Primeiro de janeiro é a data inicial para uma resolução de Ano Novo. Dezembro é o mês para começar a fazer planos para essas resoluções. Talvez a resolução mais comum que cristãos fazem é ler a Bíblia em um ano.
Mas essa resolução se depara com um grande desafio já no início: Levítico. Ou o leitor desiste de sua resolução neste ponto (“vamos pular isso para algo obviamente mais relevante”) ou ele segue obstinadamente sem esperar muito benefício, e muito menos prazer (“se eu posso simplesmente passar por sobre este livro, deve haver algo mais interessante”). Qual o benefício de ler Levítico ou o motivo que me leve a estudá-lo?
Em outubro, Jay Sklar, que recentemente publicou um comentário sobre o livro, refletiu sobre algumas coisas que ele aprendeu ao passar dez anos estudando Levítico. Sklar diz que seu estudo o levou a uma grande fome pela santidade de Deus, temor a Deus, amor a Jesus e amor ao próximo. Ocorreu-me, lendo seu ensaio, que ainda havia mais benefícios a serem obtidos com o estudo de Levítico.
(1) Quanto melhor você conhece Levítico, mais você reconhece o quanto o restante das Escrituras pressupõe que você conhece e compreende Levítico. De onde o Concílio de Jerusalém, em Atos 15, retira as quatro coisas que eles instruem os crentes gentios a evitar? De Levítico, onde as únicas leis que explicitamente se aplicam aos residentes gentios se referem às ofertas aos ídolos (17:1-9), sangue (17:10-12), carne sufocada (17:13-14 – “ele deve derramar o sangue” requer derramamento de sangue e não estrangulamento) e imoralidade sexual (18).
Da mesma forma, apenas se você conhece Levítico, onde a “lepra” (Levítico 13-14) é seguida do fluxo corporal (Levítico 15), você notará que as duas purificações (contrapostas às curas) no Evangelho de Marcos seguem a mesma ordem: primeiro, um leproso (Marcos 1:40-45) e depois uma mulher com fluxo de sague (Marcos 5:23-24).
(2) Estudar Levítico faz você perceber o quão estranho Levítico – e, por extensão, toda a Bíblia – realmente é. Deus exigiu que Israel se aproximasse dele por meio de ofertas – o que é evidente – mas os detalhes das ofertas levantam questões. Por que isso aqui e aquilo lá? Por que os sacerdotes tiram a pele? Qual o significado do lado norte do altar?
Depois há listas de animais imundos. Para alguns de nós, desistir de bacon e camarão seria uma dificuldade, mas um israelita não teria tido mais desejo de comer essas coisas do que você teria de comer gato. No entanto, essas leis são estranhas: gentios piedosos não estão obrigados por essas leis, nem qualquer pessoa antes do Êxodo. O que torna um animal “limpo” e outro “impuro”? Por que cascos? Por que ruminantes?
Há dois capítulos sobre algo que nossas traduções chamam de “lepra”, embora isso não seja o que nós chamamos de lepra hoje, seguido de um capítulo sobre fluxos corporais. James Jordan disse que você não pode ir muito longe em sua leitura da Bíblia sem entrar no insólito e, em nenhum lugar, isso é mais verdadeiro do que em Levítico.
Um israelita não precisava entender estas exigências, ele simplesmente tinha de obedecer e essa obediência não era difícil. Neste sentido, Levítico continha leis para crianças, não para adultos. Era lei para sacerdotes, servos do palácio de Deus que ouvem e obedecem, não para reis, cuja glória é sondar o que foi encoberto da glória de Deus (Provérbios 25:2).
Mas meditar nessas leis é exatamente como Deus quis que seu povo crescesse em maturidade e sabedoria e é precisamente a estranheza das leis (por que esses detalhes? o que é isso tudo?) que desencadeia uma meditação, induzindo a sabedoria. Nenhum israelita consideraria vestir uma roupa feita de lã e linho… somente os sacerdotes vestiam. Na verdade, todos os israelitas possuíam algo com essa mescla, o bordão azul de lã de quatro cantos de sua roupa de linho (Deuteronômio 22:11-12). Por que a proibição geral juntamente com essas exceções?
Para descobrir a resposta, temos que saber sobre lã e linho, sobre tecidos de origem animal e tecidos de origem vegetal, sobre a cor azul, sobre o número quatro, sobre a santidade sacerdotal, sobre… bem, sobre simbolismo. É o simbolismo, acima de tudo, que torna Levítico estranho para nós e há simbolismo em todo lugar. Para entender Levítico, você precisa descobrir como o simbolismo funciona, o que certas coisas significam. Esta é a busca que o leva ao resto das Escrituras. Para descobrir o significado de sete, por exemplo, você deve voltar a Gênesis 1. Mas também é uma busca que tem uma rica recompensa, porque quanto mais você lutar com o simbolismo em Levítico, mais você vê para que o mesmo simbolismo aponta, de forma consistente, através das Escrituras.
(3) Estudar Levítico nos ajuda a entender melhor a pessoa e obra de Cristo, e isso não ocorre apesar de, mas por causa desses detalhes estranhos. Um comentário em Levítico que simplesmente nos diz que a morte de Cristo é o sacrifício que cumpre todas as ofertas da Antiga Aliança apenas arranhou a superfície. As ofertas são todas diferentes entre si e cada um desses detalhes diferentes lança luz sobre quem é Jesus e o que ele fez. Da mesma forma, apenas se entendermos o simbolismo da “lepra” e dos fluxos corporais entenderemos o que a purificação de Jesus do leproso e da mulher com fluxo de sangue nos dizem sobre ele.
(4) Estudar Levítico nos ajuda a entender o que significava Israel ser uma nação sacerdotal no mundo com o Senhor habitando no meio dela. Antes de Levítico, nenhuma das leis de pureza/impureza era aplicada. Abraão não estava proibido de comer carne de porco e nem Moisés, mas, de repente, as leis dietéticas tiveram início. A esposa de Moisés não estava impura após dar à luz a Gérson, mas, de repente, o parto tornou as mulheres israelitas impuras.
Quando ocorreu a transição? No Sinai, quando o tabernáculo foi completado. Os primeiros capítulos de Levítico se sobrepõem aos eventos no final de Êxodo. Arão e seus filhos são ordenados e apresentam as primeiras ofertas (Levítico 8-9), Yahweh habita no tabernáculo em sua glória (9:23-24) e o que se segue são as leis dietéticas e outas leis relativas à pureza e impureza.
A impureza tem a ver com a morte e, ao ler Levítico, começamos a ver como a presença de Deus no meio de Israel colocou Israel debaixo da morte. Ser a nação sacerdotal, o povo que tinha Deus em seu meio e que tinha acesso especial a ele era um grande privilégio e um alto chamado, mas esse chamado incluía a morte, estar sob a morte, a fim de trazer a bênção às nações.
Levítico, então, nos clarifica como Israel se distingue dos gentios e para que propósito. Apenas dois capítulos em Levítico contêm leis que se aplicam explicitamente aos residentes gentios. Mesmo os gentios piedosos parecem não se tornar impuros quando tocam num cadáver ou dão à luz e nem se submetem às leis dietéticas. Levítico é o muro de separação que é removido em Cristo e, assim, ler Levítico nos ajuda a entender como Cristo suportou a morte – cumprindo o chamado de Israel – de modo que agora o muro de separação se foi e judeus e gentios são um corpo nele.
(5) Levítico está cheio de rituais – faça primeiro isso, então aquilo, coloque isso aqui e aquilo lá – e meditar neles pode nos ajudar a entender como os ritos e as crenças fundamentais permanecem juntas. Rituais que são repetidos exaustivamente penetram na psique das pessoas, eles afetam seus pensamentos e permanecem mais do que apenas palavras.
Nas palavras de Arthur Kay (sua correspondência pessoal): “Levítico, de modo especial, proveu o culto no qual a cultura do povo escolhido floresceu – os hábitos e rituais que produzem uma mentalidade apropriadamente conectada para compreender e viver de acordo com as leis de Deus, tanto em sua morada especial quanto no mundo de modo mais amplo que é também, em um sentido geral, a casa de Deus”.
Agora que Jesus chegou já não oferecemos cordeiros e cabras. Sua vida, morte e ressurreição mudaram as coisas. Mas se Deus ama rituais – como Levítico sugere que ele ama – então devemos aprender aqui com os rituais sobre como devemos nos aproximar de Deus.
Longe de ser irrelevante – uma extensão de estrada ruim para percorrer antes que você possa apreciar a Bíblia novamente – Levítico é fundamental para tudo o que se segue, a fonte do simbolismo que o resto da Escritura emprega consistentemente, o muro de separação temporário que nos mostra as riquezas que temos agora em Cristo e que a separação se foi, a revelação de Jesus chamado a ser Israel ao suportar a morte e a fonte da qual continuamos a aprender de que maneira viver como povo de Deus em Cristo.
Este ano, talvez a decisão do seu Ano Novo possa incluir a determinação de aproveitar Levítico com toda sua estranheza, deixá-la despertar sua curiosidade e impulsioná-lo a continuar perguntando: “o que é isso?”. Essas perguntas são como você se torna um rei que compreende não apenas Levítico, mas também o restante das Escrituras.
Traduzido por Tiago Alexandre da Silva e revisado por Jonathan Silveira.
Texto original: Learning to Love Leviticus. Theopolis Institute.
John Barach é colaborador do site Theopolis Institute e pastor da Covenant Presbyterian Church em Sulphur, Louisiana. |
1 Comments
Excelente!