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Embora eu tenha desfrutado de uma carreira de 50 anos expondo razões para a fé, sempre tive um profundo senso da “incompreensibilidade de Deus”. Não importa quão claros nossos conceitos e quão convincentes sejam nossos argumentos, Deus é, no final das contas, um ser transcendente, acima e além de nós, alguém que não podemos dominar nem pela força física nem pela habilidade mental. É importante também a sua imanência, o seu ingresso na história para se revelar e nos redimir em Cristo. Mas, mesmo em sua proximidade mais íntima, ele continua sendo Deus.

como Deus, seu conhecimento – mesmo das coisas mais familiares para nós – é muito diferente do nosso. Ele e eu conhecemos a palmeira sagu no meu jardim da frente, mas ele sabe muito mais sobre ela do que eu poderia imaginar. Ele o conhece como seu Criador, como aquele que fez todo o universo e preordenou sua história (Efésios 1.11), como aquele que planejou desde o início o processo pelo qual aquele sagu cresceria no meu quintal. Além disso, seu conhecimento é normativo, um conhecimento que governa como todas as suas criaturas devem pensar sobre tudo. Tendo em vista que Deus é o Rei supremo, ele tem o direito de me dizer e de me mostrar o que devo pensar daquele sagu.

Com o conhecimento do Criador, Deus sabe tudo sobre meu sagu; com o conhecimento da criatura, sei tudo o que ele escolher me informar. Quando aprendo algo novo sobre meu sagu, estou aprendendo de Deus, de acordo com seus padrões.

Certamente há uma forte semelhança, uma forte analogia, entre o conhecimento de Deus e o meu, porque procuro saber de acordo com sua revelação. Ele ordenou assim. Mas eu não conheço nada como sendo o padrão final de verdade com relação a esse objeto. Meu conhecimento não é idêntico ao de Deus, porque não sou Deus.

Tudo isso implica que existe uma dimensão profunda de mistério no universo. Deus diz a Isaías que o homem mau deve “abandonar seus pensamentos”, porque

“os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos são os meus caminhos, diz o SENHOR. Porque, assim como o céu é mais alto do que a terra, os meus caminhos são mais altos que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos que os vossos pensamentos.” (Isaías 55.8-9)

Portanto, não importa o quanto saibamos, sempre haverá algo além de nós. Não podemos conhecer a Deus como Deus conhece a si mesmo. Nem podemos conhecer nada na criação como Deus conhece. Não podemos nem nos conhecer como Deus nos conhece. Nosso conhecimento é adequado para servir a Deus como ele deseja, e nossa ignorância nunca é desculpa para a desobediência. Mas nosso conhecimento nunca é exaustivo.

A humildade do mistério

Em meu estudo da história do pensamento, tenho visto muitos pensadores sofisticados lutarem com o mistério de Deus. Os antigos filósofos gregos tentaram alcançar um conhecimento final e exaustivo das coisas apenas por meio da razão humana, sem o auxílio da revelação divina. Mas o melhor que podiam fazer era conceber um “ser puro” do qual os seres inferiores de alguma forma emanavam. Eles sabiam que não poderiam atingir seu objetivo sem algo transcendente, mas não conseguiam entender como um ser puro poderia conter impureza suficiente para fazê-lo emanar seres impuros.

Pensadores mais recentes tentaram uma abordagem diferente, antecipada pelos atomistas gregos. Eles tentaram chegar a uma explicação racional abrangente do mundo dividindo o mundo em pedaços cada vez menores: moléculas, átomos, partículas subatômicas, talvez “supercordas”. Mas as menores partículas que eles afirmam existir não podem ser a explicação final de tudo, pois não podem ser compreendidas exceto por referência às coisas maiores. (“Átomo” não tem sentido, exceto como um componente de algo maior; ainda mais, “supercordas”.)

Hoje, alguns pensadores acreditam que o mundo é em grande parte feito de “matéria escura” e “energia escura”. Mas essas, por definição, são realidades que não conhecemos, pois são escuras. Isso quer dizer que, apesar de todos os nossos sofisticados esquemas filosóficos e científicos, a realidade mais fundamental do mundo é desconhecida para nós.

O mesmo se aplica à teologia. Nós “vemos apenas um pobre reflexo no espelho” (1Coríntios 13.12). Na teologia, procuramos tomar as Escrituras – a revelação de Deus sobre si mesmo – e aplicá-las em nossas vidas no mundo. Na melhor das hipóteses, isso é “sabedoria” (Provérbios 1.7). Sabedoria é um conhecimento prático que Deus nos dá para nos ajudar a realizar o trabalho que ele nos designa. Mas precisamos superar a ideia de que a teologia elimina todo o mistério do mundo.

À medida que envelheço, fico cada vez menos impressionado com as pessoas, incluindo teólogos, que acham que sabem tudo. Os teólogos prontamente confessam a incompreensibilidade de Deus como um ponto doutrinário, mas frequentemente deixam isso de lado e escrevem como se tivessem um conhecimento último e final que pertence somente a Deus.

Na teologia conservadora, os escritores tendem a confessar o mistério, mas em seguida passam a explicar meticulosamente coisas como a ordem dos decretos de Deus e as atividades internas das pessoas da Trindade, sem qualquer base bíblica clara.

Os escritores liberais dizem que os teólogos conservadores afirmam ter muito conhecimento do Deus misterioso, mas em seguida explicam em detalhes quais programas de governo Deus exige de nós para ajudar os necessitados – novamente, sem base bíblica.

Aos 80 anos, vejo os dois tipos de teologia com tristeza e divertimento. Deus não está aqui para motivar nossa busca racionalista. Deus é Senhor do céu e da terra. Ele vem para nos levar ao arrependimento do pecado e abraçar a Jesus Cristo como Senhor e Salvador.

Traduzido por Jonathan Silveira.

Texto original: John Frame: At 80, I’m More Aware of Mystery. The Gospel Coalition.

John Frame é um filósofo e teólogo calvinista, especialmente conhecido por seu trabalho nas áreas de epistemologia e apologética pressuposicionalista, teologia sistemática e ética. É considerado como um dos principais estudiosos das obras de Cornelius Van Til.
Inteligência humilhada é fruto de uma cuidadosa reflexão sobre como se relacionam o conhecimento de Deus e os limites da razão humana. Além disso, é o resgate de uma tradição do pensamento cristão que sempre se recusou a reduzir o debate entre fé e razão nos termos do racionalismo ou do fideísmo. A finalidade do conceito de “inteligência humilhada” é despertar o interesse por uma razão que ora e uma fé que pensa.

Seguindo o conselho de João de Salisbúria, Jonas Madureira subiu nos ombros de cinco gigantes da tradição cristã: Agostinho de Hipona, Anselmo da Cantuária, João Calvino, Blaise Pascal e Herman Dooyeweerd. Todos eles serviram de ponto de partida e fundamentação do conceito. Ao longo deste livro, essas cinco vozes, sobretudo a de Agostinho, são ouvidas nos mais diversos assuntos: teologia propriamente dita, revelação natural, problema do mal, gramática da antropologia bíblica, formação de um teólogo entre outros.

Publicado por Vida Nova.

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