História de um Casamento: uma reflexão necessária sobre relacionamentos | Josué Reichow

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Na semana passada minha esposa e eu sentamos para assistir o filme História de um Casamento (Marriage Story), dirigido por Noah Baumbach e estrelado por Adam Driver (Charlie) e Scarlett Johansson (Nicole). Como nosso filho tem 5 semanas de vida, começamos a assistir ao filme às 11h da manhã e acabamos às 10h da noite! Ou seja, nosso dia gravitou em torno (além do nosso bebê lindo, claro) do filme de Baumbach, o que nos permitiu ruminá-lo bastante. Sei, todavia, que preciso assisti-lo novamente, mas, devido a algumas conversas que já tive por aí e pela grande repercussão que o filme gerou, resolvi escrever e compartilhar algumas impressões. Se você ainda não assistiu, fique tranquilo: Marriage Story é o tipo de artefato cinematográfico (quase) impossível de dar spoiler, pois as camadas de significado não encontram seu sentido exclusivo no gran finale, mas em seu desenvolvimento, mais ou menos como assistir algo de Terrence Malick ou Andrei Tarkovski.

A trama segue o relacionamento entre Charlie e Nicole e o processo de separação e divórcio que se segue. Ele, diretor de teatro, e ela, atriz, tem um filho (6 anos?) e uma vida agitada em Nova York dividida entre trabalho, criação do filho e visitas à família dela em Los Angeles. O filme começa com uma sessão desastrada de terapia de casais, cujo objetivo seria consolidar uma separação amigável e tranquila. O desenrolar da obra segue os inúmeros níveis relacionais que vão sendo paulatinamente desconstruídos entre o casal e, consequentemente, entre a família, principalmente via a judicialização da relação entre Charlie e Nicole – ponto que analisarei com mais atenção mais adiante –, e caminha nos conduzindo pelos cantos obscuros e complexos dos relacionamentos humanos, fazendo do filme uma obra pesada e indigesta ao gosto pipoca de nossa cultura contemporânea. Nesse sentido, se aproximar de História de um Casamento esperando entretenimento é um erro. A obra demanda engajamento ativo de nossos sentidos: imaginação, empatia, identificação, discernimento, sensibilidade, racionalidade.

Vivendo à sombra da queda

Ouvi algumas pessoas comentando que acharam a obra pessimista. Discordo, ainda que esteja aberto a ser convencido do contrário, entendendo que ele tem momentos pessimistas. Parece-me que Baumbach retrata o que é feio como feio, o que torna, em um sentido, a obra bela. História de um casamento é duro, porque ele é real. Ele exala um realismo profundo, que nos protege da idealização romântica, que tanto opera em produções culturais que expressam visões sobre o fim de um relacionamento. O filme não idealiza a quebra da relação, mas destrincha suas nefastas consequências, expondo a dor causada pelo ruir de um relacionamento, nesse caso do casamento. Nessa direção, tenho a impressão de que, em retratando o divórcio dessa maneira, o filme é, na verdade, uma celebração do casamento e dos relacionamentos de uma forma geral.

De igual modo, ele ressoa com um tema cristão central: o fato de vivermos à sombra da queda, em um mundo cujos relacionamentos são quebrados, pois refletem a quebra de nosso relacionamento primário com o Criador e com nosso próximo. Precisamos compreender a profundidade da nossa miséria a fim de compreendermos a profundidade de nossa redenção. É bem verdade que História de um Casamento não apresenta uma solução esperançosa para o problema da crise relacional experienciada por todos nós, mas ele faz pelos menos duas coisas que estão de acordo com a visão cristã de realidade: ele afirma a essência relacional do ser humano e seu realismo não parece ser permeado de cinismo.

Criados para relacionamentos (ou o significado de estar vivo)

Parece-me que a chave para entendermos a visão de relacionamentos de Baumbach é escancarada quando Charlie, depois de alguns goles de cerveja com amigos em um bar, canta a canção Being Alive (Estar Vivo) de Stephen Sondheim. Confira abaixo a cena do filme:

Ei-la, com minha tradução livre:

Alguém para me segurar excessivamente perto,

Alguém para me machucar profundamente,

Alguém para sentar na minha poltrona,

E que arruíne o meu dormir,

E que me faça consciente,

de estar vivo.

Alguém que precise demais de mim.

Alguém que me conheça bem demais.

Alguém que me repreenda,

e que me faça passar pelo inferno,

E que me dê suporte,

para estar vivo.

Alguém que me inunde de amor,

Alguém que me force a cuidar,

Alguém que me faça ir adiante,

Eu sempre estarei lá tão assustado quanto você pra nos ajudar a sobreviver,

Estar vivo, estar vivo, estar vivo….

Faça-me estar vivo.

Faça-me estar vivo.

Deixe-me confuso.

Zombe-me com louvor.

Deixe-me ser usado.

Dê variedade aos meus dias.

Mas sozinho,

é sozinho,

não vivo…

Essa é a cena central do filme, toda a narrativa se desenrola em torno dessa ideia central e fora dela não há sentido, não há vida, não se tem história para contar. Nela, o diretor, encarnado em Charlie cantando Sondheim, anuncia ao mundo que: apesar de dolorido, fomos feitos para relacionamentos! E, essa é uma marca indelével de nossa antropologia. Amar dói. Como não lembrar de Lewis, quando nos escreve em Os quatro amores:

 Amar é sempre ser vulnerável. Ame qualquer coisa e certamente seu coração vai doer e talvez se partir. Se quiser ter a certeza de mantê-lo intacto, você não deve entregá-lo a ninguém, nem mesmo a um animal. Envolva o cuidadosamente em seus hobbies e pequenos luxos, evite qualquer envolvimento, guarde-o na segurança do esquife de seu egoísmo. Mas nesse esquife – seguro, sem movimento, sem ar – ele vai mudar. Ele não vai se partir – vai tornar se indestrutível, impenetrável, irredimível. A alternativa a uma tragédia ou pelo menos ao risco de uma tragédia é a condenação. O único lugar além do céu onde se pode estar perfeitamente a salvo de todos os riscos e perturbações do amor é o inferno.

 Dessa forma, Charlie parece ter, nesse momento epifânico, a compreensão de que um coração partido não é razão para não se relacionar, mas parte da realidade de ser, de se estar vivo, à sombra da árvore do conhecimento do bem e do mal. E, ainda que o filme não vá tão longe assim, podemos afirmar que até que a árvore da vida esteja de volta no centro da realidade criada, experienciaremos relacionamento quebrados.

Confiança em sociedades complexas

Das inúmeras camadas que o filme nos apresenta, uma que pode ser destacada é a jornada de desconstrução da confiança entre Charlie e Nicole, via um processo tragicômico da judicialização da separação dos personagens, que vai aos poucos minando o relacionamento interpessoal por despersonalizá-lo e enquadrá-lo nas categorias jurídicas da batalha entre partes, retratado em dois advogados extremamente estereotipados como operadores pragmáticos do sistema judicial e que coagem o casal, num misto de terapia, coaching e aconselhamento, a tomar decisões que os dois jamais haviam pensado a respeito.

Parte dessa dimensão da obra de Baumbach se constitui em uma crítica à própria sociedade norte-americana, que tem paulatinamente perdido estruturas intermediárias de mediação entre indivíduos e relegado ao campo jurídico a resolução dos diversos conflitos, o que se manifesta no elevado número de processos judiciais que fazem parte daquela sociedade. O outro aspecto do qual faz parte essa dimensão é o que o sociólogo britânico Anthony Giddens chama de confiança em sistemas especializados. Para Giddens, na medida em que a modernidade avança, a confiança é deslocada do eixo relacional entre indivíduos – face a face – para os sistemas técnicos especializados e, na maioria das vezes, impessoal, o que torna o processo conciliatório mais difícil, com potencial de despersonalização e, portanto, de desumanização. Não se trata aqui de demonizar a esfera jurídica e outras esferas mediadoras, mas de chamar atenção para uma possível colonização de esferas, nesse caso a jurídica suplantando a familiar.

Dentro do cenário complexo do filme, quem acaba tendo a conversa mais humana com Charlie sobre todo o processo de separação é um advogado, sugerido pela sogra de Charlie, que acaba por representá-lo até certo ponto do processo, quando acaba dando lugar a um advogado mais experiente e caro. Em uma longa conversa em seu velho escritório, e, diante do beco sem saída da situação de Charlie e Nicole, ele sugere a ele o caminho da reconciliação e do perdão, narrando sua própria experiência de vida, em um raro momento buberiano de eu e tu.

Em suma, podemos dizer que História de um Casamento é um pequeno retrato da nossa condição humana, daquilo que somos, de nossa dor e de nossa espera. Ele nos lembra de coisas fundamentais, as quais estão de acordo com a fé cristã: fomos feitos para nos relacionar e, até que sejamos como Cristo, a dor será parte das nossas relações, mas não há outro caminho a ser trilhado. Ressalto, entretanto, que essa afirmação não é carta branca para relacionamentos abusivos e destrutivos, mas um lembrete de que mesmo os relacionamentos que mais nos fazem bem não são perfeitos.

Dessa forma, penso que artefatos como a obra de Baumbach são oportunidades maravilhosas para nós, cristãos, refletirmos sobre a nossa própria visão de mundo e sobre sua expressão no cotidiano de nossas sociedades. Parece-me que nossa atitude diante de qualquer produção cultural deveria ser menos a de um dualismo dentro/fora, cristã/não-cristã, e mais a de pontes com o sujeito contemporâneo que, como bem demonstrou o filme, está em absoluta crise relacional ao mesmo tempo em que anseia por aquilo que cremos que é design criacional e não mera convenção social.

Josué K. Reichow é mestre em Teologia pela Faculdades EST (2014), concentrando seus estudos em Teologia e História, com interface entre teologia e filosofia. É especialista em História da Filosofia pela UNISINOS (2013). É bacharel em Ciências Sociais, com ênfase em Sociologia pela UFPEL (2010). É obreiro no L’Abri Inglaterra com sua esposa Lili e autor do livro "Reformai a vossa mente: a filosofia cristã de Herman Dooyeweerd”.
Nunca houve um livro sobre o casamento como "O significado do casamento".

Este livro se baseia na muito aplaudida série de sermões pregados por Timothy Keller, autor best-seller do New York Times. O autor mostra a todos — cristãos, céticos, solteiros, casais casados há muito tempo e aos que estão prestes a noivar — a visão do que o casamento deve ser segundo a Bíblia.

Usando a Bíblia como seu guia, e com os comentários muito perspicazes de Kathy, sua esposa há 37 anos, Timothy Keller mostra que Deus criou o casamento para nos trazer para mais perto dele e para dar mais alegria à nossa vida. É um relacionamento glorioso, e é também o mais malcompreendido e misterioso dos relacionamentos. Caracterizado por uma compreensão clara e cristalina da Bíblia e por instruções significativas sobre como conduzir um casamento bem-sucedido, "O significado do casamento" é leitura essencial para qualquer pessoa que quer conhecer a Deus e amar mais profundamente nesta vida.

Publicado por Vida Nova.

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