
O que significa chorar com os que choram? | Kevin DeYoung
08/set/2025
Introdução
Infelizmente, existem cristãos que frequentam os cultos, servem em ministérios, participam ativamente da vida da igreja, mas ainda escondem pecados, dores, fragilidades e dúvidas com relação à fé. Em grande parte dos casos, a razão principal é o medo de serem expostos, julgados ou rejeitados pela comunidade. O mesmo ocorre com líderes espirituais, que, devido às pressões do ministério e à posição de destaque que ocupam, muitas vezes escondem suas lutas e pecados em silêncio.
O motivo pelo qual muitos membros carregam esse peso sozinhos está relacionado ao fato de que não encontram na comunidade cristã um espaço seguro para confissão e vulnerabilidade. Tal realidade não é apenas um problema individual, mas comunitário. A igreja, em muitos contextos, tem falhado em lidar com a confissão de pecados, reforçando a cultura das “máscaras” em vez de criar um ambiente propício para restauração. Entre líderes, a situação é agravada pelo mito da impecabilidade pastoral, que torna qualquer falha passível de julgamento severo e até exclusão. Não quero dizer que a disciplina bíblica não seja necessária, mas ela deve permear o amor e o discipulado à luz de Gl 6.1-5.
Esse nível de pressão pode chegar a proporções desumanas. Não é por acaso que nos deparamos com notícias de suicídios até mesmo no meio cristão, envolvendo líderes, missionários e pastores. Esse dado demonstra o quanto a igreja precisa resgatar o aconselhamento à luz do evangelho, onde a vergonha e o pecado sejam enfrentados pela graça, criando um ambiente em que os crentes possam deixar de se esconder sob a máscara da perfeição e experimentar a restauração que Cristo oferece.
A tradição reformada tem ressaltado que a santidade não significa ausência de pecado, mas vida consagrada a Deus em constante processo de santificação. J. I. Packer afirma: “A renovação moral, pela qual estamos mudando de modo crescente em relação àquilo que fomos, decorre da agência do Espírito Santo em nosso coração”[1]. Nesse sentido, ser santo não é jamais cair, mas levantar-se pela graça de Deus.
O propósito deste texto é considerar algumas verdades bíblicas que ajudam o crente a vencer o medo e a experimentar restauração em Cristo, para a glória de Deus.
1. A vergonha do pecado na narrativa bíblica
A vergonha, consequência imediata do pecado, aparece já no Éden. Adão e Eva, após transgredirem a ordem divina, perceberam que estavam nus e tentaram cobrir-se com folhas de figueira (Gn 3.7). O pecado rompeu a confiança entre eles e diante de Deus, gerando medo e fuga: “Tive medo, e me escondi” (Gn 3.10).
Esse padrão se repete ao longo da Escritura:
- Moisés, após matar o egípcio, escondeu o corpo e fugiu para Midiã (Êx 2.12-15);
- Davi tentou encobrir o pecado com Bate-Seba (2Sm 11.6-27);
- Pedro negou conhecer a Jesus por medo de ser identificado como discípulo (Lc 22.54-62).
A vergonha leva ao isolamento, ao silêncio e à fuga. Se a igreja não for lugar de acolhimento, onde mais as pessoas encontrarão espaço para arrependimento e restauração? A Confissão de Fé de Westminster enfatiza a necessidade de confissão não apenas a Deus, mas também uns aos outros, como parte da vida cristã em comunidade[2].
2. A graça do Evangelho como resposta à vergonha
O evangelho não apenas remove a culpa, mas também cobre a vergonha. O salmista declara: “Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada, cujo pecado é coberto” (Sl 32.1). Em Gênesis, Deus providenciou vestes para Adão e Eva (Gn 3.21), cobrindo sua vergonha. Esse ato antecipava a obra de Cristo, cujo sangue nos purifica (1Pe 1.17-21; Ap 1.5).
O episódio de Noé (Gn 9.20-29) ilustra a diferença entre cobrir e expor a vergonha. Sem e Jafé honraram o pai, cobrindo sua nudez, enquanto Cam a expôs, trazendo maldição para sua família. O mesmo ocorre ainda hoje: alguns agem com graça e restauração, enquanto outros expõem e condenam.
Ed Welch nos lembra que “Jesus toma o nosso pecado e absorve nossa vergonha (Salmo 69.9; Rm 15.3), e recebemos a sua justiça. […] Agora, em Cristo, fomos purificados, vestidos e amados”[3]. O conselheiro bíblico deve, portanto, conduzir o crente ao evangelho que cobre pecados e restaura a dignidade.
3. O aconselhamento e o ministério da graça
O aconselhamento bíblico é um ministério gracioso, em que a vergonha é superada e a esperança restaurada. Jay Adams afirma que “toda pessoa aconselhada precisa de esperança. O pecado efetuou seus efeitos de derrota e descoroçoamento em todos os quadrantes de nossas vidas”[4]. Assim sendo, visando restaurar o aconselhado, o conselheiro necessita:
- Escutar sem julgamento: dar espaço ao aconselhado para falar sem medo de condenação (Tg 1.19-20);
- Expor a Palavra: mostrar que até os grandes personagens bíblicos tiveram falhas, mas que ao se arrependerem, foram restaurados;
- Confiar na comunidade: encorajar a prática de Tg 5.16: “confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados”;
- Apontar para a nossa nova identidade em Cristo: lembrar que somos “nova criação” (2Co 5.17), de modo que a graça redefine quem somos.
Precisamos reafirmar que a confissão comunitária abre espaço para cura e restauração. A vergonha se vence quando a luz da graça entra no coração e substitui o medo pelo perdão.
4. A comunidade como espaço de acolhimento
A vergonha floresce em ambientes legalistas, onde há medo de revelar fraquezas. Mas, numa igreja centrada no evangelho, os crentes aprendem a acolher uns aos outros. Paulo ensina: “acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus” (Rm 15.7).
Uma igreja saudável precisa ser um lugar seguro, onde a confissão não gera exclusão, mas restauração. Lembremo-nos que o papel da disciplina cristã é em primeiro lugar “ganhar o irmão” (Mt 18.15). Logicamente, carecemos de crentes maduros e confiáveis que estejam dispostos a aconselhar e restaurar as pessoas.
5. Exemplos práticos em que podemos ser abençoadores
- Casais em crise que escondem dificuldades por medo de julgamento, mas que, ao se abrirem, encontram restauração;
- Jovens com pecados secretos (pornografia, vícios) que carregam vergonha, mas aprendem que a graça é maior do que seu fracasso;
- Líderes cansados que escondem sua vulnerabilidade, mas descobrem que pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas de maturidade.
Conclusão
A vergonha leva muitos crentes a se esconderem, mas o Evangelho os convida a viverem na luz da graça divina. O aconselhamento precisa ser exercido num ambiente onde a vergonha que o pecado promove seja confrontada em amor e substituída pela dignidade em Cristo. Agindo assim, podemos experimentar a maravilha de Seu amor: “No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor. Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4.18–19).
Carecemos fazer da igreja uma comunidade em que a confissão não gere exclusão, mas cura, promovendo a mentalidade de que a graça restauradora é maior do que a vergonha provocada pelo pecado. Somente assim os crentes poderão parar de se esconder, pois Cristo já tomou sobre si nossa culpa e cancelou nosso escrito de dívida (Cl 2.14), concedendo a verdadeira liberdade.
Notas
[1] PACKER, J. I. Teologia Concisa: Um Guia de Estudo das Doutrinas Cristãs Históricas, trad. Rubens Castilho, 3a edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2014, p. 149.
[2] Confissão de Fé de Westminster, capítulo XV.
[3] WELCH, Edward T. Shame Interrupted: How God Lifts the Pain of Worthlessness and Rejection. New Growth Press, 2012, p. 136, 243.
[4] ADAMS, Jay E. Manual do conselheiro cristão. São José dos Campos: Fiel, 2006, p. 49.
Foto de Paul Garaizar na Unsplash
![]() | Franck Neuwirth é Doutor em Ministério pelo Reformed Theological Seminary, EUA, em parceria com o Centro de Pós-graduação Andrew Jumper. É Escritor da Editora Cristã Evangélica e Coordenador Acadêmico no SETECEB, além de lecionar disciplinas na Área de Novo Testamento, Grego, Metodologia Científica e Aconselhamento. Atualmente, está cursando seu PhD pela Universidade de Viena na Áustria. Franck é casado com Ilma Rabelo Neuwirth e pai da Isabella e do Luiz Filipe. Autor de "Aconselhamento bíblico para todos", no prelo, por Edições Vida Nova. |
---|