
Os dons que recebemos são para servir a igreja | Augustus Nicodemus
28/abr/2025
Cada Evangelho expõe sua abertura introdutória de forma particular. Os quatro primeiros escritos do Novo Testamento são os retratos literários mais importantes de Jesus Cristo em toda a história do cristianismo. “O NT contém quatro testemunhos narrativos do ministério de Jesus, e todos descrevem o significado teológico de Cristo de formas distintas” (THIELMAN, 2007, p. 53). Os conteúdos desenvolvidos nos Evangelhos são relatos narrativos sobre Jesus Cristo, cada um com sua ótica particular e distinta dos demais.
Eles são distintos porque seus objetivos são diferentes. Em Mateus, vemos a natureza messiânica de Jesus. Em Marcos, deparamo-nos com um Jesus servo de Deus. Em Lucas, observamos Jesus, o Filho do Homem; isto é, a humanidade de Jesus em Lucas é mais acentuada. No Evangelho de João, vemos o Verbo, a natureza divina de Jesus. Cada evangelista tem sua ótica distinta sobre Jesus, por isso devemos compreender que cada um deles está escrevendo para um público distinto dos outros.
Mesmo cada evangelista tendo uma abordagem diferente sobre o público, observam-se particularidades. Por exemplo, Mateus é o único Evangelho a relatar Pedro andando sobre as águas (Mt 14.22-33), e, após esse acontecimento, os discípulos fizeram uma confissão. Como podemos definir uma confissão? Este artigo buscará responder a essa questão.
Contexto
Mateus é o único Evangelho a usar o termo “igreja” (Mt 16.18; 18.17). Esse evangelho tem um olhar muito mais eclesiástico, e isso não significa que os outros evangelhos não sejam para a igreja, pois claro que são. Mas Mateus tem um viés eclesiástico conforme a sua própria estrutura. Sendo assim, Mateus organiza seu evangelho de forma que une o Antigo Testamento e o Novo Testamento como a história de Israel e sua continuação na história da igreja.
O público de Mateus é uma comunidade judaica, talvez um grupo que tinha dificuldade de compreender a missão de Israel para as nações por meio de Jesus, o verdadeiro Messias. De forma simples, podemos entender que o propósito de Mateus pode ser dividido em três aspectos:
- Afirmar que as Escrituras apontam para Cristo;
- Mostrar que, por meio de Jesus, temos perdão dos nossos pecados;
- Em Jesus Cristo, uma nova comunidade está sendo formada: a igreja.
Sendo assim, podemos perceber que o contexto de Mateus é fazer sua comunidade entender quem é Jesus e confessá-lo como único Salvador.
A identidade
Em Mateus 14.22-33, temos um grande relato, no qual Jesus anda sobre as águas. Os discípulos ficaram espantados com um homem andando sobre as águas, e qual foi a resposta deles? “É um fantasma.” Alguns teólogos enfatizam que, quando os escritores dos textos bíblicos enfatizam o “mar”, isso representa as forças do mal, porque é poderoso, incontrolável e mortal. O mar é um poder sobre o qual somente Deus tem domínio.
Por exemplo, o mar Vermelho (Êx 14.10-29) e Jonas (Jn 1.1-17). É possível perceber, por meio desses textos, que Deus é quem tem poder sobre o mar violento. Os discípulos não estavam acostumados com pessoas andando sobre as águas. Na verdade, ao olharem para isso, gritaram de medo.
No entanto, Mateus quer chamar atenção para algo mais extraordinário do que o grito e o medo dos discípulos. Jesus respondeu: “Coragem! Sou eu. Não tenham medo!”. O que isso tem de tão importante? No texto em grego, essa expressão “sou eu” é “Ego eimi”.
Jesus está chamando atenção para a sua identidade. No Antigo Testamento, o único que usou essa expressão foi o próprio Deus ao conversar com Moisés na sarça ardente (Êx 3.1-22). A ênfase do texto está no fato de que Jesus é o próprio Deus do Antigo Testamento, isto é, ele é o Deus encarnado. Jesus é soberano sobre o espanto e o medo dos discípulos, assim como é soberano sobre os elementos da natureza.
Em Êxodo 14.13, o próprio Moisés disse ao povo: “Não tenham medo […].” Em Mateus 14.27, Jesus está apresentando a sua identidade: ele é maior que Moisés, pois Jesus disse: “Coragem! Sou eu (Ego eimi)”. Moisés disse que o povo experimentaria o livramento que o Senhor daria ao povo; Jesus é o próprio Deus que livra o seu povo e morre por sua igreja, seu povo.
Confissão
No versículo 32, vemos que, ao entrarem no barco, o vento cessou. O que tem de interessante nessa estrutura? O termo “entrar” e o verbo principal da oração, cessar significam uma ação simultânea, isto é, assim que entraram no barco, o vento (anemos) cessou.
Por exemplo, assim que você dá a partida no seu carro com a chave, ele liga simultaneamente. Trata-se de uma ação que acontece em conjunto. Assim que eles entraram no barco, o vento cessou. Após esse relato, os discípulos adoraram, dizendo: “Verdadeiramente tu és o Filho de Deus.”
Nesses versículos, vemos algo extraordinário, no qual o próprio Mateus quer enfatizar ao seu público. Os discípulos são judeus piedosos, não eram pessoas politeístas, ou seja, pessoas que acreditam em muitos deuses; eles acreditavam unicamente no Deus de Israel.
No entanto, aqui, a confissão deles foi por meio de uma adoração, e eles adoraram um homem. Isso é estranho, mas é claro que esse homem não é qualquer homem, ele é Deus. Portanto, a ênfase do texto não está no milagre, nem em Pedro andar sobre as águas. A ênfase está na confissão.
Em Mateus 3.17, o próprio Deus disse: “Este é o meu Filho amado”; em Mateus 8.29, os demônios confessaram que Jesus era Filho de Deus; em Mateus 16.16, o próprio Pedro confessou que Jesus era o Cristo, Filho do Deus vivo; em Mateus 27.54, o centurião e outras pessoas que estavam com ele gritaram: “Verdadeiramente este era o Filho de Deus.”
De acordo com a escrita de Mateus, é a primeira vez que os discípulos falam que Jesus é Filho de Deus. Mateus está estruturando um clímax em relação à filiação de Jesus. Primeiro, foi o Pai, depois os demônios, e em seguida, os discípulos. O reconhecimento iniciou em Deus Pai e depois nos discípulos. Mateus quer nos ensinar que Jesus realmente é o Filho de Deus. Jesus é soberano sobre os elementos da natureza, o vento (ou tempestade), e é soberano sobre as emoções, o medo dos discípulos.
Conforme a estrutura linguística e teológica de Mateus, ele começou o evangelho apresentando que esse Jesus é o Emanuel (Mt 1.18-23), Deus conosco. Antes de Jesus ir a Jerusalém e ser crucificado, Mateus quer deixar algo muito claro aos seus leitores, da mesma forma que Jesus queria deixar algo claro aos seus discípulos: Jesus é o Emanuel, o Deus encarnado.
Considerações finais
Como um membro da igreja pode confessar que Cristo é o verdadeiro Filho de Deus, assim como Pedro fez? Por meio da revelação que Cristo nos concedeu por meio da sua palavra. Tudo o que precisamos saber para servir à igreja e adorá-lo está em sua palavra.
A confissão é um ato de humilhação e arrependimento, no qual se reconhecem os próprios pecados. A confissão que os discípulos fizeram foi por meio da adoração. No final das contas, uma confissão genuína e sincera acontece por meio da adoração. Sirva à sua igreja por meio de uma confissão sincera, que acontece através da adoração.
![]() | Mestrando em estudos bíblicos e teológicos no Novo Testamento pelo Seminário Jonathan Edwards – STJE; Graduado em Letras pela Faculdade FAVENI; Mestre em Hermenêutica e Pregação Bíblica pelo Seminário Betel Brasileiro, São Bento – SP; Pós-Graduado no Novo Testamento pelo STJE/UNIFIL; Bacharel em Teologia pelo Betel Brasileiro, Santo André – SP. |
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