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Se vocês amam quem os ama, que benefício obterão? Pois até mesmo os pecadores amam quem os ama.

(Lucas 6.32)

 

Porque não se trata de amor verdadeiro

Em primeiro lugar, o casamento introspectivo não é amor verdadeiro porque nos encoraja a encarar o sexo e o casamento de forma egoísta. Jesus ensina: “Se você ama aqueles que o amam, que benefício isso tem para você?”. Qualquer amor que simplesmente olha afetuosamente nos olhos de outra pessoa que nos ama também não é realmente amor, pois o amor genuíno sempre flui para alcançar outras pessoas.

Uma das coisas mais assustadoras sobre a parábola de Jesus a respeito do homem rico e Lázaro (Lc 16.19-31) é que o homem rico parece ter sido um bom pai de família. Mesmo no lugar dos mortos ele se preocupa com seus irmãos. Contudo, seu suposto amor não é realmente amor, pois nunca se estendeu ao pobre Lázaro, que jazia à sua porta. Ele cuidou de sua família, mas seu cuidado não alcançou as pessoas necessitadas de fora de seu círculo. O casamento e a família podem se tornar com facilidade apenas uma forma respeitável de egoísmo. Se nos casarmos principalmente para satisfazer nossas próprias necessidades, então nosso casamento consistirá só em uma máscara bonita para o egoísmo.

É pequena a distância entre “amar você” e “amar-me e querer você”. É muito fácil os cristãos pensarem no casamento como uma zona livre de discipulado, para que, fora do casamento falemos sobre sacrifício, sobre tomar a cruz e assuntos correlatos. Entretanto, no casamento falamos apenas sobre como nos comunicarmos melhor, como sermos mais íntimos, como melhorarmos a prática sexual, como sermos felizes. Uma participante de um debate na igreja expôs seu desejo de que seus filhos encontrem significado pessoal no casamento. Em vez disso, deveríamos desejar casamentos que sirvam a Deus. Se os filhos estão satisfeitos em sentido sexual e pessoal, muito bem. Mas se eles não servirem a Deus, nenhuma quantidade de realização pessoal corrigirá a situação. Afinal, pelo que se pode depreender, Ananias e Safira mantiveram excelente comunicação e valores compartilhados no casamento; cada um entendia o outro com perfeição; ainda assim, a morte deles foi terrível sob o juízo divino (At 5.1-11).

 

Porque destrói casamentos

Em segundo lugar, a visão egocêntrica do sexo e do casamento destrói o casamento e a sociedade. Como temos expectativas maiores do que nunca sobre o que o casamento nos proporcionará, simultaneamente os casamentos se desfazem como nunca.

Pode-se constatar a destrutividade ao observar como as sociedades funcionam. As sociedades nas quais o sexo e o casamento são considerados meios de realização pessoal estimulam o homem e a mulher a olhar com suavidade nos olhos um do outro e encorajam cada um a encontrar no outro tudo que precisam, para que um seja o tudo do outro. Essas culturas promovem o que se pode designar “religião do casal”, na qual o objetivo de cada homem e mulher deve ser viver em uma união extraordinária. A própria palavra relacionamento, quando usada como abreviação de “relacionamento sexual”, demonstra essa forma de pensar. Presume-se que estar fora de um “relacionamento” signifique estar solitário. E se fosse verdade que o “relacionamento” se encontra principalmente na relação sexual, então teríamos de procurar essa intimidade sexual a todo custo. Não precisamos engolir essa mentira, pois o relacionamento não tem ligação necessária com sexo e casamento.

Os cínicos afirmam o seguinte sobre o clima no oeste da Escócia: se você não consegue enxergar as montanhas, está chovendo; e caso você consiga observá-las, está prestes a chover! Da mesma forma, em dramas populares, as personagens principais estão envolvidas em relações sexuais ou prestes a se envolver (ou, caso isso não ocorra, não se trata de um filme “para fazer as pessoas se sentirem bem”, e provavelmente será um fracasso de bilheteria!). Quando foi a última vez que vimos um filme de sucesso que retratava alguém solteiro ou uma pessoa solteira e satisfeita? As próprias palavras têm conotações negativas!

Todavia, o foco em casais os isola das influências de apoio da família e da sociedade em geral. Pensa-se que o momento decisivo é quando estão sozinhos no quarto, não quando servem juntos como uma nova unidade social e familiar à sociedade mais ampla. Os sociólogos notaram o quão destrutivamente intensas essas relações se tornam e, portanto, o quão breves são.

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O historiador Lawrence Stone escreveu: “É irônico cogitar que justamente no momento em que alguns pensadores anunciam a chegada do casamento perfeito — baseado na plena satisfação das necessidades sexuais, emocionais e criativas de marido e mulher —, a proporção de rupturas conjugais […] aumenta com rapidez”.[1] Christopher Brooke, outro historiador, comentou: “Enquanto enfrentamos o espetáculo de casamentos desfeitos, chega-se a esperar muito mais de um casamento feliz (por causa de um estranho paradoxo que, no entanto, vai muito fundo nas raízes deste assunto)”.[2] Contudo, como afirmou um teólogo: “Mesmo a menor cabana do amante mais feliz não pode ser habitável a menos que tenha pelo menos uma porta e algumas janelas que se abram para fora”.[3]

Não fomos feitos para olhar eternamente nos olhos de outro ser humano e encontrar nele tudo que precisamos. E se pensarmos assim, sem dúvida nós nos desapontaremos. Se minha querida esposa alguma vez pensou que eu poderia ser tudo para ela, então com certeza já mudou de ideia! E, claro, se penso que o casamento existe para satisfazer minhas necessidades, o que faço quando ele não as satisfaz? Um escritor declarou que, se penso que o casamento consiste nisso, então “tenho a obrigação moral de me divorciar e procurar um novo cônjuge, caso o cônjuge atual já não consiga promover meu crescimento e autorrealização”.[4]

Esta ironia (de que se espera tanto do casamento, mas que, no fim das contas, nos decepcionamos) é uma ironia que a Bíblia entende de modo perfeito. Ela a chama de idolatria. Isto significa que se busco qualquer objetivo que não seja a honra de Deus, então adoro um ídolo. E os ídolos são coisas ocas, vazias e decepcionantes, que não têm poder para me ajudar. Vê-se isso exposto com brilhantismo em Isaías 44.9-20 e em Salmos 135.15-18. Quando faço do meu “relacionamento” o objetivo da minha vida, eu me condeno à decepção. De forma surpreendente, o segredo do bom casamento não consiste em buscar um bom casamento, mas buscar a honra de Deus. É preciso substituir o modelo egoísta do casamento por aquele em que se trabalha lado a lado no “jardim” de Deus (ou seja, no mundo de Deus), em vez de olharmos eternamente nos olhos um do outro.

 


Notas

[1] Lawrence Stone, The family, sex and marriage in England 1500-1800, ed. cond. (London: Pelican, 1979), p. 427.

[2] Christopher Brooke, The Medieval Idea of marriage (Oxford: Oxford University Press, 1989), p. 8.

[3] Karl Barth, Church dogmatics, 3.4 (Edinburgh: T&T Clark, 1958), p. 224.

[4] Rodney Clapp, Families at the crossroads: beyond traditional and modern options (Downers Grove: InterVarsity, 1993), p. 63 (grifos acrescidos).


Trecho extraído e adaptado da obra “Casado para Deus“, do autor Christopher Ash , publicado por Vida Nova: São Paulo, 2024, p. 43-47. Publicado no site Cruciforme com permissão.

Christopher Ash é autor e escritor residente na Tyndale House em Cambridge. Estudou teologia em Oxford, onde recebeu o prêmio Denyer and Johnson. Trabalhou por muitos anos para o Proclamation Trust como Diretor do Curso de Treinamento Cornhill. Escreveu vários livros, entre eles Trusting God in the Darkness, Psalms for You, Job: The Wisdom of the Cross e Marriage: Sex in the Service of God. É casado com Carolyn, com quem tem quatro filhos e dez netos.
É nossa tendência natural buscar felicidade e satisfação pessoal no casamento. Muitas vezes, priorizamos nossas necessidades, desejos e objetivos. Mas qual é o plano de Deus para o casamento? Com clareza e excelente fundamentação bíblica, Christopher Ash nos afasta do casamento centrado em nós mesmos e nos orienta a um casamento a serviço de Deus. Com aplicações práticas para o dia a dia, Ash nos mostra os propósitos e padrões de Deus para cada parte do relacionamento conjugal.

Ao alinharmos com a Bíblia as nossas esperanças, expectativas e objetivos para o casamento, descobriremos a profunda alegria e a realização duradoura que advêm de um casamento centrado em Deus.

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