O aconselhamento como estilo de vida | Franck Neuwirth

Uma jornada de esperança em dias de luto | Timothy Keller
22/set/2025
Uma jornada de esperança em dias de luto | Timothy Keller
22/set/2025

A Bíblia assim ensina em Colossenses: “A palavra de Cristo habite ricamente em vós, em toda a sabedoria; ensinai e aconselhai uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais, louvando a Deus com gratidão no coração” (Cl 3.16). O ensinamento de Paulo é que a palavra de Cristo deve, contínua e abundantemente, habitar (o imperativo presente no texto original dá a ideia de uma ordem recorrente) no coração do crente, os quais terão assim condições de instruir e aconselhar uns aos outros na igreja (o grego enfatiza aqui o aspecto mútuo do aconselhamento, ou seja, indica que isso é algo para todos). Sendo assim, podemos afirmar que o aconselhamento deve ser uma prática obrigatória da igreja (em obediência à ordem de Deus) e que cada crente deve crescer em “maturidade” para conseguir aconselhar biblicamente.

No entanto, para que isso ocorra, é necessário criar uma cultura de aconselhamento e interdependência nas igrejas. Existem diversos versículos na Palavra de Deus que ensinam sobre a mutualidade, por isso é preciso fazer com que as igrejas sejam uma comunidade de apoio e exortação mútua, a fim de que todo o Corpo de Cristo seja edificado:

Pelo contrário, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. Nele o corpo inteiro, bem ajustado e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a correta atuação de cada parte, efetua o seu crescimento para edificação de si mesmo no amor (Ef 4.15-16).

A seguir serão apresentadas algumas atitudes bem práticas para que seja implementado o aconselhamento como um estilo de vida. Essas atitudes devem ser incentivadas para que os crentes cumpram com seu dever de aconselhar uns aos outros.

Sensibilidade às pessoas ao redor

Os últimos dias são caracterizados por pessoas que já não estão voltadas para os interesses do próximo. Paulo disse que esta é uma época de pessoas egoístas (2Tm 3.2). Parece que perdemos a sensibilidade e não temos notado que os crentes estão cercados de pessoas que carecem de auxílio. Infelizmente, muitas vezes nosso comportamento tem sido como o do levita e o do sacerdote relatados na Parábola do Bom Samaritano (Lc 10.25-37).

Não é necessário ter um curso ou algum treinamento específico para auxiliar uma pessoa em suas dificuldades. Collins relembra que a tarefa de ajudar é responsabilidade de todas as pessoas, as quais depararão com muitas oportunidades de exercer esse ministério informal:

Todos nós temos oportunidade de ajudar quase todos os dias. Orientar nossos filhos numa crise, consolar um vizinho enlutado, aconselhar um adolescente sobre um problema no namoro, ouvir um parente descrever suas dificuldades com um filho ou filha problemático, encorajar a família de um alcoólatra, ajudar o cônjuge a enfrentar uma situação difícil no trabalho, guiar um jovem cristão num período de dúvida — todas essas situações de ajuda. […] Apesar de haver muitos profissionais em nossa cultura estressada, a maioria dos problemas é cuidada por leigos, quer se sintam qualificados, quer não. Mesmo que pudesse haver um número suficiente de conselheiros profissionais e pastorais para cuidar das necessidades de todos, algumas pessoas ainda prefeririam discutir seus problemas com um parente, vizinho ou amigo. Os amigos estão por perto, não cobram a consulta, estão disponíveis, e, geralmente, é mais fácil falar com eles do que com um estranho portador um título causador de temor, como “psiquiatra”, “terapeuta” ou “psicólogo”. Os ajudadores não profissionais podem ter pouco ou nenhum treinamento, mas causam, mesmo assim, bastante impacto. Essas pessoas […] estão na linha de frente da batalha contra o estresse, a confusão e a doença mental.[1]

Isso confirma as palavras de Lambert ao dizer: “Embora nós, frequentemente, retratemos o aconselhamento como uma atividade muito profissional, ele não requer que você seja um especialista a fim de realizá-lo”.[2] Mais do que um “título acadêmico”, as pessoas que sofrem necessitam de um “ombro amigo”, alguém que esteja disposto a ajudá-las em meio às suas lutas, dificuldades e desilusões. Nesse sentido, podemos afirmar que “o ajudador torna-se o instrumento de Deus para operar mudanças na vida daqueles a quem é dada ajuda”.[3]

Em muitos casos, o grande obstáculo para não estar sensível às necessidades de uma pessoa é a falta de compaixão. Quando não há compaixão, não existe sensibilidade e quando não existe sensibilidade, não é possível estabelecer um vínculo com o aconselhado, pois isso é estabelecido “quando as pessoas sabem que você se preocupa sinceramente com elas”.[4]

Embora nossa sociedade seja cada vez mais egoísta, é necessário que igreja desenvolva a sensibilidade em ajudar os outros. Para isso existem algumas atitudes[5] que são muito úteis para desenvolver uma compaixão genuína para com as pessoas que estão ao redor e assim vencer a apatia e o egoísmo, marcas tão presentes na sociedade moderna.

Pense como você se sentiria se estivesse na posição do aconselhado: Jesus se compadecia das pessoas. Ele se compadeceu das multidões, que estavam como ovelhas sem pastor (Mt 9.36-38; 14.14; Mc 6.34). Ele se compadeceu da viúva de Naim (Lc 7.13) e de diversas outras pessoas (Mt 20.34; Mc 1.41; 8.2).

Imagine o aconselhado como alguém de sua família: uma boa maneira de abordar o aconselhado é como se estivesse tratando com um ente querido, alguém da própria família a quem muito se ama. Certamente, um senhor de idade envolvido com algum pecado será tratado com muito respeito se o conselheiro pensasse nele como seu próprio pai. Essa fora a exortação de Paulo a Timóteo: “Não sejas duro na repreensão ao idoso, mas exorta-o como a um pai; aos jovens, como a irmãos; às mulheres idosas, como a mães; às jovens, como a irmãs, com toda pureza” (1Tm 5.1-2).

Considere sua própria pecaminosidade: Paulo orienta os irmãos da Galácia a corrigir a outros irmãos com uma postura de humildade, afinal de contas, todos são pecadores também: “Irmãos, se alguém for surpreendido em algum pecado, vós, que sois espirituais, deveis restaurar essa pessoa com espírito de humildade. E cuida de ti mesmo, para que não sejas tentado também” (Gl 6.1). Devemos compreender que é a graça de Deus que sustenta o crente maduro na fé, do contrário, este também tem todo o potencial para cometer as mesmas falhas, ou ainda piores!

Pense acerca das formas práticas de demonstrar compaixão: tanto amar como ter compaixão das pessoas são imperativos bíblicos (Lc 6.27; Jd 22). Exatamente por isso é que não devemos nos deixar levar pelos sentimentos, mas pela razão. Por isso precisamos pensar de maneira muito prática sobre como podemos ajudar as pessoas, demonstrando compaixão a cada uma delas. Isso não tem a ver com sentimento, tem a ver com obediência a Deus!

Sabedoria quanto à abordagem

Ao escrever aos crentes de Colossos, Paulo ressalta a importância da maneira de falar e reagir a determinada situação: “A vossa palavra seja sempre amável, temperada com sal, para saberdes como deveis responder a cada um” (Cl 4.6). Ter um modo de falar que seja “temperado com sal” (literalmente é isso que o apóstolo quer dizer no texto original em grego) significa ter um discurso “com sabor de sabedoria e ardor vividamente espirituais”.[6] Além disso, Paulo diz que é importante saber “como deveis responder”, ou seja, é importante saber não apenas o que falar, mas como falar.

Assim, é um imperativo bíblico que todo conselheiro deve, além de ter sabedoria no aconselhamento, ter também sabedoria na abordagem. Ele precisa dessa postura para compreender qual será a melhor maneira de ajudar uma pessoa. Uma palavra que não demonstra graça e abordagem mal ajustada pode provocar uma reação contrária ao aconselhamento, levantando uma barreira entre o conselheiro e o aconselhado, tudo o que não deve ocorrer neste processo.

Paul Hoff apresenta algumas maneiras de abordar um aconselhado, dependendo da situação enfrentada. Essas formas de abordagem são um bom parâmetro a fim de melhorar sua abordagem no processo de aconselhamento.[7] A primeira delas é o aconselhamento de apoio, o qual ocorre especialmente em momentos de crise nos quais as pessoas precisam ser apoiadas e fortalecidas. Em momentos assim, o que a pessoa mais precisa é de uma ajuda, não de críticas ou confrontações com possíveis erros cometidos. O conselheiro deve aproveitar este primeiro momento para auxiliar a pessoa em seu crescimento pessoal e espiritual.

A segunda maneira de ajudar uma pessoa é utilizando a técnica diretiva. Nesse método, o conselheiro é a figura principal e domina todo processo de aconselhamento. Ele analisa todo o caso, organiza, avalia, interpreta os dados que possui e, finalmente, dá um diagnóstico sobre as características e causas do problema, apresentando sugestões e dando uma direção ao aconselhado sobre as decisões que este deve tomar. Hoff menciona ainda que essa técnica possui objetivos quase idênticos da técnica não diretiva (uma outra abordagem, na qual o aconselhado é livre para expressar seus sentimentos sem nenhum questionamento por parte do conselheiro), ou seja, encarar a si mesmo e a seu problema da maneira mais realista. Neste caso é o conselheiro quem o conduz durante todo o processo.

O aconselhamento por confrontação deve ser utilizado quando uma pessoa está vivendo na prática de algum pecado e precisa ser confrontada diretamente para que caia em si e seja encaminhada ao arrependimento. O conselheiro deve ter muito cuidado nesse procedimento, pois uma palavra mal colocada poderá produzir mágoas e ressentimentos por parte do aconselhado. Toda confrontação deve ser feita com espírito de brandura (Gl 6.1). Para aqueles que não estão conseguindo ter um rumo em sua vida, existe a abordagem de informação e direção, muito utilizada por aqueles que necessitam de discernimento quanto à sua vocação, especialmente os jovens. Mas também é utilizada para assuntos como casamento, conduta no emprego, na família. Nesses casos, um irmão mais experiente sempre poderá ser um instrumento nas mãos do Senhor para encaminhar os outros, ainda mais quando são assuntos que não possuem uma vontade especificamente declarada nas Escrituras.

Uma abordagem pouco enfatizada no aconselhamento diz respeito ao encaminhamento da pessoa a um especialista. Nesse caso, o que ocorre é que o conselheiro percebe seu limite e, com muita sabedoria e humildade, encaminha a pessoa a outro conselheiro ou até mesmo a um profissional de outra área. Em se tratando de um conselheiro leigo, o primeiro de sua lista é o próprio pastor da igreja. No caso de um pastor da igreja, este poderá encaminhar a pessoa a um médico, quando perceber que o problema se trata de algo que precise de uma avaliação desse profissional. Além disso, outros profissionais poderão ser listados, quando os problemas foram de áreas bem específicas.[8]

O aconselhamento em grupo é também uma alternativa. Existem situações em que o aconselhado, sabendo que existem outras pessoas passando pelo mesmo problema, sente-se mais à vontade para abrir seu coração e procurar caminhos para sua restauração. Exemplos deste tipo de aconselhamento ocorrem em grupos afins, tais como os Alcoólicos Anônimos, aconselhamento de pais, dentre outros.

Como vimos, existem diversas maneiras de abordar o aconselhamento. Um conselheiro bíblico deve estar sensível quanto à maneira de conduzir o processo de modo que haja enfrentamento do problema e submissão à vontade de Deus para que o aconselhado seja completamente restaurado.


Notas

[1] Gary R. Collins, Ajudando uns aos outros pelo aconselhamento (São Paulo: Vida Nova, 2005), p. 19.

[2] Heath B. Lambert, Teologia bíblica do aconselhamento (Eusébio: Peregrino, 2017), p. 19

[3] Gary R. Collins, Ajudando uns aos outros pelo aconselhamento, p. 31.

[4] Wayne Mack, “Desenvolvendo um relacionamento de ajuda ao aconselhado”, in: John F. MacArthur Jr.; Wayne A. Mack, Introdução ao aconselhamento bíblico: um guia básico de princípios e práticas de aconselhamento (São Paulo: Hagnos, 2004), p. 205

[5] 7 Ibidem, p. 208-9.

[6] Roberto Jamieson; A. R. Fausset; David Brown, Comentario exegético y explicativo de la Biblia (El Paso: Casa Bautista de Publicaciones, 2002), p. 526.

[7] Paul Hoff, O pastor como conselheiro (São Paulo: Vida, 1996), tomo 2, p. 65-79.

[8] 10Ibidem, p. 76. Nessa obra, ele menciona que o pastor poderá utilizar-se de pessoas treinadas, especialmente nos casos de neurose ou demência. Nesse sentido,


Trecho extraído e adaptado da obra “Aconselhamento bíblico para todos“, de Franck Neuwirth, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2025, pp. 120-127. Publicado no site cruciforme com permissão.

Franck Neuwirth é Doutor em Ministério pelo Reformed Theological Seminary, EUA, em parceria com o Centro de Pós-graduação Andrew Jumper. É Escritor da Editora Cristã Evangélica e Coordenador Acadêmico no SETECEB, além de lecionar disciplinas na Área de Novo Testamento, Grego, Metodologia Científica e Aconselhamento. Atualmente, está cursando seu PhD pela Universidade de Viena na Áustria. Franck é casado com Ilma Rabelo Neuwirth e pai da Isabella e do Luiz Filipe.

Autor de "Aconselhamento bíblico para todos", publicado por Edições Vida Nova.
Sua igreja pode ser o primeiro lugar em que as pessoas buscam esperança Muitos cristãos buscam ajuda, mas encontram apenas teorias distantes, enquanto a igreja nem sempre se vê preparada para o ministério de cuidado. Em Aconselhamento bíblico para todos, Franck Neuwirth resgata o papel da igreja como o principal ambiente de cuidado, oferecendo um caminho fundamentado na suficiência das Escrituras para uma transformação genuína.

Este guia prático demonstra a suficiência da Palavra de Deus para diagnosticar e curar a alma, capacitando os membros da igreja local para o ministério de cuidado mútuo.

Prepare-se para praticar um aconselhamento que honra a Deus e edifica vidas. Você pode ser um conselheiro!

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