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29/ago/2019Tolkien apreciava árvores. Qualquer leitor do legendarium, o corpus total dos escritos sobre a Terra-Média, de J. R. R. Tolkien, sabe do papel especial que as árvores desempenham em seu universo mítico. Neste breve texto, examinaremos a visão que esse autor tinha em relação ao meio ambiente, especialmente às árvores, esboçada em sua vida e em suas ficções.
Tolkien nasceu em 3 de janeiro de 1892 num período em que a Revolução Industrial estava a todo vapor. Na verdade, a segunda fase da Revolução, com desenvolvimentos nas áreas de química, petróleo, aço e eletricidade tornavam o território inglês uma grande fábrica. Tolkien passou parte de sua infância em Birmingham, um grande centro industrial. Foi um contexto de surgimento de inúmeros desenvolvimentos tecnológicos, carros, eletricidade e expansão industrial. Ele percebeu de perto os efeitos devastadores da tecnologia utilizada nas duas guerras mundiais, chegando inclusive a parar de utilizar carros após 1945, devido a consciência da poluição que era gerada.
O amor de Tolkien pelas árvores
Em uma entrevista, Tolkien comenta que “Eu sou de fato um Hobbit (em tudo menos em tamanho). Eu gosto de jardins, árvores e terras agrícolas não-mecanizadas”.[1] Neste texto, lembraremos de três momentos simbólicos principais (existem outros) que ilustram a importância das árvores para Tolkien: os ents, o que ocorre em Isengard e a árvore de Gondor. Para quem se interessar pela visão ambiental de Tolkien, recomendo o excelente livro “Ents, elves and eriador. The environmental vision of J. R. R. Tolkien”, de Matthew Dickerson e Jonathan Evans.
Os ents aparecem já no Silmarillion, mas é em “O Senhor dos Anéis” que sua participação é mais impressionante. Após os hobbits Pippin e Merry terem conseguido fugir dos horrores de Isengard, eles encontram em meio à floresta Barbárvore, uma árvore imensa que falava e caminhava: tratava-se de um ent, um protetor das florestas. Os hobbits lhes contam sobre o horror industrial perpetrado em Isengard, com destruição de árvores e criação dos terríveis Uruk-hais, seres modificados por Sauron. O ent compreende que Saruman está envolvido, e que ele “tem um cérebro de metal e rodas, e não se preocupa com os seres que crescem, a não ser enquanto o servem” (“As duas torres”, p. 70). A mentalidade de um industrial! E, após os relatos dos hobbits, os ents decidem marchar contra Isengard.
Com o objetivo de aumentar seu poder, o mago Saruman, servindo a Sauron, transforma Isengard em um terror mecanizado. Antes, a cidade era esverdeada, com muitas árvores e campos, mas, com Saruman, tornara-se uma cidade industrial:
“Mas nada verde crescera ali nos últimos tempos de Saruman (…) Rodas de ferro giravam sem parar, e martelos batiam. Durante a noite, nuvens de vapor subiam das aberturas” (“As duas torres”, p. 156)
A descrição de Isengard é muito semelhante às cidades industriais inglesas da virada para o século XX. Tolkien conseguiu nos passar sua apreensão com o que ele via em seu país: chaminés, poluição e destruição ambiental.
Saruman é o protótipo do industrial que não se importa com o meio ambiente em sua busca por poder. Como disse outro oxfordiano, C. S. Lewis, “O que chamamos de poder do Homem sobre a Natureza, revela-se como o poder exercido por algumas pessoas sobre as outras, tendo a Natureza por seu instrumento” (Abolição do homem, p. 56). Era esse o intento de Saruman: domínio sobre toda a Terra Média.
Tolkien possuía uma verdadeira “mecanofobia”, mas não era totalmente contra a tecnologia; o que mais o incomodava eram as implicações para a destruição do meio ambiente e controle social. Poucos estavam interessados em cultivar o planeta, tais como os elfos e sua apreciação pelo belo e conservação do natural. O homem moderno e seu padrão de vida exigiam que campos fossem destruídos para que se construíssem indústrias que supririam o consumismo crescente; estradas precisavam atravessar todos os confins do país desfigurando tudo.
Tolkien achava que a tecnologia deveria estar a serviço do homem e seu desenvolvimento deveria ser cauteloso, para que não minasse a natureza humana e sua condição de vida. Para ele era possível um país crescer, se desenvolver, sem precisar destruir tudo à sua volta. Mas as máquinas e a ideia de “progresso”, tal como eram concebidas por tecnocratas eram repulsivas.
Tolkien tinha as árvores em tão alta consideração que passou a utilizar como símbolo seu a bandeira que criou para Gondor, trazendo a árvore branca.
Gondor era o maior dos reinos dos homens na Terra Média e sua árvore branca que perdurava viva por gerações era o símbolo do cuidado dos homens com sua terra. Quando ela secou em momentos da grande crise narrada em “O Senhor dos Anéis”, marcou-se a desesperança dos homens na luta contra as forças do mal e o descuido com a criação. Mas a esperança é mantida acesa e, após a vitória contra Sauron, uma semente é encontrada e replantada por Aragorn, o agora rei de Gondor. Durante muitos anos, Gondor não tivera reis, somente regentes, mas o rei retornou na figura de Aragorn. Interessante que a palavra em inglês para regente é steward, que também pode ser traduzida por administrador ou mordomo. E, assim, fechamos o ciclo da visão ambiental de Tolkien: somos administradores da criação; quando não somos fiéis nisso, as consequências são nefastas, a possibilidade da continuidade da vida na terra é abalada e as pessoas têm suas liberdades restringidas.
A visão de ética ambiental de Tolkien era alicerçada numa profunda visão cristã, que via uma relação entre o criador e a humanidade e entre humanidade e o resto da criação. Importante perceber que sua visão é estabelecida antes de ataques que acusavam o cristianismo de ser o responsável pela atual crise ecológica, como é o caso do texto de Lynn White “As raízes históricas de nossa crise ecológica”, de 1967. Textos como esse apontavam como o mandamento de dominar sobre tudo causou muitos problemas; Tolkien (e esta é a visão cristã) via que o homem era um mordomo da criação e o mandamento era para cuidar do jardim e de toda a criação. O culpado não é o cristianismo; pelo contrário, o abandono da visão cristã de cuidado é que gerou esse descaso.
Se olharmos a obra de Tolkien desde “Silmarillion”, passando pelo “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”, o que perpassa é uma visão de que a natureza é algo que vale a pena cuidar; Tolkien nos faz perceber como nossa sociedade industrial pode ser danosa não somente para o meio ambiente, mas para todo o nosso modo de vida. E isso não é puramente querer defender um estilo de vida agrário, sem tecnologia, mas, antes, é procurar desenvolver nossa tecnologia e ciência com responsabilidade, como verdadeiros mordomos da criação.
“Todavia não é nossa função controlar todas as marés do mundo, mas sim fazer o que pudermos para socorrer os tempos em que estamos inseridos, erradicando o mal dos campos que conhecemos, para que aqueles que viverem depois tenham terra limpa para cultivar. Que tempo encontrarão não é nossa função determinar. (Gandalf. O último debate IN: “O Retorno do Rei”, p. 148).
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[1] Entrevista com Dennis Gerrolt, janeiro de 1971, BBC Radio 4, “Now Read On . . .” apud: GARTH, John. A brief biography, IN: LEE, Stuart D. A companion to J. R. R. Tolkien. West Sussex: John Wiley & Sons, 2014, p. 20.
Luiz Adriano Borges é professor de história na UTFPR-Toledo, lecionando sobre história da técnica, tecnologia e sociedade, filosofia, sociedade e política. Sua área de pesquisa centra-se na História e Filosofia da Tecnologia e da Ciência. Seus projetos mais recentes são: “A visão cristã da tecnologia” e “Esperança em Tempos de guerra. Ciência, tecnologia e sociedade em Tolkien, Huxley, Lewis e Orwell (1892-1973)". |
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2 Comments
Muito interessante o texto e propício pro momento que presenciamos na região norte.
Que bacana a visão de Tolkien sobre sua concepção da sustentabilidade.
Tecnologia, progresso e respeito a terra, a natureza.
Parabéns pelo artigo. Concordo e muito com tudo isso. Esses posts relacionando o evangelho, juntamente com filmes e outros assuntos, só vem pra somar..