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08/dez/2025
A teologia não é um fim em si. Diferente de instituições que buscam perpetuar a própria existência, a teologia tem um objetivo mais elevado do que a mera sobrevivência. A glória de Deus é a finalidade suprema da teologia, como também de todas as coisas humanas. No entanto, o fim imediato da teologia é edificar os que pertencem a Deus, equipando-os para alcançarem seu objetivo final: glorificar a Deus em tudo o que fazem, dizem e sofrem. A missão da teologia tem tudo que ver com participar da missão do próprio Deus no mundo. Na teologia, tudo acaba voltando a esse ponto inicial: o Pai criando e abraçando todas as coisas com suas duas “mãos”, o Filho e o Espírito.
Partindo do princípio de que tudo que fazemos é para a glória de Deus, faremos uma análise prática daquilo que os pastores-teólogos se envolvem no ministério cristão, isto é, na missão de Deus. Assim como o maior erro que podemos cometer como cristãos é pensar que Deus existe para nos ajudar como ator coadjuvante em nossa história de vida (em vez de nós sermos os personagens secundários na história de Deus), o maior erro que um pastor pode cometer é pensar que o ministério é antes de tudo um trabalho humano, apoiado por Deus. Ao contrário, Deus tem estado ativo na edificação de sua igreja desde antes da fundação do mundo (Ef 1.4; Ap 13.8). O pastor é simplesmente um santo novato que trabalha para a causa.
Podemos ser mais específicos. Embora a igreja seja obra do Deus trino e uno, o pastor participa da obra do Filho em particular. Jesus Cristo é o profeta supremo, que não apenas fala, mas também é a Palavra de Deus dirigida à humanidade. Jesus Cristo é o sacerdote supremo à medida que tanto oferece o único sacrifício sangrento que remove o pecado quanto é o próprio sacrifício. Na condição de Deus-homem, Jesus Cristo é o único mediador que representa Deus diante de outros e os outros diante de Deus. Jesus é tanto a palavra divina majestosa quanto a resposta sábia e obediente da humanidade.
Pastores participam no ministério do próprio Jesus graças à união deles com Cristo. Como todos os crentes, os pastores estão unidos à pessoa de Jesus Cristo, o Filho ressurreto de Deus, que agora reina à destra do Pai. Além disso, embora todos os crentes partilhem até certo ponto da obra contínua do Filho, os pastores foram consagrados para participar de uma forma distinta do ofício de Cristo como o Grande Pastor: “O ministério de Cristo tem a ousada intenção de combinar os ministérios profético e sacerdotal em um único ministério da palavra e do sacramento, em que uma pessoa serve tanto no ofício sacerdotal de conduzir o culto público quanto no ofício profético de fornecer instrução religiosa, exegese e proclamação da palavra de Deus”.[1] Portanto, o pastor representa e participa do ministério do próprio Jesus Cristo.
Deve-se ter em mente que o ministério pastoral é, em primeiro lugar, obra de Jesus Cristo e, apenas de forma secundária, obra de pastores humanos. Os pastores podem ministrar de modo autêntico o que é/está em Cristo apenas se eles próprios estiverem em Cristo.[2] Porque estão em Cristo, Cristo também está neles, comunicando a si mesmo e aos seus benefícios por meio de seu Espírito: “Por nossa união com Cristo, partilhamos do ministério de Jesus Cristo conosco, para nós e através de nós por meio do Espírito Santo para a glória do Pai”.[3] As práticas que constituem o trabalho do pastor-teólogo podem abranger habilidades específicas das chamadas profissões de ajuda, mas, em última análise, o que as torna práticas teológicas é o fato de serem maneiras de comunicar o que é/está em Cristo.[4]
A Grande Comissão pastoral
Jesus utiliza o termo “igreja” (“assembleia reunida”) apenas três vezes, todas no Evangelho de Mateus (16.18; 18.17 [2x]). No entanto, em outras passagens, ele teve muito a dizer sobre o plano de Deus para um povo separado, retratando-o alternadamente como rebanho, colheita de cereais, peixes apanhados em uma rede e convidados de um casamento. Por exemplo, Jesus disse que foi enviado “às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15.24), porém, também reconheceu: “Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco” (Jo 10.16). Por essa razão, é significativo que as palavras finais de Jesus aos discípulos após sua ressurreição — que também são as palavras finais do Evangelho de Mateus — digam respeito às orientações a seu povo separado: “Portanto, ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; ensinando-lhes a obedecer a todas as coisas que vos ordenei; e eu estou convosco todos os dias, até o final dos tempos” (Mt 28.19,20).
Podemos também ver essa Grande Comissão como uma Grande Comissão Pastoral. Pois, enquanto todos os cristãos têm de dar testemunho de sua vida em Cristo, pastores têm o privilégio e a responsabilidade especiais de batizar e ensinar discípulos.[5] A Grande Comissão Pastoral consiste em formar uma nação santa com pessoas de muitas nações (1Pe 2.9; cf. Êx 19.6). Ou, para usar uma imagem relacionada, a igreja é uma embaixada escatológica, “uma instituição que representa uma nação [i.e., o reino de Deus] dentro de outra nação”.[6] Uma coisa é administrar instituições terrenas; outra bem diferente é administrar uma realidade escatológica. É exatamente por isso que os pastores precisam ser teólogos.
Pastores são teólogos públicos porque trabalham em nome de Deus com pessoas (uma assembleia reunida como público escatológico [de outro mundo] em meio a um público secular [deste mundo]). A vocação particular do pastor- teólogo é edificar cristãos em Cristo: “E ele designou uns como apóstolos, outros como profetas, outros como evangelistas, e ainda outros como pastores e mestres, tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos para a obra do ministério e para a edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4.11-13).
Por fim, pastores existem para edificar pessoas em Cristo. Aliás, tudo o que acontece na igreja deve servir para a edificação. “Edificar” é construir (Rm 14.19; 1Co 14.3,12; 2Co 10.8; 12.19; Ef 4.12,29). O Novo Testamento utiliza duas imagens diferentes para a edificação: uma é orgânica e a outra, inorgânica. A imagem orgânica diz respeito a cultivar coisas vivas (e.g., plantações em um campo). Jesus instrui Pedro: “Alimente as minhas ovelhas” (Jo 21.17, ESV). Aqui o crescimento envolve nutrição e cuidado, a ministração do leite da palavra de Deus e, em seguida, da carne e das batatas (i.e., o “alimento sólido”, Hb 5.14). A imagem inorgânica é a de um prédio. Paulo menciona as duas imagens uma ao lado da outra em 1Coríntios 3.9: “Vocês são o campo de Deus, o edifício de Deus” (ESV). A ideia central é que pastores-teólogos são basicamente lavradores de igreja, construtores de igreja — sendo que a palavra “igreja” não se refere literalmente a um edifício, mas a uma construção feita de pessoas.
Notas
[1] Thomas C. Oden, Pastoral theology: essentials of ministry (New York: HarperOne, 1983), p. 313.
[2] Andrew Purves faz a seguinte observação ao parafrasear Atanásio: “O ministério que não é assumido por Jesus Cristo é um ministério que não é curado, mas definha no orgulho de nossas próprias tentativas de alcançar o céu” (Purves, Reconstructing pastoral theology: a Christological foundation [Louisville: Westminster John Knox, 2004], p. ix).
[3] 3Ibidem, p. xxiii.
[4] Purves utiliza termos semelhantes para revelar o que é/está em Cristo. Ele examina um ministério quádruplo que se origina da união com Cristo: um ministério da palavra, da graça, da presença e do reinado de Deus (Reconstructing pastoral theology, parte 2).
[5] No Novo Testamento, as categorias de liderança da igreja são, em certa medida, flexíveis. É privilégio e responsabilidade de todos os presbíteros da igreja, e não apenas dos pastores, ajudar os membros da igreja a crescerem na maturidade cristã (Ef 4.11-13). Para uma análise sobre os presbíteros da igreja, veja Jeramie Rinne, Church elders: how to shepherd God’s people like Jesus (Wheaton: Crossway, 2014).
[6] Jonathan Leeman, Church membership: how the world knows who represents Jesus (Wheaton: Crossway, 2012), p. 27.
Trecho extraído da obra “A Trindade, as Escrituras e a função do teólogo“ de Kevin Vanhoozer, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2016, p. 181-184.
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