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Em seu livro, “Church – Who Needs It?” (“A Igreja? Quem Precisa Dela?”), David Allan Hubbard nos faz lembrar que o mundo gosta de feriados. Seria difícil, diz ele, ir a qualquer lugar e encontrar pessoas, se não houvesse feriados. “Para alguns, os feriados estão ligados às estações, como os grandes festivais de verão na Escandinávia ou os carnavais de inverno em Minnesota. Para outros, os feriados recordam os grandes acontecimentos históricos, especialmente o Dia da Independência ou libertação da tirania, como o Dia da Bastilha na França, o Cinco de Maio no México, ou o Quatro de Julho nos Estados Unidos” (Glendale: Regal Books, 1974, p. 14). 

Embora todo mundo goste de um feriado, não existe feriado algum que seja realmente universal. A maioria deles está ligada a tradições nacionais ou tribais, ou ligada à história de um grupo específico. Num certo sentido, os feriados são celebrações dentro do grupo que têm pouco ou nenhum significado em outra parte. 

O mais próximo de um feriado universal é o dia que tomamos por certo – o domingo. Apesar da maré crescente de secularização no mundo ocidental durante os dois últimos séculos, o domingo é observado por mais pessoas do que qualquer outro dia santo conhecido pelo homem. Os cristãos vêm fazendo isso há dois mil anos por encontrarem o significado da vida na adoração dominical de Jesus Cristo, “o primogênito dentre os mortos”. Um poeta desconhecido escreveu certa vez: 

 

De todos os prêmios 

Que o mundo pode oferecer, 

Este é o melhor: 

Encontrar-te, Senhor, 

Uma presença viva e próxima, 

E descansar em Ti. 

 

Este anseio dentro de uma congregação cristã faz com que ela seja diferente de todas as demais reuniões humanas. Outros se encontram por prazer, estudo, ou para fazer planos. A igreja encontra-se para adorar.  

A adoração pode envolver alegria, instrução e planos de ação – mas o âmago de tudo é sempre o fato de Deus e a relação dos adoradores com Ele. A alegria da adoração está em Deus. Sua instrução está na vontade de Deus. Seus planos de ação acham-se ligados aos propósitos de Deus. A centralidade de Deus faz da adoração aquilo que é. 

 

O Significado da Adoração Cristã 

A adoração é o ato da igreja reunida em que louvor e honra são dirigidos a Deus pelo seus dons preciosos a seu povo em Jesus Cristo e através dele. A chave da verdadeira adoração não é o homem, mas Deus. O Deus da Bíblia revelou-se de tal maneira a nós que a natureza do culto cristão é determinada pelo seu caráter. 

A Bíblia nos ensina que Deus procura homens que O adorem em espírito e em verdade (Jo 4.23) e que Ele removeu de uma vez para sempre as barreiras que impediam a comunhão com sua pessoa. A verdadeira adoração cristã, portanto, não é algo que o homem faz para Deus; mas nossa aceitação agradecida daquilo que Deus já fez por nós na morte e ressurreição de Jesus Cristo. 

A adoração bíblica é peculiar. As formas de adoração de Israel nos tempos do Velho Testamento eram exteriormente semelhantes às formas de culto das nações vizinhas, mas o significado interior diferia grandemente. Os pagãos iniciavam eles mesmos os atos de adoração, na esperança de fazer alguma coisa que pudesse obter o favor dos deuses. A adoração dos hebreus era uma resposta ao que Deus já fizera por eles, não tendo o propósito de alcançar o favor de Deus. Tratava-se simplesmente do alegre reconhecimento de que um Deus cheio de amor já oferecera, por sua própria iniciativa, sua misericórdia e graça. 

A adoração, como a aceitação agradecida da graça divina, é quase sempre acompanhada de louvor e culto. 

 

“Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do Senhor” (SI 122.1). 

“Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre” (SI 118.1).

 

Este tom é característico do culto bíblico. Frases como “Louvai ao Senhor”, “Cantai ao Senhor” e “Rejubilai-vos no Senhor” correm como fios de ouro através da adoração da Bíblia. Louvor e adoração são simplesmente a resposta do crente a Deus. Desde que Deus é Criador, Redentor e Senhor, o povo de Deus prostra-se diante dele em adoração e ações de graças, reconhecendo que a vida e todas as boas dádivas são recebidas da sua mão. Reconhecer Deus como Criador e Redentor é glorificá-lo; é engrandecer seu valor supremo. 

Infelizmente, muitos de nós merecem a acusação do falecido Peter Taylor Forsyth: “Em lugar de colocar-se ao serviço de Deus, a maior parte das pessoas quer um Deus que esteja a seu serviço” (The Cure of Souls: An Anthology of P.T. Forsyth’s Practical Writings, editado por Hary Escott, Grand Rapids: Eerdmans, 1971, p. 59). 

A verdadeira adoração, porém, deve ser sempre para a glória de Deus. Nos cultos modernos, muita atenção é dirigida para o que acontece com o adorador. As igrejas recorrem a som, luzes, simbolismo, liturgia e encenação, a fim de provocar sentimentos emocionais no adorador. Os que participam tendem a avaliar o culto em termos de como ele os edificou ou fê-los sentir-se bem ou os inspirou. 

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Precisamos vigiar neste ponto. É possível confundir entretenimento com adoração, substituindo o que alguém chamou de “afeição subjetiva” em lugar de “confiança objetiva”. Podemos tomar o prazer estético que sentimos ao ouvir o coral, ou a beleza arquitetônica do prédio da igreja, por uma verdadeira experiência de adoração. 

C.S. Lewis escreveu muito bem: “O bom calçado é aquele que você não nota. A boa leitura torna-se possível quando você não precisa pensar conscientemente sobre os olhos, a luz, a impressão, a pronúncia. O culto perfeito da igreja seria aquele que passasse praticamente despercebido; nossa atenção estaria voltada para Deus” (Letters to Malcolm, New York: Harcourt, Brace, and World, 1964, p. 4). 

Os evangélicos, penso eu, enfrentam outra corrupção do culto verdadeiro. Como um movimento doutrinário, eles geralmente consideram a apresentação de algumas novas verdades bíblicas como uma bênção na adoração. Isto transforma a mesma numa experiência intelectual. A adoração bíblica não é insensata – como argumentou Paulo em 1 Coríntios 14 – mas o Deus que adoramos será sempre maior que os nossos pensamentos, mesmo a respeito da Bíblia. O Livro de Jó ensina que Deus está próximo de nós mesmo durante aqueles momentos em que temos razão para duvidar de que Ele nos ama. Os seus caminhos estão além de nossa compreensão. 

Avaliar a adoração pelo que acontece ao adorador é fazer dos homens e não de Deus, o centro da mesma. Isto seria usar Deus para fins humanos. Mas o propósito final de Deus não é glorificar o homem e torná-lo feliz para sempre. Mas, pelo contrário, o propósito final do homem é glorificar a Deus e gozar dEle para sempre. Está a finalidade principal de toda a verdadeira adoração. 

 

A Necessidade da Adoração Conjunta 

O caráter corporativo da salvação se relaciona especialmente com a adoração. Esta não é um solo, mas um coro. É a família de Deus reunida na sua presença para concretizar a unicidade do povo de Deus. “Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras” diz a testemunha apostólica. “Não abandonemos a nossa própria congregação, como é costume de alguns; antes façamos admoestações” Н(Ь 10.24-25). 

Esta não é simplesmente a opinião de um escritor do Novo Testamento, nem o conselho de um ministro ambicioso que deseja uma boa frequência para incluir em seu relatório anual. E a expressão da natureza corporativa da igreja. Ser salvo significa que pertencemos à companhia dos salvos. João Calvino viu isto claramente quando escreveu: “Em separado do corpo de Cristo e da fraternidade dos santos, não pode haver esperança de reconciliação com Deus”. 

O Espírito Santo não foi dado a indivíduos isolados, mas à igreja. Se temos o dom do Espírito Santo, estamos vitalmente unidos à comunhão do corpo a quem o Espírito Santo é concedido. Fora deste corpo não há salvação. Deixar de adorar regularmente com o povo de Deus e partilhar da vida do seu povo, afirmando mesmo assim ser um cristão, é uma clara contradição. Quaisquer que sejam as exceções a esta regra, elas apenas confirmam o fato de que os casos excepcionais não anulam a regra. Eles geralmente revelam a falta de compreensão por parte de alguém quanto à sua própria fé. “Todos os que creram estavam juntos” é a primeira descrição da igreja (At 2.44), sendo uma marca permanente da vida da igreja em todas as gerações.


Trecho extraído e adaptado da obra:  A Igreja: o povo de Deus  do autor Bruce L. Shelley  publicado por Edições Vida Nova: São Paulo, 1984, p. 64-68. Publicado no site Cruciforme com permissão.

Foi, por muito tempo, professor de História da Igreja e Teologia Histórica no Denver Theological Seminary. É mestre em Teologia pelo Fuller Theological Seminary e doutor pela Universidade de Iowa. Dr. Shelley faleceu em 2010.

Este é um livro que responde àquelas perguntas tão comuns em nossos dias:

Posso ser cristão sem pertencer a uma igreja local?
As igrejas que tenho observado hoje dificilmente se assemelham àquelas do Livro de Atos. Por quê?
O que a igreja deve fazer por mim?
Qual a relação da minha fé com o batismo?
Quem é responsável pela evangelização: eu ou a igreja?

O dr. Shelley, historiador da igreja que dedicou 19 anos de sua vida pesquisando a história e as Escrituras, acredita que precisamos entender tanto a Bíblia quanto a história da igreja para compreender a relação de nossa fé com a igreja local.

 

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