O preparo teológico e a plantação ou revitalização da Igreja | Franck Neuwirth

O tempo de Deus e o nosso tempo | John McAlister
06/jan/2025
O tempo de Deus e o nosso tempo | John McAlister
06/jan/2025

Foto de Kenny Eliason na Unsplash

Sendo professor numa instituição de ensino teológico, fico um tanto preocupado com alguns comentários desmerecendo o estudo das Escrituras que ouço de vez em quando. São comentários do tipo: “Não estude muito, pois a letra mata, o espírito vivifica” (Diga-se de passagem, uma má exegese de 2Coríntios 3.6 e uma total incoerência do argumento mal fundamentado, afinal de contas, foi por meio “da letra” que tal pessoa aprendeu este versículo). Ou ainda comentários mais “piedosos”, como por exemplo: “o importante é ter comunhão com Deus, as palavras, Ele irá nos dizer nos momentos necessários” (Mais uma exegese errada, só que agora de Marcos 13.11). Tais comentários partem de uma premissa de que o importante é cultivar a espiritualidade, não sendo necessário um aprofundamento teológico, como se ambas as coisas não devessem caminhar juntas. Aliás, a própria deficiência de exegese nas frases acima, já é uma prova de como é importante o preparo teológico.

Em se tratando da plantação ou revitalização das igrejas temos também um desafio muito parecido. Ao perceber as dificuldades de se iniciar um trabalho ou restaurar uma igreja, algumas pessoas têm a tendência de fazer comentários semelhantes aos mencionados acima, como se o maior desafio de uma igreja fosse somente cultivar a “espiritualidade” alheia ao que o próprio Espírito registrou em Sua Palavra. Estudar a Palavra de Deus também é ser espiritual.

Pior ainda é quando existe uma tendência de procurar os “culpados espirituais”, pela lentidão e desenvolvimento do trabalho, nas supostas “maldições” locais, como se o anúncio do Evangelho não fosse poderoso para prevalecer contra as portas do inferno e não fosse o ingrediente principal para a salvação das pessoas. Logicamente não estou falando sobre os fatores humanos que impedem o avanço da obra de Deus, como por exemplo a preguiça, que pode ser um fator de atraso no avanço de uma obra, mas estou falando sobre o trabalho de líderes sérios, mas que, ainda assim, enfrentam as dificuldades normais no avanço do reino.

Não quero, com tais argumentos, negligenciar a obra do Espírito Santo na plantação ou revitalização de igrejas. Eby afirmou que precisamos ter sempre Deus como o centro na nossa pregação: “A visão que tem Deus como centro vê o reavivamento como um trabalho sobrenatural de Sua graça. Sim, devemos obedecer, orar e evangelizar. Mas isso não garante resultados”[1]. Ele quer dizer com isso que toda pregação (e podemos afirmar, preparo teológico) deve ter a participação humana naquilo que compete a nós, no entanto o maior preparo humano não garante sucesso nesta importante tarefa, pois é o Espírito Santo quem convencerá as pessoas e atuará em seus corações. Certamente, isso não faz do preparo algo desnecessário, como Paulo bem destaca em 2Timóteo 2.15.

Sabemos que Jesus nos deu uma única tarefa para ser executada antes de ser assunto aos Céus: Fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.18). Esta é uma tarefa urgente e extremamente necessária. Porém não podemos realizar sublime tarefa sem o devido preparo. Como iremos ensinar as pessoas a guardar tudo o que Jesus ordenou sem que se conheça o que Ele nos ordenou? O conhecimento da Palavra de Deus é fundamental para a saúde do líder e para o plantio/revitalização de igrejas saudáveis. Ronaldo Lidório trabalha esta aparente “tensão” na seguinte perspectiva:

Missiologia e Teologia não devem ser tratadas como áreas separadas de estudo, mas como disciplinas complementares. A Teologia não apenas coopera com a Igreja ao fazê-la entender o sentido da Missão e a base para o plantio de igrejas como também provê o entendimento bíblico motivacional para o evangelismo. A Missiologia, por outro lado, dirige teólogos para o plano redentivo de Deus e os ajuda a ler as Escrituras sob o pressuposto de que há um propósito para a existência da Igreja[2].

Assim sendo, não podemos concordar que existe uma dicotomia entre a “missão” e a “teologia”. Plantar igrejas saudáveis envolve o conhecimento das Escrituras e a prática do ministério. Ambas, como ele destaca, são parceiras e complementares, não antagônicas!

Quero destacar neste breve artigo, algumas razões pelas quais o preparo teológico é extremamente necessário, tanto para a plantação de uma igreja saudável, como para restaurar a saúde de uma igreja doente e carente de revitalização:

  1. O conhecimento da Palavra é um fator básico para demonstrar a obediência a Deus: Sempre que o Senhor levantou líderes para conduzir Seu povo Ele os exortou para que guardassem a Sua palavra e que ensinassem o povo a fazer o mesmo. Isso nos mostra que não há como obedecer a Deus sem conhecer a vontade dEle revelada nas Escrituras. Temos exortações desta natureza, por exemplo, demonstradas na vida dos seguintes personagens: Moisés (Êxodo 19.3-8; Deuteronômio 28), Josué (Josué 1.1-9; 22.1-6), Davi (1Reis 2.1–4), Salomão (1Reis 9.1–9, porém não permaneceu firme, como lemos 1Reis 11.33), nos profetas do Antigo Testamento, nos apóstolos do Novo Testamento, na vida de Paulo e Timóteo (2Timóteo 2.2).
  2. A fé salvadora só vem através do contato com a Palavra de Deus: A Bíblia afirma que “a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.17), o que infere ser necessário conhecer a Palavra de Cristo a fim de poder compartilhá-la com veracidade às pessoas. Não há conteúdo para a pregação à parte daquilo que Jesus fez e ensinou, e isso tanto no Antigo Testamento, como no Novo Testamento. Toda Escritura é palavra de Deus e tem como alvo fazer com que o homem de Deus seja maduro na fé e apto para toda boa obra (2Timóteo 3.16).
  3. A formação e o crescimento de uma liderança sadia se dá pela transmissão da Palavra de Deus: Como já visto, o apóstolo Paulo exortou a Timóteo para que transmitisse o conhecimento bíblico a homens fiéis e idôneos para que instruíssem a outros (2Timóteo 2.2). Penso que ambas qualidades são extremamente necessárias, pois uma pessoa que não é fiel na transmissão da Palavra de Deus ensina heresia, já uma pessoa que não é idônea explora o rebanho, que por sinal, pertence a Deus.
  4. A edificação dos santos se dá pelo conhecimento da Palavra de Deus: Temos um ensinamento muito interessante sobre a edificação da igreja em Efésios 4.11-12, que diz: “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo”. Se meditarmos nas funções eclesiásticas destes que servem na igreja, iremos perceber que todos utilizam a Palavra para edificar o povo de Deus, proclamando as boas novas de salvação, exortando-o e ensinando-o a guardar tudo aquilo que Jesus nos ensinou.
  5. A palavra de Deus é nossa arma contra as heresias que querem invadir a igreja: Uma outra característica da liderança é ser “apegado à palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem” (Tito 1.9) para que possamos “calar” (Tito 1.11) os falsos mestres que contaminam a igreja com seus ensinos pervertidos e corrompidos.

Como percebemos, não devemos imaginar que o preparo teológico não é algo essencial para o líder eclesiástico se desejarmos plantar ou revitalizar uma igreja. Jesus disse que os saduceus erravam por não conhecerem as Escrituras nem o poder de Deus (Mateus 22.29), isto indica que ambos conhecimentos são importantes. Quem conhece somente as Escrituras, mas não conhece o poder de Deus se torna um hipócrita. Quem conhece somente um suposto “poder”, mas não possui o conhecimento das Escrituras para avaliar se este é o poder de Deus ou não cairá num fanatismo religioso. Conheçamos, portanto, as Escrituras e sejamos crentes fieis a Ele! Plantemos igreja saudáveis e que no poder do Espírito Santo alcance os perdidos para a glória do nosso Senhor!


Notas

[1] Eby, David. Pregação Poderosa para o Crescimento da Igreja: o papel da pregação em igrejas em Crescimento. São Paulo: Editora Candeia, 2001. p. 160.

[2] Lidório, Ronaldo. Teologia Bíblica do Plantio de Igrejas. Manaus: Instituto Antropos, 2011. p. 9.

 

Franck Neuwirth é Doutor em Ministério pelo Reformed Theological Seminary, EUA, em parceria com o Centro de Pós-graduação Andrew Jumper. É Escritor da Editora Cristã Evangélica e Coordenador Acadêmico no SETECEB, além de lecionar disciplinas na Área de Novo Testamento, Grego, Metodologia Científica e Aconselhamento. Atualmente, está cursando seu PhD pela Universidade de Viena na Áustria. Franck é casado com Ilma Rabelo Neuwirth e pai da Isabella e do Luiz Filipe.

Autor de "Aconselhamento para todos", no prelo, por Edições Vida Nova.

 

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