
A Palavra de Cristo | Russell P. Shedd
17/nov/2025
A oração cristã tem sua base não apenas em Deus Pai, mas também em seu Filho, Jesus Cristo, sem cuja mediação e intercessão não seríamos capazes de nos aproximar do trono da graça. Por causa de nossos pecados, não teríamos nenhuma garantia de que nossas orações seriam ouvidas, a menos que houvesse um Mediador para pleitear por nós. Como é dito, “Tu te envolveste com uma nuvem para que nenhuma oração pudesse passar” (Lm 3.44). No entanto, por causa da expiação vicária de Jesus Cristo, por causa de sua morte substitutiva na cruz e de sua ressurreição da sepultura, a culpa e a penalidade do pecado foram removidas da raça humana. Se cremos, podemos agora nos aproximar de Deus com a certeza de que nossas petições serão ouvidas porque estão unidas à oferta sacrifical daquele cuja justiça cobre nossos pecados. Como ele é nosso representante e não apenas nosso substituto, agora temos acesso ao trono de Deus.
Antecipando-se à revelação de Cristo, Daniel reconheceu que “não apresentamos nossas súplicas diante de ti com base em nossa justiça, mas com base em tua grande misericórdia” (Dn 9.18). E essa misericórdia foi-nos revelada e assegurada na pessoa de Jesus, em sua vida sacrifical e em sua morte na cruz.
Jesus Cristo torna possível uma vida de oração genuína, começando por seu papel de Revelador. Ele nos revela a profundidade e a amplitude da misericórdia de Deus. Demonstra para nós que Deus não é apenas santidade, mas também compaixão ilimitada. Devemos, portanto, nos sentir livres para entrar em sua presença com nossas necessidades e petições mais íntimas. Por causa de seu poder e misericórdia revelados em Jesus Cristo, podemos ter a certeza de que nossas orações serão ouvidas e respondidas enquanto nos apegamos a Cristo como nosso Advogado e Salvador.
Em segundo lugar, Cristo, em seu papel de Reconciliador, torna real a vida de oração. Ele pôs fim à inimizade entre Deus e o homem, ao realizar o único sacrifício aceitável a Deus, um sacrifício a favor do homem. Por meio de sua representação vicária e substitutiva, ele tornou possível que o amor de Deus alcançasse a humanidade pecadora e que a nossa fé alcançasse um Deus santo. Enquanto outrora estávamos separados de nosso Criador, agora fomos restaurados à comunhão com Deus por meio da mediação de Jesus Cristo, o qual nos assegura tanto a justificação quanto a santificação.
Em terceiro lugar, Cristo, em seu papel de Redentor, institui a vida de oração. Enquanto antigamente estávamos escravizados a poderes e forças além de nosso controle, agora fomos libertos desses poderes por meio da cruz e da ressurreição de Jesus Cristo da sepultura. Cristo já triunfou sobre os poderes quando morreu na cruz, e seu triunfo foi confirmado por meio de sua ressurreição da sepultura. Ao suportar, em seu próprio ser, o peso do ataque dos poderes do mal, pois não cedeu, mas permaneceu em união com Deus até o fim, ao demonstrar seu poder sobre a morte e o inferno quando ressuscitou dentre os mortos, Cristo foi vitorioso sobre o adversário demoníaco. Paulo dá testemunho de que Deus “desarmou os principados e poderes e os expôs publicamente como exemplo, triunfando nele sobre eles” (Cl 2.15). A vontade da humanidade pecadora foi libertada de sua escravidão aos poderes das trevas para ter comunhão com Deus e servir no reino dele.
Além disso, Cristo, em seu papel de Intercessor no céu, dá forma e conteúdo às nossas orações. Ele ora as nossas orações por nós. Ele une nossas orações com as suas para que Deus nos ouça (cf. Rm 8.34). Calvino destacou a obra crucial da intercessão de Cristo na vida de oração. De acordo com o reformador, a oração se fundamenta na intercessão de Cristo, pois, como ele afirma, “nossa boca não está suficientemente limpa para cantar os louvores ao nome de Deus até que Cristo, em sua condição de sacerdote, interceda por nós”.[1] Ele citou favoravelmente Ambrósio:
[ Jesus Cristo] é nossa boca, por meio da qual falamos com o Pai; ele é nosso olho, por meio do qual vemos o Pai; ele é nossa mão direita, por meio da qual nos oferecemos ao Pai. A menos que ele interceda, não há nenhuma comunicação com Deus, quer comunicação em nosso favor, quer comunicação em favor de todos os santos.[2]
Para Calvino nossas orações só conseguem ter uma resposta por meio do perdão de Deus.
Ainda outra maneira em que Cristo torna possível uma vida autêntica de oração se dá por sua habitação no coração dos crentes. Ele não apenas intercede por nós no céu, mas, por meio de seu Espírito, faz morada nos recônditos mais profundos de nosso ser. Podemos, portanto, invocá-lo com confiança e segurança, porque ele está infinitamente próximo. Paulo lembrou a seus ouvintes: “Acaso vocês não percebem que Jesus Cristo está em vocês?” (2Co 13.5). Com confiança, ele proclamou: “Cristo em vocês, a esperança da glória” (Cl 1.27). Dentro do ser de cada cristão há uma luz interior, uma voz no íntimo, que nos move para a oração. E essa presença interior é um refúgio permanente em tempos de provação e tribulação.
Por fim, Cristo é nosso exemplo de oração. Ele não apenas revela o amor e a misericórdia de Deus, não apenas expia nosso pecado e culpa, não apenas intercede por nós no céu, mas também nos apresenta uma vida que é um exemplo de oração cristã. Lemos que “nos dias de sua carne, Jesus ofereceu orações e súplicas, com altos clamores e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte, e ele foi ouvido por causa de seu temor piedoso” (Hb 5.7). Ele lutou com Deus em oração e não se rendeu até que tivesse suportado a agonia e o regozijo na luta da oração. Foi somente depois de ter pedido que lhe fosse tirado o cálice de sofrimento que ele orou: “Apesar disso, seja feita não a minha vontade, mas a tua” (Lc 22.42). Sua oração continha elementos de petição sincera e de ação de graças, mas em parte alguma lemos que ele buscou ser elevado até o Eterno ou, como fazem aqueles que se dedicam à contemplação nas religiões orientais, entrar em um êxtase místico. Em vez de dar as costas para o mundo em uma fuga para o transcendente, ele intercedeu ativamente por seu povo (Jo 17.6-26). Além do mais, ele não chamou seus discípulos a saírem do mundo, mas, pelo contrário, ele os enviou para estar no meio do mundo como arautos, embaixadores e intercessores (Jo 17.15-18).
As orações de Jesus eram desprovidas do egoísmo e da fraqueza servil que tantas vezes se refletem na oração primitiva. Sua vida de oração indicava tanto uma dependência absoluta de Deus quanto uma confiante apropriação do poder de Deus. Forsyth comenta que a oração de Jesus “estava mais repleta do dom da graça de Deus do que da pobreza da fé dos homens, mais de um amor santo do que de um coração em busca”.10 Jesus foi tentado a entrar em desespero, mas nunca cedeu, sempre emergindo triunfante em sua batalha contínua contra os poderes das trevas. Ele demonstrou que a vida de oração é uma vida de vitória sobre a fraqueza da carne e a impiedade de um mundo caído.
Tendo em vista que nosso Salvador desempenha um papel tão crucial na vida de oração, devemos sempre orar tendo em mente a sua salvação e a intercessão. Devemos orar não apenas no espírito de Cristo, mas também no nome de Cristo. Orar no nome de Cristo significa orar tendo consciência de que, sem seu sacrifício expiatório e sem sua mediação redentora, nossas orações são indignas e ineficazes. Significa apelar ao sangue de Cristo como a fonte de poder para a vida de oração. Significa reconhecer que, sem sua mediação e intercessão, estamos totalmente desamparados. Orar em seu nome significa que reconhecemos que nossas orações não conseguem entrar no tribunal de Deus a menos que sejam apresentadas ao Pai pelo Filho, nosso único Salvador e Redentor.
Notas
[1] John Calvin [ João Calvino], Institutes of the Christian Religion, John McNeill, org., tradução para o inglês de Ford Lewis Battles (Philadelphia: Westminster, 1960), III. 20.28, p. 890 [publicado em português por UNESP sob o título A instituição da religião cristã].
[2] Calvin [Calvino], Institutes, III. 20.21, p. 879. Veja também Ambrosius [Ambrósio], On Isaac or the soul, viii. 75. In: J.-P. Migne, Patrologia latina, vol. 14, p. 557.
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![]() | (1928-2010) foi professor de Teologia Sistemática no Seminário Teológico de Dubuque (EUA). Obteve seu doutorado na Universidade de Chicago e realizou estudos de pós-doutorado nas Universidades de Oxford, Tübingen e Basileia. Escritor e teólogo prolífico, o dr. Bloesch é amplamente reconhecido por seu trabalho em teologia evangélica, espiritualidade e ética e uma das vozes teológicas mais importantes do evangelicalismo no século 20. |
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![]() | EM UMA ÉPOCA de espiritualidades superficiais, a oração pode ser reduzida a um exercício de meditação, a um ritual formalista ou a uma técnica terapêutica. Mas o que a igreja perde quando abandona a oração como um diálogo ativo e, por vezes, um intenso combate com Deus? Em A luta da oração: em busca do verdadeiro quebrantamento, o teólogo Donald G. Bloesch resgata a autêntica espiritualidade evangélica, herdeira dos profetas bíblicos e da Reforma Protestante. Ele apresenta a oração como uma súplica sincera e um derramamento da alma diante de um Deus pessoal que ouve e age. Bloesch mostra que, longe de ser uma fuga da realidade, a oração é a mais elevada forma de ação e a força por trás de todo serviço cristão. Este é um chamado para abandonar a superficialidade e redescobrir o poder de um relacionamento com Deus que é dinâmico, perseverante e transformador. |
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