O problema de todas as teodiceias | Timothy Keller

A teologia de Deus e o genocídio cananeu | Walter C. Kaiser Jr.
06/jul/2016
Apologética, tecnologia e ciberespaço: Uma entrevista com Douglas Groothuis
11/jul/2016
A teologia de Deus e o genocídio cananeu | Walter C. Kaiser Jr.
06/jul/2016
Apologética, tecnologia e ciberespaço: Uma entrevista com Douglas Groothuis
11/jul/2016

William Blake, The Lord Answering Job Out of the Whirlwind

Outras teodiceias foram elaboradas através da história. Uma dessas, apresentada por C. S. Lewis em seu livro O problema do sofrimento e por Richard Swinburne, filósofo da Universidade de Oxford,[1] é chamada de teodiceia da lei natural. Ela argumenta que o mundo criado por Deus deve ter uma ordem natural — não pode ser aleatório, funcionando de maneira diferente a cada instante. Se infringimos as leis naturais, elas têm um efeito rebote em nós. Imagine, por exemplo, um mundo físico sem nenhuma lei de gravidade. Mas se a gravidade existe, se pularmos de um despenhadeiro, acabaremos machucados ou mortos, quer sejamos pessoas boas, quer ruins. Sem leis naturais, a vida é impossível; então, o sofrimento é inevitável. As maldades naturais que machucam tão profundamente são subprodutos de algo que nos oferece benefício muito maior.

No entanto, o sofrimento, na maioria dos casos, não acontece de modo ordenado, proporcional às escolhas malfeitas. Se as pessoas se machucassem apenas quando fizessem algo tolo, como pular de um penhasco, haveria sofrimento, porém este seria justificado. As pessoas não morrem somente quando caem de um despenhadeiro, mas também quando o despenhadeiro desaba numa avalanche e soterra transeuntes inocentes. Geralmente, o sofrimento é aleatório e horrível, e acomete pessoas que não parecem ter feito nada para merecê-lo.

A lista de teodiceias não termina aqui. Algumas são engenhosas, mas talvez um tanto complicadas, como a teoria da plenitude, segundo a qual Deus poderia ter criado inúmeros universos, e a repartição da maldade seria diferente em cada um, porém equitativa de modo geral.[2] Outras são simples demais, como a teodiceia da punição, que examina o início de Gênesis e conclui que todo sofrimento é justificável porque a humanidade se rebelou contra Deus, e o sofrimento do mundo é a punição que merecemos pelo pecado.

Contudo, como o livro de Jó mostra tão claramente, esta última teodiceia não explica por que o sofrimento — se é castigo pelo pecado — não atinge as pessoas de acordo com a bondade ou maldade de seu caráter. Por que Deus permite que a aplicação do “castigo” seja tão aleatória e injusta? Esse ponto de vista revela um dos mesmos problemas da teodiceia do livre-arbítrio. Por que Deus não convenceu nossos antepassados humanos a segui-lo sem infringir o livre-arbítrio, evitando o castigo? E como a Bíblia ensina que um dia Deus acabará com o mal e o sofrimento, por que um Deus amoroso e onipotente permite que eles continuem a existir?

Reunidas, as diferentes teodiceias justificam muito do sofrimento humano — cada uma oferece algumas explicações plausíveis para algum mal que acontece no mundo —, mas acabam falhando em explicar a razão de todo sofrimento. É muito difícil afirmar que qualquer uma delas prova, de modo convincente, que Deus está totalmente justificado em permitir toda a maldade que observamos ao redor. Peter van Inwagen escreve que nenhuma igreja, denominação ou tradição cristã importante jamais endossou qualquer teodiceia em particular.[3] Alvin Plantinga afirma: “Em minha opinião, quase todas as tentativas de explicar por que Deus permite a maldade — teodiceias, como dizem — são mornas, superficiais e, em última análise, frívolas”.[4] E a isso nós podemos acrescentar o livro de Jó. Naturalmente, como veremos, um dos ensinos do livro é sobre a futilidade e impropriedade de achar que a mente humana é capaz de entender todos os motivos de Deus para qualquer situação de dor e sofrimento, muito menos para toda a maldade. Talvez a Bíblia esteja nos advertindo a não formular essas teorias.

Nas últimas décadas, portanto, a maioria dos pensadores e filósofos cristãos abandonou a ideia de elaborar teodiceias abrangentes. Ao contrário, recomendam (e a meu ver, acertadamente) que os cristãos não procurem formular teodiceias, mas simplesmente preparem uma defesa. A defesa se exime da responsabilidade de contar uma história completa revelando os propósitos de Deus ao decretar ou permitir a maldade. Ela simplesmente busca provar que o argumento do mal contra Deus é falho, que os céticos não conseguiram provar seu ponto de vista. A defesa mostra que a existência do mal não significa que Deus não possa existir ou provavelmente não exista. Na formulação de uma teodiceia, o ônus da prova recai sobre a pessoa que crê em Deus. Ela deve apresentar um relato tão convincente que o ouvinte lhe responda: “Agora entendo por que todo o sofrimento vale a pena”. Contudo, na defesa, o ônus da prova recai sobre o cético. Por quê?

Leia também  É correto afirmar "Ave, Maria, cheia de graça"? | R. C. Sproul

Na superfície, estas duas afirmações: “Existe um Deus bom e onipotente” e “Existe maldade neste mundo” não se contradizem diretamente. Cabe ao cético apresentar um argumento convincente de que, na verdade, elas se contradizem. O argumento tem de ser tão convincente que o ouvinte responda ao cético: “Agora vejo por que, se o mal existe, Deus não pode existir ou, no mínimo, provavelmente não exista”. Seja como for, não é um argumento fácil de ser defendido.

__________________________

[1] C. S. Lewis, The problem of pain (Harper eBook, 2009) [edição em português: O problema do sofrimento (São Paulo: Vida, 2006)]; Richard Swinburne, Providence and the problem of evil (Oxford University Press, 1998).

[2] Veja Donald A. Turner, “The many-universes solution to the problem of evil”, in: Richard M. Gale; Alexander R. Pruss, orgs., The existence of God (Aschgate, 2003), p. 143-59.

[3] Ibidem.

[4] Alvin Plantinga, “Self-profile”, in: James E. Tomberlin; Peter van Inwagen, orgs. Alvin Plantinga (Reidel, 1985), p. 35.

Trecho extraído da obra “Caminhando com Deus em meio à dor e ao sofrimento”, de Timothy Keller, publicado por Vida Nova: São Paulo, 2016, p. 112-114. Traduzido por Eulália Pacheco Kregness. Publicado com permissão.

Timothy Keller nasceu e cresceu na Pensilvânia, com formação acadêmica na Bucknell University, no Gordon-Conwell Theological Seminary e no Westminster Theological Seminary. Ele é pastor da Redeemer Presbyterian Church, em Manhattan. Já esteve na lista de best-sellers do New York Times e escreveu vários livros, entre eles A fé na era do ceticismo, Igreja centrada, A cruz do Rei, Encontros com Jesus, Ego transformado, Justiça generosa, entre outros, todos publicados por Vida Nova.
caminhando-deus-em-meio-dor-sofrimento“SE VOCÊ CRÊ EM JESUS E DESCANSA EM SEUS BRAÇOS, O SOFRIMENTO ESTARÁ PARA O SEU CARÁTER ASSIM COMO O FOGO PARA O OURO.”

“Você deseja saber quem é, quais são seus pontos fortes e fracos? Deseja ser uma pessoa compassiva que sabe ajudar os que estão sofrendo? Quer confiar tanto em Deus que não se abalará com as decepções da vida? Deseja ter sabedoria para direcionar a vida? Esses quatro desejos comuns são cruciais, mas nenhum deles é alcançado sem sofrimento. Não há como saber quem realmente somos até sermos provados. Não há como demonstrar empatia e solidariedade para com as pessoas que sofrem, a não ser que tenhamos sofrido. Não há como aprender de verdade a confiar em Deus até começarmos a afundar nas águas.”

Explicar por que Deus permite dor e sofrimento no mundo é uma questão que tem exasperado o ser humano há milênios. Timothy Keller, autor de obras que já venderam milhões de exemplares no mundo inteiro, para leitores religiosos ou não, analisa essa questão mostrando que há sentido e razão por trás de nossa dor e sofrimento e defendendo o argumento forte e inovador de que essa parte essencial da experiência humana só pode ser superada pela compreensão de nosso relacionamento com Deus.

Publicado por Vida Nova.

1 Comments

  1. Andre disse:

    Olá, boa tarde, Sou André da Editora Crisã Evangélica e gosaria de publicr esse texto em um de nossos livros didáticos.

    Ë possível

Deixe uma resposta