A morte de Eros | Mark Regnerus

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"O Sono de Cupido" (Caravaggio, 1608)

Há algo de estranho acontecendo nas camas americanas. Numa edição recente da Archives of Sexual Behavior, pesquisadores relataram que os americanos, em média, fazem sexo nove vezes menos por ano do que no final dos anos 90. Essa tendência é ainda mais clara entre os jovens. Considerando variáveis de idade e período, as pessoas nascidas nos anos 30 são as que mais fizeram sexo, ao passo que as nascidas na década de 90 são as que estão fazendo menos sexo de acordo com seus relatos. Cinquenta anos depois do advento da revolução sexual, nós testemunhamos o declínio de Eros.

Apesar de toda a cultura de “sexo casual”, a maior parte do sexo ocorre em relacionamentos bem definidos e de longa data. No entanto, os americanos estão tendo mais dificuldades para se envolver nesse tipo de relacionamento do que nunca antes. Se você quiser entender o declínio do sexo, observe o declínio do casamento. Já em 2000, a maioria – 55 porcento – dos americanos entre os vinte e cinco e trinta e quatro anos estavam casados, em comparação com apenas 34 porcento que nunca haviam se casado (veja a Imagem 1). Desde então, os dois grupos trocaram posições. Em 2014, 52 porcento dos americanos naquela idade nunca haviam se casado, ao passo que apenas 41 porcento estavam casados. Os jovens americanos hoje estão mais propensos a experimentar e expressar paixão por uma atividade, causa ou tópico do que por uma outra pessoa.

Imagem 1.

O declínio no compromisso não é a única razão para a recessão sexual. Hoje um em cada oito adultos americanos toma medicação antidepressiva e um dos efeitos colaterais comuns disso é a redução da libido. O uso das mídias sociais também parece exercer um papel nisso. O aviso de uma mensagem de texto ou de um novo post no Facebook entrega um pequeno pico de dopamina – um pico menor do que o oferecido pelo sexo, certamente, mas sem todas as dificuldades de se lidar com um relacionamento. Num estudo com americanos casados entre as idades de dezoito a trinta e nove anos, o uso das mídias sociais previu uma inferior qualidade do casamento, menor felicidade matrimonial e aumento de problemas matrimoniais – o que não é lá uma receita para uma vida de amor ativa.

Se essas fossem as únicas causas, a solução seria evidente: um tanto mais de compromisso, um pouco menos de tempo frente ao monitor, mais namoro após o jantar, mais tempo no terapeuta e voilà. Mas se nós seguirmos os dados, descobriremos que o problema vai muito mais além e chega a um dos princípios fundacionais da opinião esclarecida: a ideia de que homens e mulheres devem ser iguais em todas as áreas. A ciência social não pode nos dizer se isso é verdade, mas ela pode nos dizer o que acontece quando agimos como se fosse. Hoje os resultados chegaram. A igualdade entre os sexos está levando ao declínio do sexo.

Para se entender por que isso acontece, precisamos recorrer a Gary Becker, um economista que ganhou o Prêmio Nobel por seu estudo dos princípios econômicos por trás das interações humanas. Ele documentou como os benefícios do casamento regrediram em razão do aumento do poder aquisitivo das mulheres em relação aos homens. Os anos entre 1973 e 1983 foram decisivos. Nessa década, os salários das mulheres jovens subiram constantemente ao passo que os dos homens diminuíram e nunca mais se recuperaram. Assim, as mulheres passaram a ter menos motivos para se casar e tinham menos parceiros atraentes caso, ainda assim, decidissem por fazê-lo. Embora as mulheres frequentemente casassem por motivos financeiros, muitos benefícios não-financeiros também se seguiam, incluindo a formação de um relacionamento íntimo e estável com um cônjuge e o sentido de propósito associado à construção de uma família. Tais coisas, nenhum trabalho, por mais lucrativo que seja, pode oferecer.

A introdução da pílula não mudou aquilo que os homens e mulheres mais valorizam, mas transformou o modo que eles se relacionam. O mercado matrimonial antes da pílula era preenchido por um número aproximadamente igual de homens e mulheres, cujas posições de barganha eram comparáveis e previsíveis. Os homens valorizam mais a beleza do que as mulheres; e as mulheres valorizam a perspectiva econômica mais do que o homem. Sabendo que os homens queriam sexo, mas cientes de que o sexo era arriscado sem o correspondente compromisso, as mulheres frequentemente exigiam um anel – um sinal claro de seu sacrifício e compromisso.

Agora não mais. A contracepção artificial fez com que as pessoas raramente mencionassem o casamento nas negociações sobre sexo. Ideais de castidade que sustentaram essas necessidades práticas foram substituídas por odes ao amor livre e à autonomia. Como disse uma mulher de 29 anos quando minha equipe de pesquisa lhe perguntou se os homens deveriam “trabalhar” pelo sexo: “Sim. Às vezes. Nem sempre. Quer dizer, eu não acho que deveriam oferecer necessariamente, mas eu acho normal se uma mulher quiser oferecer. Mas não o tempo todo.” O mercado de relacionamento não leva mais ao casamento, que ainda é “oneroso” – custoso em questão de fidelidade, tempo e financeiramente – ao passo que o sexo se tornou comparativamente barato.

Para cada cem mulheres com menos de 40 anos que querem se casar, existem apenas 82 homens que querem o mesmo. Embora a diferença possa parecer pequena, ela permite que os homens sejam mais seletivos, inconstantes e cautelosos. Se lhe parece que os jovens estão se tornando mais exigentes sobre suas futuras esposas, você está certo. Isso é o resultado de um desequilíbrio no mercado de casamento. Numa época de sexo acessível, sobe a idade média em que as pessoas casam. Hoje a média está numa alta histórica de 27 anos para as mulheres e 29 para os homens e continua sua tendência de alta. Nesse contexto, as mulheres cada vez mais precisam escolher entre se contentar com alguém inferior ao desejado ou permanecerem solteiras.

Para a mulher americana típica, o caminho até o altar tem se tornado repleto de relacionamentos fracassados e anos perdidos. Vejamos o exemplo de Nina, uma mulher de 25 anos que minha equipe entrevistou em Denver. Delicada, atraente e bem-sucedida profissionalmente em uma companhia de seguros. No entanto, Nina enfrentava problemas no que tange aos seus relacionamentos. Ela tinha um histórico de colocar os homens que ela valorizava como confidentes na “friend zone”. Com esses homens, um relacionamento sexual parecia muito arriscado. Se desse errado, ela perderia não somente um parceiro potencial, mas também um valioso amigo. Por outro lado, se ela não conhecesse o homem bem, ela estava disposta a ter sexo casual à espera de algo a mais.

Depois de vários anos, essa postura custou um preço: um aborto, depressão e uma série de relacionamentos fracassados. Agora Nina acredita que um casamento deve começar como uma amizade e, pela primeira vez em anos, ela tinha alguém específico – David – em mente. Apesar de ter sido ensinada por pais liberais a ser mente aberta em relação ao sexo e reticente quanto aos papéis tradicionais do lar, ela passou a entender as coisas de modo diferente. Ela estava convicta: “Falo sério… Eu casaria com ele, eu cuidaria de seus filhos e de sua família”.

Em seu livro Hard to Get, escrito em 2013, Leslie Bell, socióloga e psicoterapeuta, tenta entender a vida de mulheres como Nina. Ela lamenta que as habilidades que elas desenvolveram “no progresso educacional e profissional não se traduziram no sucesso de seus objetivos e necessidades no sexo e nos relacionamentos”. No que diz respeito aos relacionamentos, as suas “liberdades sexual, educacional e profissional sem precedentes” resultaram em “consequências contraditórias e paradoxais”.

Nonsense, eu diria. A única coisa contraditória e paradoxal aqui é a expectativa irrealista de muitos de que a independência financeira das mulheres teria efeitos inteiramente positivos na dança dos sexos. Mulheres e homens ainda querem uns aos outros, mas as antigas necessidades que outrora lhes unia desapareceram. Ao que parece, muitos estão se satisfazendo solitariamente. Desde 1992, houve um aumento de 100 porcento no número de homens e aproximadamente 275 porcento no número de mulheres que se masturbam ao menos semanalmente.

Mesmo os casados têm tido problemas na cama. De acordo com o estudo, a frequência sexual dos casados caiu 19 porcento de 2000 a 2014. Pode-se perceber um declínio ainda mais abrupto nas informações recém lançadas de 2016. Também não são só os casados; os americanos em coabitação também relatam diminuição na atividade sexual. Em seu importante estudo de 1994 sobre sexualidade, o sociólogo Edward Laumann, da Universidade de Chicago, e seus colaboradores relataram que 1.3% dos homens casados e 2.6% das mulheres casadas entre as idades de 18 e 59 anos não fizeram sexo no último ano. Vinte anos depois, 4.9% dos homens casados e 6.5% das mulheres casadas naquela mesma faixa etária relataram haver mais de um ano desde a última vez que fizeram sexo com seus cônjuges. Como podemos explicar isso?

Nisso também a igualdade é inimiga de Eros. As diferenças entre o trabalho dos homens e o das mulheres – entre o provedor e a dona de casa, pai e mãe – são cada vez mais vistas como arbitrárias e opressoras. Ainda assim, essa perda das oposições cotidianas entre os homens e as mulheres tem tornado os americanos menos, não mais, atraentes uns aos outros. Não era para ser assim. Alguns sociólogos conjeturavam – ou talvez esperavam – que homens dispostos a tomar para si tarefas tradicionalmente atribuídas às mulheres teriam vidas sexuais mais ativas com suas esposas – quid na cozinha pelo quo no quarto. Os autores de uma análise recente da National Survey of Families and Households [Pesquisa Nacional de Famílias e Lares] conjeturaram que as mulheres usariam a promessa de sexo para convencer os homens a realizar mais tarefas domésticas. Apesar da forma transacional de enquadrar o problema, os pesquisadores fomentaram uma esperança ingênua: que relacionamentos mais igualitários também seriam os mais eróticos. Então, os homens que compartilham de uma parcela maior dos afazeres domésticos fazem mais sexo? Não. Na verdade, eles são penalizados na cama. Maridos que realizam poucas ou nenhuma tarefa doméstica faziam sexo com suas esposas aproximadamente duas vezes mais por mês do que maridos que faziam todo trabalho doméstico. Enquanto isso, a realização de uma maior parte das tarefas tradicionalmente masculinas na casa – cortar a grama, consertar coisas – está correlacionada com mais sexo. Homens e mulheres não são atraídos pela similaridade, mas pela diferença. Nós ansiamos por aquilo que falta em nós. A necessidade mútua resulta em desejo mútuo.

Todavia, o reconhecimento disso não resolve todos os problemas entre homens e mulheres. O sexo barato que foi possibilitado pela pílula, rebaixado pela pornografia e tornado mais eficiente pelo Tinder provou-se um mau negócio para as mulheres, deixando-as (e, por conseguinte, os homens) mais solitárias e menos interligadas do que outrora. Vejo nas estatísticas e ouço suas histórias.

“Igualdade”, escreve a socióloga israelense Eva Illouz em seu livro de 2011, Why Love Hurts [Por que o amor machuca], “exige uma redefinição do eroticismo e do desejo romântico que ainda não foi alcançada”. De fato. O igualitarismo prometeu o florescimento de Eros, mas ao abolir a diferença entre os sexos, ele tornou os atos sexuais autorreferentes – mesmo aqueles que não são realizados solitariamente. Homens e mulheres não são intermutáveis e nossos esforços por fazê-los somente aumentou a solidão e a desafeição da vida americana. Não podemos ao mesmo tempo ter Eros e a igualdade estrita entre os sexos. Salvar um implica o sacrifício do outro.

Traduzido por Vitor Grando e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original: The Death of Eros. First Things.

Mark Regnerus é professor associado de sociologia na Universidade do Texas em Austin, senior fellow no Instituto Austin, e autor de “Cheap Sex: The Transformation of Men, Marriage, and Monogamy”.

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