Apologética da gentileza | Jonas Madureira

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NOTA: O que se segue é um sermão pregado pelo pastor Jonas Madureira no dia 24 de maio de 2014 no culto “Inter Jovens” realizado na Igreja Batista Maranata em São José dos Campos, SP. Não se trata de uma transcrição integral do sermão, embora grande parte dele tenha sido transcrito. Alguns trechos foram adaptados para a linguagem formal e a essência da mensagem não foi alterada.

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“Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência.” (1Pedro 3.15-16a)

Quando paramos para pensar em apologética, a imagem que mais se assimila é a de alguém beligerante que discorda de todos. Porém, a palavra “apologética” na tradição cristã tem origem jurídica. Os primeiros apologetas do cristianismo não ficariam o dia inteiro no Facebook respondendo a perguntas que as pessoas fazem sobre teologia. Eles iriam para o contexto de uma defesa jurídica porque, se fizessem uma boa defesa de que o cristianismo é razoável, que não é uma religião ateísta – como eram acusados os cristãos –, que não praticavam canibalismo – isto por conta da ceia – evitariam a morte. Esses apologetas, portanto, entram no cenário porque estão diante de alguns cristãos que serão lançados aos leões e a defesa que farão pode salvá-los.

A apologética, no início, tem o tom de mostrar a relevância do evangelho, mas com a finalidade de defendê-lo, pois a defesa dele garantiria a prática cristã, a vida baseada no evangelho. O contexto de uma vida baseada no evangelho, na ocasião, era uma vida marginalizada. A ideia era defender o evangelho para mostrar que os cristãos não eram nocivos à sociedade, que não deveriam ser tratados como estavam sendo tratados.

Curvar-se diante de Cristo não significava que eles não obedeciam às leis. Eles queriam ter o direito de dizer que somente Cristo era o Senhor, mas isso não significava que César não tinha que ser respeitado. Ao não se curvarem diante do imperador, não significava que não respeitavam César com toda autoridade que lhe era concedida.

A tarefa do apologista, então, era a de um advogado, de fornecer as peças de um argumento para mostrar que aquele que está sendo acusado é inocente.

Do que estamos sendo acusados hoje? Do que a igreja está sendo acusada? Diante de uma acusação, nossa primeira reação pode ser a reação de simplesmente responder com a mesma medida, de odiar aqueles que nos odeiam, de responder com perseguição, com aspereza.

Pedro, ao escrever essas palavras, escreve-as para forasteiros, para pessoas que estão no contexto que não é o habitat natural delas. É um mundo diferente. Diante disso, eles ainda vivem debaixo do evangelho. O evangelho exige que eles, por natureza, adotem padrões que a cultura rejeita. Pedro sabe que aquela comunidade está sofrendo.

Ao defendermos o evangelho, não precisamos falar grosso ou gritar para que ele mexa com as estruturas de alguém. Mesmo que falemos com toda gentileza, o evangelho tem garras. Ele vai mexer com a estrutura de toda e qualquer cultura. Pedro sabe que não conseguiremos evitar o confronto do mundo. Os primeiros defensores enfrentavam essa oposição. Lutero dizia que sempre que o evangelho fosse pregado geraria conflito. Nesse contexto é que apresentaremos o evangelho. Irão nos perguntar a razão da esperança que há em nós e o desafio de Pedro é que estejamos preparados para isso.

Para que possamos responder, precisamos aprender a ouvir e a perguntar. O que as pessoas à nossa volta estão nos perguntando? As pessoas querem saber se somos inteligentes ou que, no fundo, quando entram num debate, querem saber o porquê você acredita naquilo que você diz ser o evangelho? Esta é a pergunta mais importante que o apologeta deve responder. Quando perguntamos por que acreditamos no evangelho, fazemos um exercício de reflexão, para saber o porquê acreditamos. Refletimos na razão de nossas atitudes, e no por que cremos naquilo que cremos.

Pedro usa palavras que tentam despertar em cada um a resposta da esperança que há em nós. Para isso, temos que fazer uma reflexão sobre aquilo que cremos. Vivemos num contexto onde aquilo que chamamos de evangelho está diluído, é superficial. As pessoas não sabem o que significa o evangelho. Eu acho que esperamos que o evangelho seja algo simples, mas confundimos algo simples com algo simplista, de tal forma que não queremos mais mastigar o evangelho, queremos que alguém o mastigue por nós. Não queremos pensar. O evangelho só vai transformar você se você mastigá-lo. Se você não entendeu o evangelho e não tem convicção dele, não há como você defendê-lo. Como você defende algo do qual não acredita? Se você não acreditar naquilo que está pregando, terá que defender a técnica do cinismo, como vendedores que não acreditam na qualidade do produto. Não dá pra fazer isso com o evangelho. Ou acreditamos no evangelho ou não conseguiremos defendê-lo. O evangelho deve ter o padrão que toca o seu coração e faz você admirá-lo. Para sustentar o evangelho, precisamos admirá-lo e, para admirá-lo, precisamos nos aprofundar nele.

Lewis e o cristianismo “água-com-açúcar”

Quero apresentar um apologeta da gentileza por excelência. C. S. Lewis.

Em seu livro “Cristianismo Puro e Simples”, Lewis explica por que o ateísmo é simplista. Mas ele diz que há também o cristianismo simplista, que é o cristianismo “água-com-açúcar”, aquele cristianismo de respostas prontas, que não nos faz pensar. Ele diz:

“Pois bem, então o ateísmo é simplista. E vou lhes falar de outro ponto de vista igualmente simplista que chamo de ‘cristianismo água-com-açúcar’. De acordo com ele, existe um bom Deus no Céu e tudo o mais vai muito bem, obrigado – o que deixa completamente de lado as doutrinas difíceis e terríveis a respeito do pecado, do inferno, do diabo e da redenção. Os dois pontos de vista são filosofias pueris.”

Ele compara esse tipo de cristianismo com o ateísmo porque é o tipo de cristianismo que tentar tirar do evangelho a força de desestabilização de estrutura de nós mesmos. É o tipo de cristianismo que, quando você estiver passando por dificuldades, lhe dirá coisas do tipo: “Menino, vá orar, você está em pecado”.

Não conseguimos aprofundar uma questão, queremos respostas simplistas. Não queremos pensar na profundidade. Ser simples é uma coisa, ser simplista é outra. O evangelho é simples como a luz, mas isso não significa que seja fácil de entender. A luz é entendida tanto como uma onda como uma partícula e nenhum dos dois entendimentos está errado. É algo que não se resolve, é complexo. Você quer que Deus seja assim simples? Você acredita que, por causa dessa simplicidade de Deus, você está diante de algo simplista? A riqueza de Deus está no fato de Ele ser simples, mas isso demanda profundidade. O evangelho exige profundidade de mim e de você. Vivemos num contexto hoje onde as pessoas pagam dobrado para fazer coisas em vez de pensar. Por isso passamos tanto tempo no videogame. É legal, mas não dá em nada. Você sai de uma partida depois de várias horas e deve se perguntar: “Legal, e aí? Puxa, quanta coisa poderia ter feito nesse tempo!”

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Por que passamos horas em frente ao videogame ou no shopping? Sabe por quê? Porque pensar dói. Porque pensar exige um movimento doloroso.

A alegoria da caverna de Platão

Todos nós conhecemos a alegoria da caverna. O que Platão dizia que aconteceria se aqueles prisioneiros fossem libertos de suas correntes e vissem a luz, se vissem o sol brilhando? O que aconteceria se vissem que o mundo deles não se resume àquela “caixinha”, mas que existe um mundo superior e que aquilo são apenas sombras? Eles sofreriam. Ficariam cegos por causa da luz, sentiriam dor porque não estão acostumados a fazerem isso.

Similarmente, você somente irá se sentir à vontade quando começar a estudar o evangelho. No início, terá sono. Só quando começarmos a praticar é que não irá doer. Isso exige de nossa parte um movimento que dói. Temos que ler o texto bíblico várias vezes. Dói. Com o passar do tempo, porém, esse movimento se torna comum e deixa de doer, você se acostuma.

Quando o prisioneiro fica cego, isto é o símbolo da ignorância. Quando alguém se converte e se depara com o evangelho, fica cego, ignorante. Isto acontece, por exemplo, com pessoas que vão à igreja pela primeira vez. Não sabem o que fazer. A constatação da ignorância não é algo gostoso. Temos dificuldade de reconhecer nossa ignorância.

Como podemos resumir o evangelho em três minutos? Isso diz muito sobre se compreendemos ou não o evangelho. No momento de olharmos para a luz, podemos ficar cegos. Mas a cegueira passa com o tempo.

O texto da caverna é a alegoria de que todos estão presos. Platonismo e cristianismo se parecem bastante, mas possuem muitos contrapontos. No caso da caverna, é o homem que se liberta. Basta que ele reflita sobre a realidade à sua volta. Em contrapartida, no cristianismo, nós é que somos libertos pelo Espírito Santo. Somente Ele liberta nosso coração para enxergarmos o evangelho.

Para pregarmos o evangelho, para que possamos defendê-lo e o anunciarmos, temos que nos aprofundar. As pessoas se aproximarão não por causa de argumentos, mas por causa de nosso testemunho. Somente pelo Espírito Santo seremos libertos. Não adianta explicarmos através da lógica que o evangelho é a verdade se não aceitarmos a Bíblia na cabeça. A obra é do Espírito Santo.

Quando alguém enxerga a realidade, porém, ele volta para a caverna para tentar libertar os demais. Fazemos a mesma coisa quando conhecemos o evangelho. Nasce em nós o desejo de ir à caverna para proclamá-lo. Isso, no entanto, só irá acontecer quando admirarmos o evangelho. Antes de desenvolvermos qualquer argumento, o que você e eu precisamos é da experiência do evangelho. Ele não é um folheto evangelístico, é o fundamento da igreja. Também não é apenas uma mensagem para ganhar pessoas para Cristo, é o fundamento da igreja. Enquanto não nos aprofundarmos nesse evangelho e fizermos dele nossa reflexão diária e o tema de nossa vida, não conseguiremos falar da Palavra de Deus ao mundo.

O que é o evangelho?

Gostaria de encerrar pensando no evangelho.

O que é o evangelho? Imagine um artista que está focado em sua obra e nada desvia sua atenção dela. Ele é perito na obra. Ele é o ser criador. Ele não falha. É da natureza do barro estragar, mas é da natureza do oleiro criar. Embora o barro esteja estragado, o oleiro não o joga fora, ele pega o mesmo barro e cria novamente. Isso é redenção.

Deus criou o mundo de uma maneira perfeita e maravilhosa e estragamos tudo. Mas não é o fim. A natureza do Criador também é a natureza do redentor. Temos a natureza da destruição, mas Ele tem a natureza da redenção. Eu e a você podemos estragar histórias lindas que Deus está criando, mas não temos o poder de estragar a história eterna que Deus prepara para nós. Não podemos destruir Deus. Enquanto Deus existe, há redenção dos estragos.

Não é bonito o evangelho, a história de Deus? Ele cria tudo de maneira perfeita porque Ele é perito. Ele não desiste. Esta é a história do evangelho. Você não pode fazer um estrago tão grande para o qual não haja redenção. Para defender o evangelho, temos que amá-lo, admirá-lo. Como está nossa admiração pelo evangelho pela obra de redenção? O peso de nossa admiração representa o peso de nosso amor às respostas que são feitas ao nosso tempo. Não só apresentando e defendendo o evangelho de uma maneira lógica, mas, sobretudo, fazendo com carinho e gentileza, que só os seres dóceis podem ter diante dos seres brutos. Que o evangelho seja dito de uma forma dócil, mas não de uma forma domesticada, ou seja, uma forma que não desestabilize. Não espere que a pregação do evangelho não mexa com as estruturas das pessoas. Não temos que ficar chateados quando alguém nos ofende. Isso irá acontecer sempre quando pregarmos o evangelho. O que não pode faltar em mim e em você é o amor. Amor por Deus e por pessoas, ou seja, que não iremos humilhá-las. Não temos que mostrar que somos inteligentes. Estamos aqui para pregarmos o evangelho e mostrar o que ele tem feito conosco.

Jonas Madureira é bacharel em teologia pelo Betel Brasileiro e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, bacharel e mestre em filosofia pela PUC-SP e doutor em filosofia pela USP e Universidade de Colônia (Alemanha). É professor de Teologia Sistemática e Apologética no Seminário Martin Bucer e de Filosofia na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autor do livro Filosofia, do Curso Vida Nova de Teologia Básica, Inteligência humilhada e Tomás de Aquino e o conhecimento de Deus, publicados por Edições Vida Nova. É também pastor na Igreja Batista da Palavra, em São Paulo.
Inteligência humilhada é fruto de uma cuidadosa reflexão sobre como se relacionam o conhecimento de Deus e os limites da razão humana. Além disso, é o resgate de uma tradição do pensamento cristão que sempre se recusou a reduzir o debate entre fé e razão nos termos do racionalismo ou do fideísmo. A finalidade do conceito de “inteligência humilhada” é despertar o interesse por uma razão que ora e uma fé que pensa.

Seguindo o conselho de João de Salisbúria, Jonas Madureira subiu nos ombros de cinco gigantes da tradição cristã: Agostinho de Hipona, Anselmo da Cantuária, João Calvino, Blaise Pascal e Herman Dooyeweerd. Todos eles serviram de ponto de partida e fundamentação do conceito. Ao longo deste livro, essas cinco vozes, sobretudo a de Agostinho, são ouvidas nos mais diversos assuntos: teologia propriamente dita, revelação natural, problema do mal, gramática da antropologia bíblica, formação de um teólogo entre outros.

Publicado por Vida Nova.

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