O amor impossível flui da misericórdia impossível | Jamie Dunlop

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Group of diverse people holding hands up in the air

“Não consigo fazer isso!”; “Não quero!”; “Você não pode me obrigar!”.

Seriam essas as expressões de crianças choronas, ou as do meu próprio coração enquanto percebo que preciso amar aquelas pessoas que me enlouquecem na igreja? “É óbvio que não serei grosseiro, mas, honestamente, prefiro evitar aquela pessoa. Não quero puxar assunto e muito menos estabelecer uma amizade com ela.” Alguma vez você já se sentiu assim? Onde você pode encontrar a força, a generosidade e o entusiasmo para amar “aquelas pessoas” que se encontram em sua igreja? Talvez, como muitos, você tenha encontrado inspiração na história de Corrie ten Boom, que sobreviveu ao campo de concentração de Ravensbruck durante a Segunda Guerra Mundial. Em The hiding place, Corrie relatou um episódio bem conhecido após a guerra, quando ela estava ministrando uma palestra em uma igreja de Munique. Um homem se aproximou para lhe apertar a mão, maravilhado com o perdão de Jesus que ela acabara de descrever. Ela o reconheceu: ele era seu ex-carcereiro.

“Sua mão estava estendida para apertar a minha. E eu, que tantas vezes preguei ao povo […] sobre a necessidade de perdoar, mantive minha mão junto ao corpo. Mesmo enquanto pensamentos raivosos e vingativos ferviam dentro de mim, eu percebia que eles eram pecado. Jesus Cristo morreu por esse homem; eu poderia pedir algo mais? […] Fiz uma oração silenciosa: ‘Jesus, não posso perdoá-lo. Concede o teu perdão’.” Em seguida, ela pegou a mão do homem. “Então o calor da cura pareceu inundar todo o meu ser, trazendo lágrimas aos meus olhos: ‘Eu perdoo você, irmão!’, e chorei, ‘de todo o meu coração!’. Durante um longo momento ficamos com as mãos dadas, o ex-guarda e a ex-prisioneira. Jamais senti o amor de Deus de modo tão intenso como naquele momento.”[1] Claro, você pode dizer, essa é a super-heroína cristã Corrie ten Boom. “Posso de fato esperar que eu aja do mesmo modo? Não posso apenas evitar essas pessoas e fingir que elas não existem?” O que você pode fazer quando se sente assim? Tenha em mente que o padrão do amor de Deus em sua igreja não é apenas que você se abstenha de dizer coisas maldosas para “aquelas pessoas”. Não é apenas que você as tolere. De acordo com Romanos 12.10, o padrão de Deus é a afeição fraterna (que veremos mais adiante neste livro). Como você pode agir assim?

“Mas isso é impossível” — eis o ponto principal

Lembre-se de que Deus muitas vezes pede o impossível ao povo. Em Êxodo 13 e 14, Deus conduziu o povo para fora da escravidão no Egito e em direção a uma situação impossível. As pessoas ficaram presas entre o mar Vermelho, à frente, e o exército que as perseguia, atrás. Mesmo assim, Deus as conduziu através do mar. Gosto muito de Isaías, escrito centenas de anos depois:

Assim diz o Senhor, que abre um caminho no mar, uma vereda nas águas poderosas (Is 43.16).

Em outras palavras, isso não é algo que Deus fez apenas uma vez. Atravessar o mar é o movimento característico de Deus! Jesus disse ao homem com a mão atrofiada que a esticasse (Mt 12.13). “Mas isso é impossível!” Ele disse ao homem aleijado que se levantasse e andasse (Jo 5.8). “Mas isso é impossível!”. Ele disse ao morto que se levantasse (Jo 11.43). “Mas isso é impossível!”. Os mandamentos de Jesus oferecem mais do que instrução; eles capacitam. Ao seu comando, a mão atrofiada se estende. O aleijado caminha. O morto anda. A mesma coisa se aplica à vida em sua igreja. O “amor fácil” raras vezes demonstra o poder do evangelho. Mas o amor que vai além do possível é um palco preparado para demonstrar a glória de Deus.

Os limites do “dever”

“Está bem”, você diz. “Já comprei a ideia! Amo demais o conceito da igreja como um belo reflexo. Vou buscar amizades com pessoas da minha igreja que são diferentes de mim, com as quais muitas vezes discordo e com quem não tenho muito em comum além de Jesus. E juntos vamos demonstrar o poder do evangelho!”. Essa determinação é um bom começo, mas, se isso for tudo, você estará à procura de problemas. Antes de prosseguirmos, devemos isolar um caminho potencialmente prejudicial à obediência.

Na amizade, os motivos verdadeiros se tornam evidentes com o passar do tempo. “Você de fato gosta de mim? Ou você gosta da ideia de gostar de mim?”. Isso pode cheirar a tokenismo,[2] não à amizade. E muitos dos irmãos e das irmãs de sua igreja, acostumados a se sentirem diferentes dos demais, aprenderam da maneira mais difícil que às vezes são valorizados principalmente porque fazem a igreja parecer melhor. Podem ser pessoas diferentes da maior parte da igreja em termos de cor da pele, classe social, idade, tendências políticas etc. Preciso agir com cuidado aqui. Não quero retratar o amor decorrente da obediência como totalmente equivocado. O “dever” é uma razão inteiramente válida para amar as outras pessoas em sua igreja (Jo 14.15; 15.12). O “dever” pode ser um bom ponto de partida para o amor, mas ele não pode ser a extensão máxima das suas aspirações concernentes ao amor. Caso você ame apenas porque deve amar, então o seu amor pode parecer algo menos que o amor de verdade. Esse amor perde o brilho quando sua verdadeira motivação vem à tona.

Como é possível passar de evitar “aquelas pessoas” a tolerá-las, a amá-las porque “devemos” e a amá-las com carinho — como parte da família?

Valorize a misericórdia de Deus

A resposta é misericórdia. O caminho do “dever” ao “querer” começa pela misericórdia de Deus. Isso é o que vemos em Romanos 12.1: “Portanto, irmãos, exorto-vos pelas compaixões de Deus que apresenteis o vosso corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional”. Com esse versículo, Paulo inicia um dos discursos mais extensos das Escrituras sobre o amor. No entanto, não devemos nos apressar a seguir seus imperativos sem antes reconhecer o que torna esse amor possível.

“Pela misericórdia de Deus”. Em Romanos 1—11, as compaixões, ou misericórdias de Deus, reconciliaram judeus e gentios com Deus por meio da fé em Cristo e, como resultado, os reconciliaram uns com os outros. Em seguida, em Romanos 12, aprendemos os aspectos práticos da união. É como se Paulo dissesse: “Parabéns! Vocês são uma grande família feliz (Rm 1—11). Agora vamos descobrir como isso funciona (Rm 12—15)”. De maneira específica, o amor que ele descreverá nesses capítulos é o amor movido pela misericórdia.

O que é misericórdia? Misericórdia significa o resgate divino das consequências dos nossos pecados. Essa é uma das razões pelas quais devemos resistir à tentação de minimizar ou ignorar os nossos pecados. Muitas vezes, refletimos sobre as bênçãos imerecidas que recebemos como cristãos, como a adoção como filhos, a herança do céu, o dom do Espírito e muito mais. No entanto, é menos comum que consideremos o castigo que Jesus sofreu por nós. Ao não compreendermos as consequências do pecado que deveríamos ter suportado, deixaremos de apreciar a riqueza da misericórdia divina em Cristo, e o nosso amor será fraco.

Lembro-me de quando essa verdade me atingiu. Eu havia feito comentários a respeito de alguém conhecido na igreja, compartilhando informações particulares com um grupo de pessoas. Ele ficou compreensivelmente envergonhado quando descobriu o que eu havia feito e com raiva de mim por zombar de algo tão delicado. Ele me confrontou, eu pedi desculpas e confessei o meu pecado a Deus. Normalmente eu teria deixado as coisas daquele jeito e seguido em frente. Contudo, dessa vez decidi levar a sério as palavras de Paulo. Eu olhei para o pecado do meu coração. Percebi que o que se disfarçava como um pequeno pecado tinha na verdade um tamanho bastante significativo. Abusei de forma descuidada e egoísta da confiança desse homem, atraindo a atenção dos outros às custas dele. Não apenas isso; o meu pecado contra Jesus foi ainda maior. A única razão pela qual eu dispunha dessa informação, em primeiro lugar, decorria do fato de esse homem ser meu irmão em Cristo, e eu havia insultado a dádiva desse relacionamento, concedida por Cristo. Quando priorizei algumas risadas em detrimento da dignidade desse homem, desvalorizei Jesus, que é a fonte da dignidade dele. Quanto mais acompanhava meu pecado até os recônditos do meu coração, pior ele parecia, e mais eu percebia que esse pecado era principalmente contra Cristo (Sl 51.4). Longe de ser o “pecadinho” que inicialmente rejeitei, era uma falha enorme e horrível.

Então começou a maravilhosa jornada até as alturas da misericórdia divina. Deus já sabia de tudo isso! Ele sabia de tudo quando, em sua misericórdia, enviou Jesus para morrer em meu lugar para receber o castigo que eu merecia. Ele me deu uma nova vida, sabendo que às vezes eu a usaria para difamar pessoas pelas quais ele morreu. Ele me amava muito. E, nas profundezas inexploradas da misericórdia divina, descobri um novo grau de amor a Deus. Todo o processo demorou talvez cinco ou dez minutos. No entanto, daí em diante, jamais considerei de novo a confissão de pecados um dever apenas superficial. Trata-se de uma oportunidade vívida de contemplar a misericórdia de Deus em todo o seu poder de conceder amor.

Irmão, se você deseja amar as “pessoas desagradáveis” em sua igreja, comece a compreender o quão desagradável você era quando Cristo escolheu colocar seu amor sobre si, e quão desagradável você permanece hoje, mesmo quando se encontra seguro em seu amor. Uma vez que você minimize o seu pecado, ou apresente desculpas para justificá-lo, ou decida não pensar sobre ele, você mina o poder de Deus em sua vida. Entretanto, quando você compreender a surpreendente verdade da misericórdia de Deus, tudo mudará. Em particular, mudará a sua capacidade de amar, que é para onde Paulo nos dirige a seguir.

 


Trecho extraído e adaptado da obra “Ame aqueles que te enlouquecem”, de Jamie Dunlop, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2025, p. 55-61.  Publicado no site Cruciforme com permissão.


Notas

[1] Corrie ten Boom, The hiding place (Bloomington: Chosen Books, 2006), p. 247-8 [publicado em português por Betânia sob o título O refúgio secreto].

[2] Definição de Irene Inohara: “A expressão tokenismo deriva do termo inglês token, que significa símbolo. Consiste na prática de fazer publicamente pequenas concessões a um grupo minoritário, tão somente para ocultar eventuais acusações de preconceito ou discriminação. Trata-se de uma estratégia para criar uma falsa aparência, ou seja, é uma medida que finge integrar, com poucas concessões, quando no fundo o que se pretende é manter as estruturas de dominação e assujeitamento. É o que ocorre quando há UM negro em algum ambiente disputado, ou UMA mulher em um contexto masculinizado, mas eles são apenas utilizados como peças simbólicas para que não haja maiores questionamentos”, disponível em: https://direitoadm.com.br/tag/tokenismo/, acesso em: 11 mar 2024. [N. do T.]


É pastor adjunto da Capitol Hill Baptist Church. Além dos deveres gerais que tem como pastor, de supervisionar a administração e a educação, ele também coordena a supervisão de várias organizações sem fins lucrativos sediadas na igreja. Coautor (com Mark Dever) de Comunidade cativante (Editora Fiel) e autor de Budgeting for a healthy church, Jamie e sua esposa, Joan, têm três filhos em idade escolar e moram em Capitol Hill, Washington, DC.
Há pessoas de contextos culturais variados, com suas personalidades únicas e até preferências musicais distintas. Para tornar o cenário ainda mais desafiador, as divergências sobre questões políticas e sociais têm sido um desafio à harmonia entre irmãos. No entanto, quando uma igreja está de fato centrada somente em Cristo, a unidade é fundamental para honrá-lo (Jo 17.23). A construção de amizades genuínas deve, portanto, transcender as barreiras da discordância. Em Ame aqueles que te enlouquecem, Jamie Dunlop explora oito verdades encontradas em Romanos 12 a 15 que nos ensinam como encontrar a unidade mesmo diante daquelas pessoas que lutamos para amar.

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