outro lado, a cruz fará de você uma pessoa mais confiante que José. Quando você considera o que Jesus Cristo estava disposto a fazer, o que mais você precisa para acreditar que Deus está trabalhando em todas as circunstâncias para o seu bem? Se nós temos acesso a recursos que nos levam a ter maior humildade que José, e temos maior garantia porque estamos em Cristo, então, devemos ser pessoas melhores no perdão e na reconciliação.

Trecho extraído e adaptado da obra “Perdoar: por que devo e como posso?“, de Timothy Keller, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2023, p. 150-152. Traduzido por Eulália Pacheco Kregness. Publicado no site Cruciforme com permissão.

Timothy Keller nasceu e cresceu na Pensilvânia, com formação acadêmica na Bucknell University, no Gordon-Conwell Theological Seminary e no Westminster Theological Seminary. Ele é pastor da Redeemer Presbyterian Church, em Manhattan. Já esteve na lista de best-sellers do New York Times e escreveu vários livros, entre eles A fé na era do ceticismo, Igreja centrada, A cruz do Rei, Encontros com Jesus, Ego transformado, Justiça generosa, entre outros, todos publicados por Vida Nova.
Perdoar qualquer um de maneira significativa é uma das coisas mais difíceis que podemos fazer. Se não perdoarmos, o ressentimento e a vingança nos consomem. É impossível superar transgressão sem o perdão, no entanto, poucas pessoas possuem recursos e habilidades para perdoar completamente e seguir adiante. O perdão é uma habilidade essencial, um imperativo moral e uma crença religiosa que atinge o cerne do que significa ser humano.

Em "Perdoar", Timothy Keller mostra aos leitores por que o perdão é tão importante e como perdoar, explicando em detalhes os passos que precisamos dar para seguirmos em frente sem sacrificar a justiça ou a nossa humanidade.

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