O preparo teológico e a plantação ou revitalização da Igreja | Franck Neuwirth
13/jan/2025Cor Bennema analisa o que o mundo greco-romano e a Bíblia podem nos ensinar sobre o uso da imitação para ajudar os cristãos a viverem bem.
Segundo o Cambridge Dictionary, a gíria YOLO, um acrônimo para “you only live once” (só se vive uma vez), é usada, especialmente nas mídias sociais, para transmitir a ideia de que devemos fazer coisas agradáveis e excitantes, mesmo que sejam tolas ou um pouco perigosas. De fato, muitas pessoas hoje procuram viver a vida boa de maneira hedonista e encontram seus modelos de comportamento nas mídias sociais, onde influenciadores incentivam seus seguidores a imitá-los, muitas vezes sem discernimento. No cristianismo, questões relacionadas a como viver bem e aos modelos de comportamento também são cruciais, e os cristãos nem sempre têm cuidado na hora de escolher quem vão imitar. O que a história e a Bíblia podem nos ensinar sobre como a imitação pode ajudar os cristãos a viverem bem?
Na antiguidade greco-romana, viver bem era uma busca moral encarada com seriedade. As pessoas eram ensinadas a viver bem em sociedade de várias maneiras. Em festivais religiosos, o povo se reunia no teatro da cidade para assistir à apresentação de peças teatrais — e não era apenas para entretenimento. As peças apresentavam dilemas da vida real que as pessoas enfrentavam na sociedade, de modo que o elenco funcionava como uma espécie de modelo para o público.[1] Na educação, oradores instruíam os jovens sobre como escolher bons modelos e discernir o que imitar deles. Alguns exemplos ilustrarão essa dinâmica. Sêneca, filósofo e estadista romano, incentiva Lucílio, o procurador da Sicília durante o governo do imperador Nero, a observar e imitar o comportamento de modelos apropriados:
Cleantes não teria sido a imagem nítida de Zenão, se tivesse se limitado a ouvir suas palestras; ele participou de sua vida, viu seus propósitos ocultos e o observou para ver se vivia de acordo com sua doutrina. Platão, Aristóteles e toda a legião de sábios, que depois seguiriam cada um seu próprio caminho, se beneficiaram mais do caráter do que das palavras de Sócrates. Não foi a escola de Epicuro que fez grandes homens de Metrodoro, Hermarco e Polieno, mas sua convivência com ele. (Epistulae morales ad Lucilium 6.6, trad. para o inglês de Gummere, LCL)
A educação antiga enfatizava que a boa imitação não significava apenas copiar ou replicar, mas exigia estudo e discernimento, como mostra este trecho do educador romano Quintiliano:
Consequentemente, é necessário exercer o mais rigoroso discernimento no exame de tudo o que está relacionado a essa área de estudo [i.e., a oratória]. Primeiramente, é preciso considerar a quem imitar. Pois há muitos que demonstraram um desejo apaixonado de imitar os piores e mais decadentes autores. Em segundo lugar, devemos considerar o que devemos nos propor a imitar nos autores assim escolhidos. Pois mesmo grandes autores têm suas imperfeições, pelas quais foram criticados por críticos competentes e até criticaram uns aos outros. Eu só gostaria que os imitadores fossem mais propensos a melhorar as coisas boas do que a exagerar as falhas dos autores a quem procuram copiar (Institutio oratoria 10.2.14-15, tradução para o inglês de Butler, LCL).
Emergindo no mundo greco-romano, o cristianismo primitivo aplicou à vida cristã esse método didático de imitar modelos, embora existam raízes indiscutíveis no Antigo Testamento (e.g., Levítico 19:2; Deuteronômio 10:18-19; 12:30). No Evangelho de João e nas Cartas de João, a frase recorrente “assim como [Jesus] fez, [seus discípulos] também devem fazer” expressa a ideia de aprender por imitação, ou aprendizado “mimético”.
O episódio que melhor ilustra isso é o lava-pés, em João 13. Embora, no versículo 15, a narrativa e a instrução de Jesus para seguir seu exemplo pareçam simples, ele não pretende que seus seguidores o copiem sem pensar. Quando Jesus volta à mesa depois de ter lavado os pés dos discípulos, ele não lhes diz imediatamente que façam o mesmo. Em vez disso, ele pergunta: “Compreendeis o que vos fiz?” (versículo 12). Pensar que se tratava da lavagem literal e impensada dos pés de uma pessoa seria errar completamente o sentido do que Jesus procura ensinar. Os discípulos devem entender que Jesus praticou um ato de serviço humilde e amoroso, que eles devem repetir regularmente na comunidade cristã, mas que pode assumir diferentes formas. Por meio dessa imitação repetida, o comportamento e o caráter dos discípulos poderiam ser moldados para que eles se tornassem mais semelhantes a Cristo.
Mais adiante, em João 13, o conhecido mandamento do amor também é redigido em termos de imitação: “assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (versículo 34). Mas João logo enfrentaria um dilema: embora ele tenha tido a oportunidade de observar Jesus em primeira mão, como os cristãos no final do primeiro século poderiam imitar um Jesus “ausente”, a quem não podiam ver? A solução é que João preservou a vida e o ensino de Jesus em seu Evangelho para que seu público (e leitores subsequentes) pudessem “visualizar” Jesus mentalmente e imitá-lo. O fato de João criar novas formas de imitação em sua primeira carta (por exemplo, em 1João 3:16, a ideia de dar a vida como imitação do que Jesus fez baseia-se no que Jesus disse em João 15:13) mostra que ele espera que seu público seja capaz de fazê-lo.
O apóstolo Paulo também usa a educação mimética com suas igrejas, mas adota uma estratégia diferente de João. O objetivo de Paulo no ministério era apresentar seus convertidos como “irrepreensíveis” diante de Deus no último dia (1Ts 3:13; 1Co 1:8; Fp 1:10; Cl 1:22; Ef 1:4), mas ele enfrentou dois dilemas. Em primeiro lugar, seus convertidos muitas vezes vinham de origens pagãs, então como eles poderiam aprender sobre a vida cristã? Em vez de lhes dar um manual da vida cristã (embora suas cartas contenham muitas instruções éticas), Paulo dirige seus convertidos à observação de outros que incorporam e exemplificam a vida cristã. Também para Paulo, Cristo é o exemplo supremo que se deve imitar (veja, por exemplo, 1Coríntios 11:1) e isso cria o segundo dilema: como seus convertidos poderiam imitar um Cristo invisível?
Uma olhada na carta de Paulo aos filipenses mostrará como ele lida com isso. Paulo apresenta Cristo como o modelo supremo a ser imitado em 2:5-11 e, em seguida, exorta os filipenses a modelarem sua vida coletiva conforme a de Cristo, em 2:12 (observe o uso dos pronomes no plural, “vós” e “vossa”). Embora os filipenses possam visualizar Cristo com base em 2:5-11 (como na estratégia de João), Paulo faz algo diferente. Ele apresenta a si mesmo e a outros como exemplos a serem seguidos. Ao se definir como um “escravo” de Cristo em 1:1, Paulo sutilmente indica que ele é um imitador de Cristo, porque o termo ocorre em outro lugar apenas em 2:7, com referência a Cristo. Em 2:17, a disposição de Paulo de derramar sua vida pelos filipenses ecoa Cristo derramando sua vida pela humanidade. Então, em 4:9, Paulo exorta os filipenses a continuarem fazendo (i.e., imitando) o que tinham visto nele. Mas Paulo também apresenta Timóteo e Epafrodito como exemplos a serem copiados. A preocupação genuína de Timóteo com os filipenses em 2:20 reflete o ideal de 2:4 e imita o interesse altruísta de Cristo pelos outros. A experiência de quase morte de Epafrodito por causa de Cristo ecoa a morte de Cristo por causa da humanidade. Em 3:17b, Paulo pode até dirigir o olhar dos filipenses para outros cristãos que já exemplificam a vida cristã que Paulo promove.
Então, o que a história pode ensinar aos cristãos de hoje sobre como viver corretamente? Tanto na antiguidade greco-romana quanto no cristianismo primitivo, a imitação não era apenas uma repetição irracional, mas um processo intencional, inventivo e interpretativo que envolvia várias etapas. A primeira era selecionar e associar-se a bons modelos; a segunda, observar os modelos e discernir o que deveria ser imitado; e a terceira, determinar a natureza e a forma do ato imitativo. Ao imitar Jesus, seja construindo uma imagem mental a partir do texto bíblico seja observando cristãos exemplares, os cristãos “jovens” se tornarão mais semelhantes a Cristo e viverão uma vida agradável a Deus. Mas imitar Jesus não é algo que se faz simplesmente para o crescimento pessoal. O objetivo maior é tornar-se um exemplo para os outros seguirem, seja como pais para seus filhos, como ministros para sua congregação ou como mestres para seus alunos.
Notas
[1] Veja M. C. Nussbaum, “Philosophy and Literature”, The Cambridge Companion to Greek and Roman Philosophy, organização de D. Sedley (Cambridge: Cambridge University Press, 2003), p. 211-241. (Esta referência foi inadvertidamente omitida na edição impressa deste artigo).
Leitura complementar:
Bennema, “Imitation in Johannine Christianity”,Expository Times132 (2020): 101-110.
Bennema, “How to Live Well: Mimetic Ethics and Civic Education in Graeco-Roman Antiquity and Early Christianity”, Tyndale Bulletin74 (November, 2023): 87–112. https://doi.org/10.53751/001c.88883.
Professor de Novo Testamento na London School of Theology, é o autor de Mimesis in Early Christianity: The Religious-Ethical Concept of Example and Imitation (Grand Rapids: Eerdmans, 2024). |
---|
Texto original: How to live well: Role Models and Imitation in early Christianity Tyndale House Cambridge. Traduzido e publicado no site Cruciforme com permissão. |