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14/abr/2021Fred Rogers estreou seu programa de TV Mister Rogers’ Neighborhood exatamente 50 anos atrás, em 1968 — um dos anos mais traumáticos da história americana. Seu último programa foi ao ar em 2001, poucos dias antes dos ataques de 11 de setembro marcarem um trauma que definiria uma geração. Abrangendo três décadas de mudanças vertiginosas, marcado por tragédias que mudaram a cultura, o programa de Rogers criou uma espécie de espaço seguro televisivo onde as crianças podiam processar as dificuldades da vida (da morte ao divórcio, do Vietnã à explosão do ônibus espacial Challenger e muito mais) à medida que viajavam (por meio de um bondinho) entre os confortos cotidianos de uma sala de estar e a comunidade de fantoches extravagantes na Terra do Make Believe [Terra da Imaginação].
Assim como muitos adultos hoje, cresci assistindo e valorizando o programa de Mr. Rogers na PBS. Um excelente novo documentário, Fred Rogers, o padrinho da criançada (em inglês, Won’t You Be My Neighbour?), dirigido por Morgan Neville (diretor do documentário A um passo do estrelato), fornece uma consideração nostálgica do que fez com que Rogers e seu programa fossem tão especiais. O documentário apresenta Rogers — sempre vestido com cardigans de zíper e tênis, que eram manuseados por ele com o mesmo amor e deliberação quanto as palavras — como uma figura singular na história da cultura pop cuja sinceridade, compaixão e vizinhança na televisão contrastam com a fragmentação cínica, vitríola e partidária que definem o panorama da mídia de hoje.
Quando a TV cultivava a comunidade
A exibição do programa Mister Rogers’ Neighborhood coincidiu com o auge da limitação de escolhas de programas na era da TV em rede aberta, quando os americanos ainda podiam ter conversas de corredor sobre TV, já que todos assistiam aos mesmos programas (por exemplo, M.A.S.H., Dallas, Friends). Em um determinado momento do documentário Fred Rogers, o padrinho da criançada, ouvimos Rogers dizer: “A televisão tem a chance de construir uma comunidade real em um país inteiro”.
Ele estava certo, e seu programa provou isso. Mas isso é verdade hoje?
Apropriadamente, Rogers encerrou seu programa nos anos nascentes da internet e no alvorecer da era da mídia social — forças restritas que minaram o potencial de “construção de comunidade” da mídia ao expandir infinitamente as opções de conteúdo e o grau de variação da experiência de cada consumidor. Não há mais “vizinhança”; nenhuma sala de estar em que espectadores de todas as origens podem comungar. Existem apenas nichos, tribos e câmaras de eco. Como resultado, estamos nos tornando consumidores isolados com pouca aptidão ou tolerância para com a comunidade e suas complexidades inerentes.
Como a mídia pode ser usada para construir pontes em vez de paredes no mundo fragmentado de hoje? Esta é uma das questões oportunas levantadas pelo documentário Fred Rogers, o padrinho da criançada. Podemos nunca ter outro Mr. Rogers, mas não deveríamos estar buscando outras formas de usar a mídia da maneira como ele fez — para edificar, dignificar e modelar a virtude? Os cristãos que buscam influenciar a cultura com o evangelho devem assistir a este documentário e tomar notas acerca do que funcionou no projeto de Rogers. Ele foi claro em sua mensagem sem apresentar sermões enfadonhos. Ele levava a vida a sério, mas não a si mesmo. Ele era engraçado, cativante, sem medo de ser estranho e respeitava profundamente seu público.
O campo missionário de Mr. Rogers
Rogers foi um ministro presbiteriano ordenado que via as crianças como seu alvo de missão e a televisão como sua ferramenta. Embora o financiamento governamental do programa tenha impedido o ensino religioso explícito, Mr. Rogers’ Neighborhood incorporou muitos valores cristãos. Rogers dignificou pessoas. Assim como Jesus (Mc 10.13-16), ele respeitava e valorizava as crianças tanto quanto os adultos. Algumas das cenas mais comoventes do documentário de Neville mostram Rogers personificando a vizinhança, o amor cristão pelos esquecidos, seja cantando com um menino com necessidades especiais ou lavando os pés de um homem negro em uma sociedade racialmente dividida. A maneira lenta e hiperatenta como Rogers ouvia e aprendia com as pessoas modelava uma presença dignificante que se tornou uma arte perdida na era distraída de hoje.
Rogers também personificou a graça. Embora sua ênfase na afirmação “você é especial” possa ser validamente criticada (falo mais sobre isso adiante), seu coração se voltava a lembrar as crianças de sua dignidade inerente à imagem de Deus. Provavelmente influenciado por sua experiência como vítima de bullying quando criança, Rogers queria criar, através da intimidade da televisão, um espaço de hospitalidade onde as crianças pudessem ser “amadas para poderem amar” e onde a presença dos “ajudantes” do mundo fosse destacada. Rogers não era Poliana. Ele não achava que as crianças deviam ficar cegas para as dificuldades da vida, desde assassinatos a terrorismo e racismo. Ele queria dar ferramentas às crianças, caminhar com elas ao longo da gama de beleza e feiura da vida. Ele queria que elas soubessem que eram amadas.
Graça barata?
Embora não seja hagiográfica, a avaliação de Rogers (e seu legado) em Fred Rogers, o padrinho da criançada é totalmente positiva. Repleto de lembranças amorosas da esposa, filhos, colaboradores de TV e amigos de Rogers (incluindo Yo-Yo Ma), o documentário evita críticas envolventes. Dedica-se menos de um minuto a saber se a ênfase de Rogers na frase “você é especial” teve ou não efeitos prejudiciais a longo prazo em seu público jovem. Ao dizer repetidamente às crianças, em quase todos os episódios, que elas são especiais “do jeito que elas são”, Rogers inadvertidamente contribuiu para as tendências narcisistas excessivamente mimadas e emocionalmente frágeis que vemos hoje entre os jovens adultos? Esta é uma questão que eu gostaria que o documentário tivesse levado mais a sério.
Rogers tinha boas intenções, é claro, e seu instinto para a graça — garantir às crianças sua dignidade não dependia de elas fazerem “qualquer coisa sensacional” — está certo. No entanto, é preciso ter cuidado para que esta mensagem de graça não se torne em uma graça voltada a uma estima autojustificadora e em uma graça do tipo “olhe para dentro de si” — uma graça que, como Dietrich Bonhoeffer descreveu, “conferimos a nós mesmos”, “uma graça sem discipulado, uma graça sem a cruz, uma graça sem Jesus Cristo”.
As crianças precisam ouvir que Deus as ama, é claro. Contudo, elas também precisam ouvir que são pecadoras que precisam de redenção — que seus corações são sombrios e traiçoeiros, propensos a divagações e nem sempre são a bússola mais confiável. Elas precisam ouvir que Jesus é mais especial do que elas — e que uma vida gasta imitando ele é muito mais gratificante do que uma vida gasta “encontrando a si mesmo”.
Tornando o bem atraente
No final das contas, Rogers tinha um objetivo humilde e aplaudível com seu programa: fazer com que a prática da bondade na TV fosse atraente. Indo na contramão da programação infantil que muitas vezes glorificava o cinismo, a infantilidade e outros comportamentos ruins (por exemplo, Os Simpsons, Rugrats, grande parte dos programas da Nickelodeon, e assim por diante), Rogers estava assumidamente comprometido em modelar virtude, respeito, crescimento e maturidade. Ele não achava que a bondade precisava ser apresentada de maneira sarcástica. Ele não viu qualquer erro em apresentar uma visão de “vizinhança” que fosse idealista, quase escatológica. De certa forma, o reino do Make Believe [da imaginação] do Rei Sexta-Feira representou o reino celestial que Rogers ansiava que as crianças vislumbrassem: um mundo sem injustiça, dor e pecado, no qual toda tristeza deixou de ser verdade.
Talvez o lembrete de Mr. Rogers de que mais precisamos hoje seja o de que a bondade não é apenas possível; ela também é atraente. É desejável. Infelizmente, muitos cristãos hoje agem como se sua credibilidade dependesse do seu quebrantamento e da obtenção de pontos de “autenticidade” ao destacar seus vícios, seu passado sombrio e seu presente conturbado. Mr. Rogers, contudo, destacava a ordem e não era nada menos que completamente autêntico e compreensível. Mesmo nas pequenas coisas — sua maneira precisa de se vestir, aparência bem-apessoada, compromisso com as tarefas domésticas (alimentar os peixes!) — Rogers mostrou que a bondade, a virtude e a ordem não precisam ser menosprezadas ou desconfiadas. Elas podem existir e de fato existem no mundo. E elas também podem ser autênticas.
Precisamos dessa mensagem agora mais do que nunca.
Traduzido e revisado por Jonathan Silveira.
Texto original: “Mister Rogers Made Goodness Attractive. So Should We“. The Gospel Coalition.
Brett McCraken é editor sênior no site The Gospel Coalition e autor de vários livros. Ele e sua esposa, Kira, moram em Santa Ana, na Califórnia, com seu filho Chet. Frequentam a igreja Southlands, na qual Brett serve como presbítero. |
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