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Credenciais não significam competência

Antes de tornar-me pastor, preguei muitas vezes sobre 1Coríntios 13, texto famoso por decorar as casas em quadros de ponto cruz. Assim que comecei a pastorear o rebanho local, as palavras de Paulo se tornaram uma das passagens mais desconcertantes de toda a Bíblia para mim. Por quê? Sua interpretação não é difícil e aí jaz o problema: torna-se difícil porque é mais fácil ser ortodoxo que amoroso. E o conhecimento incha. Como alguém que aprecia o estudo da teologia e história eclesiástica, essa expressão parece ter sido inventada sob medida para mim. Digo isso porque, se Deus me concedesse um único desejo à la teologia da prosperidade, eu seria tentado a escolher “todo o conhecimento” em vez de “aperfeiçoamento em santidade”.

Cada hora passada no seminário deliciava minha alma. Recebi muito conhecimento e, como projetado para ser, fui preparado para continuar adquirindo instrução. Contudo, logo percebi que nem o domínio de grego e hebraico, nem minhas leituras sobre os puritanos evitariam que eu explodisse diante de falsas acusações contra mim por um membro irado da igreja. Conhecimento não gera decisões sábias de liderança quando o diácono me diz que a igreja está quase falida.

Sim, meu conhecimento teológico me forneceu condições de tomar decisões sábias e me permitiu alimentar o rebanho com pasto saudável, mas a maturidade necessária para ser um pastor piedoso abaixo do supremo Pastor só pode proceder de dias, semanas, meses e anos de trabalho na vinha do Senhor. Não demorei muito para perceber que sou um homem em processo de santificação, assim como todos os que me ouvem pregar no dia do Senhor.

O amor supera o conhecimento

Logo percebi que as pessoas sob meus cuidados não estavam tão interessadas em minha ortodoxia, embora eu nunca pudesse comprometê-la. Elas realmente queriam saber se eu as amava. Tendo percebido que eu realmente me importava e as via como uma querida família em Cristo — e não como alvos de evangelismo ou discipulado — elas se mostravam muito mais dispostas a prestar atenção em minhas tentativas de expor a ortodoxia.

Havia apenas uma forma de firmar esse relacionamento: dedicar tempo a ele.

Lembro-me, em particular, de um homem irritadiço que não parecia gostar de mim — à primeira vista. Seguindo o exemplo de Richard Baxter, eu lhe fiz uma visita. Era verão e nós nos assentamos em sua varanda. Conversamos sobre nossos times de futebol americano prediletos de Auburn e da minha alma mater, Georgia. Eu o ouvi sobre Dale Earnhardt e também ouvi sua esposa, que relatou a participação da família dela na fundação de nossa igreja.

Em pouco tempo, o comportamento deles foi mudando em relação a mim. No dia em que deixei a igreja, ele me deu um abraço apertado e, por entre um rio de lágrimas, disse-me o quanto sua família amava a nossa e que sentiriam muito a nossa falta. E acrescentou que todos ficariam com saudade dos meus ensinamentos.

O amor nunca falha, e o amor supera o conhecimento.

O autor inspirado já me avisara disso: “Se eu tiver […] todo o conhecimento […] mas não tiver amor, não sou nada” (1Co 13.2). Se eu não amar meu povo, ele não dará importância a quanta conversa teológica vem do púlpito. As pessoas só me seguirão quando eu provar que as amo e posso ser confiável como professor maduro e pastor auxiliar.

No excelente livro, Dangerous calling, Paul David Tripp, pastor e professor de seminário experimentado, identifica uma síndrome binária que aflige com muita frequência o pastor inexperiente, mas seguro de si. Tripp apropriadamente rotula essa doença perigosa como uma combinação entre “cérebros teológicos gigantes e uma doença do coração”:

As consequências são ruins quando a maturidade é definida com mais propriedade pelo conhecimento que pelo ser. O perigo vem à tona quando se passa a amar mais as ideias que o Deus por elas representado e as pessoas que elas devem libertar.

[…] Eu gostaria que [os seminaristas] entendessem que não são chamados apenas para ensinar teologia a seu povo, mas também a praticar teologia com seu povo.[1]

Depois de apresentar sua longa ascendência biológica, teológica e experimental, o apóstolo concluiu quase do mesmo modo: “Tenho motivo para confiar na carne, mas qualquer ganho que tive, contei como perda por causa de Cristo” (Fp 3.8). Do ponto de vista do mundo, Paulo tinha todos os ingredientes para servir como um pastor onicompetente, mas tudo era lixo se comparado a conhecer Cristo e demonstrar seu amor.

_______________________

[1] Paul David Tripp, Dangerous calling: confronting the unique challenges of pastoral ministry (Wheaton: Crossway, 2012, p. 42-3) [edição em português: Vocação perigosa: confrontando os desafios singulares do chamado pastoral (São Paulo: Cultura Cristã, 2015)].

Trecho extraído da obra “15 coisas que o seminário não pôde me ensinar“, Editores: Collin Hansen e Jeff Robinson, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2020, pp. 16-19. Traduzido por Rogério Portella. Publicado no site Tuporém com permissão.

Jeff Robinson (PhD, Southern Baptist Theological Seminary) é editor sênior do Gospel Coalition, pastor da igreja Christ Fellowship Church, em Louisville, e professor de História da Igreja no Southern Baptist Theological Seminary. Também é coautor do livro "To the ends of the earth".
A educação formal em um seminário é imensamente valiosa: oferece preparação teológica, formação espiritual e orientação para a vida. Contudo, muitos pastores recém-formados se sentem desencorajados quando as realidades do seu chamado não condizem com a expectativa gerada pelas leituras e debates em sala de aula.

Neste livro, pastores e líderes experientes de ministério cobrem essa lacuna entre o seminário e o trabalho na igreja, oferecendo conselhos e encorajamento relacionados a uma série de questões do mundo real: como liderar congregações em meio a períodos de sofrimento, lidar com conflitos, aceitar o chamado, deixar a igreja e muitas outras.

Publicado por Vida Nova.

3 Comments

  1. Enéias disse:

    Ótima reflexão. Em tempos de hipervalorização do conhecimento em detrimento aos relacionamentos, um chamado ao equilibrio é fundamental. Parabéns pela publicação do texto.

  2. Ester Andrade disse:

    Eu estava procurando uma explicação de 1 Coríntios 13, essa foi a mais esclarecedora que encontrei, obrigada.

  3. Daniel C. Silva disse:

    Não há dúvidas que o texto denota uma grande verdade. Stanley Grenz e Roger Olson, na obra “iniciação à teologia”, denotam o perigo existente no academicismo. Quando se enobrece o saber mais que o ser. Costumo dizer que não se conhece a Deus pelas janelas da teologia e sim pelos largos portões da oração. É melhor conhecer a Deus do que apenas saber acerca Dele. E quando o conhecemos pessoalmente, pela comunhão, somos levados ao estudo de sua vontade, poder, atuação. No entanto, dominando o saber, e não sendo dominado por ele.

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