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Há algum tempo tenho tentado tratar sobre o assunto da masculinidade a partir de princípios bíblicos, tentando denunciar todo comportamento construído por nós homens que não corresponde àquilo que fomos criados para ser.

Reconheço algumas ótimas iniciativas que irmãos têm realizado sobre o assunto, reconheço a honesta tentativa em resgatar uma masculinidade bíblica em tempos de confusão identitárias, mas queria aqui pontuar de forma muito cuidadosa o que eu acredito ser pontos problemáticos na abordagem sobre a categoria da masculinidade!

Desconfio, pelo discurso que tenho acompanhado, que a motivação primária da narrativa e da ideia de masculinidade que tem sido construída, é mais numa anteproposta a possíveis categorias linguísticas encontradas mais no cenário centro esquerda, do que uma tentativa realmente bíblica de masculinidade. Os ataques são nítidos nos textos e pregações.

Acho no mínimo desonesto, já que a proposta é uma narrativa bíblica e não ideológica. Apesar de realmente ter várias críticas a se tecer sobre a tentativa moderna das narrativas em descontruir toda ideia identitária que tenha alguma raiz cristã judaica, que para mim são propostas meramente performáticas e não tratam a raiz do problema, acredito que há vozes que precisam ser escutadas na arena pública. Há clamores vindos dos mais diversos cantos que precisam ser escutados e respondidos de forma cuidadosa e justa.

As cidades clamam por amor, as cidades clamam por justiça, a sociedade clama por igualdade, todos esses são valores eternos. Nós, cristãos, deveríamos ser os primeiros a fazer coro a toda essa fome por verdade e fazer os apontamentos corretos! As lutas por direito são clamores de um coração criado com sede e fome de eternidade, só estão fora de rota! Os caminhos propostos como resposta é só um esforço humano e malsucedido de equalizar o que o pecado afetou, que foi a relação entre os seres humanos criados à Imago Dei.

Masculinidade tóxica

Quando se fala de uma masculinidade tóxica, apesar das respostas que tentam dar para isso, o diagnóstico está corretíssimo. Por muitos anos acobertamos dentro de nossas igrejas e púlpitos comportamentos violentos, relações adoecidas, opressivas, e que, pelo nível de toxidade, mataram muitos irmãos na caminhada, literalmente e subjetivamente!

Não se pode negar os fatos, nós homens pecamos e continuamos nossa luta contra nossa natureza caída, nós temos uma dívida, moral e social com as mulheres. Sim, as mulheres são violentadas por nós, são abusadas por nós, são caladas por nós, são menosprezadas por nós, são inferiorizadas por nós, são instrumentalizadas por nós, são sobrecarregadas por nós…

Mas a melhor notícia em toda a história é que Cristo ao encarnar, morrer e ressuscitar, nos possibilitou recuperarmos diariamente a imagem que se perdeu por conta do pecado. Cristo é a possibilidade de mudança de todo o mundo e, consequentemente, de todo o relacionamento. Não é por nossa capacidade, mas pelo que ele fez na história, está fazendo e ainda fará! Só é possível ser o homem que as mulheres precisam se estivermos enxertados naquele que é a fonte de toda a virtude, bondade, amor e justiça!

Masculinidade “tradicional” e o estoicismo

A masculinidade “tradicional” é tradicionalmente manchada pelo pecado! Em nome do progresso, nós escravizamos, desmatamos, torturamos, fizemos guerras… No entanto, a masculinidade proposta por Jesus não tem nada de tradicional, ela é radicalmente revolucionária, pois é Deus assumindo seu trono e mudando toda a ordem vigente do Eu-governo.

Aquilo que a masculinidade “tradicional” afirma como virtudes pode ser representada por estoicismo. Apesar de o estoicismo ter influenciado algumas correntes cristãs, ele não possui bases bíblicas para se reafirmar como comportamento padrão desejável para uma masculinidade que glorifique a Deus, pois sua base é completamente racionalista.

Bem sabemos que a masculinidade de Jesus contemplou choros e emoções —é óbvio que não devemos ser controlados por elas, mas isso faz parte do que constitui nosso ser. E, para além de nossas emoções, somos seres espirituais e nossa capacidade de vencer os pecados, controlar as emoções e vencer as dificuldades do dia não está somente nos ditames da razão, mas na confiança no Espírito Santo.

Competitividade masculina

Reafirmar a competitividade como atributo divino é tolice. O mundo foi criado como resposta a uma relação harmônica da Trindade, somos o transbordar desse amor trinitário, dessa relação perfeitamente plena e satisfeita em si! Assim, somos seres à imagem dessa perfeita dança, plenamente harmônicos com o próprio Deus, com a criação e com o outro!

A competição como é compreendida, na qual seus fundamentos são o sucesso pessoal, o lucro, o status e qualquer coisa que não seja a glória de Deus, não pode ser colocada como virtude!

A competição nunca foi considerada virtude por nenhum dos grandes pensadores e estudiosos do tema. Em resposta a isso, uma masculinidade virtuosa cultivaria ações como a bondade, a caridade, justiça, e não a competitividade. A realização condicionada ao espírito competitivo é paganismo moderno, é não querer destronar o maior ídolo de todos: o próprio eu que está no centro de todo jogo competitivo. E a sociedade não será beneficiada pela competição, e sim pela misericórdia, compaixão e amor, pois servimos a um Deus de graça, e qualquer ação que não seja em resposta a isso é falha.

Domínio masculino

Dominar não é liderar e nunca foi. Liderar é servir, esse é o modelo de liderança que temos na pessoa de Jesus. Alguém que tinha todo poder e domínio sobre tudo e todas (sobre a criação, a história), mas abriu mão para que nós tivéssemos acesso à vida. O homem não foi chamado para dominar a mulher, a mulher é completude do homem para reflexo da Imago Dei.

Alguns modelos de liderança masculina que se dizem “tradicionais” precisam ajustar a linguagem sobre liderança, que não é dominar, mas antes co-participar, co-pastorear, co-administrar. Não temos domínio sobre o que não é nosso, temos a responsabilidade de cuidar do que nos é confiado!

Agressividade masculina

Alguém poderia dizer que a agressividade é o antídoto para o medo, que não teremos uma vida boa se formos tímidos e covardes. Poderiam dizer que nossos medos precisam ser enfrentados com agressividade e que, sem ela, somos vítimas dos outros e dos nossos medos.

A ferramenta para o medo nunca foi a agressividade, e sim a coragem! A virtude que todo covarde precisa desenvolver é a coragem de suportar situações difíceis e permanecer inalterado frente a elas. Agressividade pressupões ataque, já a virtude da coragem, a defesa, é a capacidade de previsão de acontecimentos futuros e os encarar face a face, não sendo paralisado pelo medo no tempo presente.

Como diria Tomás de Aquino em seu tratado sobre a fortaleza e coragem: “é mais difícil permanecer inalterável durante muito tempo do que se deixar levar por um movimento súbito a arrostar uma dificuldade”. Ou seja, é mais fácil ser agressivo com as dificuldades repentinas do que corajoso em suportá-las no tempo presente, sem o medo do futuro.

Muitas vezes isso vai requerer que nós homens soframos calados, muitas vezes com lágrimas no rosto, mas crendo na esperança da alvorada, da manhã que renova as forças, que enxuga as lágrimas, que reacende a esperança.

Masculinidade é imitação de Jesus

Uma masculinidade bíblica a imitar é a de Jesus, que não temeu os açoites, as cusparadas, as blasfêmias, nem temeu a cruz, mesmo já sabendo que esse seria seu fim. Antes, suportou tudo isso, com suor de sangue, com coração contrito clamando ao Pai que o livrasse se possível, com lágrimas nos olhos, mas avançando sempre. Ele não foi agressivo com os que o opuseram, antes condenou os que tentaram mudar a rota dos seus planos.

Os olhos no futuro dolorido da cruz não o paralisaram no presente, foi corajoso suficiente para cumprir seu propósito. É esse exemplo que devemos imitar. Qualquer coisa diferente disso não passa de uma imitação barata e de performance pagã.

E, por fim, o homem que verdadeiramente nos levou à prosperidade e paz, foi Cristo, todos os outros são sombras, ensaios, tentativas, improvisos de um espetáculo que já tem um protagonista!

Jesus não foi tóxico, ele foi humanamente Deus, radicalmente amoroso, profundamente misericordioso. A cruz é o maior símbolo de masculinidade que temos: o sacrifício.

Não foi a vontade de Cristo de vencer ou tomar o poder, não foi a vontade de Cristo de dominar o império romano, não foi a vontade de Cristo de ser agressivo com os que o torturaram, mas foi sua vontade de entrega sacrificial por amor de todos que o levou a ser o Homem que foi.

Rev. Pedro Muniz é esposo da Lorrayne, pai da Liz, do Ian, do Teo e dono da Branca. Além de pastor na Igreja Anglicana Âncora, em Vitória (Espírito Santo), é formado em Educação Física. Também atua como professor das cadeiras de Espiritualidade, Liderança, e Bíblia do SAT (Seminário Teológico Anglicano).

2 Comments

  1. Daniella disse:

    que texto maravilhoso!

  2. Brenner Boaventura disse:

    Creio que seria legal trazer um texto sobre a visão de masculinidade por C.S.Lewis. O texto está muito bom, mas penso que algumas partes tem carregadas em si ideais errados sobre essa “masculinidade tóxica”, “toxificando” demais a masculinidade em si e não o caráter individual “tóxico”, por incrível que pareça postaram um artigo novo sobre Jordan Peterson, que é um co-beligerante nesse aspecto…Graça a Paz!

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