
O casamento solidificado no Evangelho | Jim Newheiser
31/mar/2025
NYC Wanderer (Kevin Eng), CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons
Jonathan Wilken segue as notas de rodapé para explicar por que as antigas traduções latinas das Escrituras são úteis para os modernos tradutores da Bíblia.
Se você ler uma Bíblia em português, verá que existem notas de rodapé informando que alguns manuscritos dizem algo diferente do que está impresso no texto principal. Os textos bíblicos chegaram até nós por um processo de cópia de manuscritos hebraicos ou gregos. Os escribas cometeram alguns erros, de modo que às vezes encontramos trechos em que nem todos os manuscritos concordam. Nesses casos, os tradutores podem averiguar o que dizem os “melhores” manuscritos, ou a maioria deles, tentando chegar ao que o autor escreveu originalmente, e assim surgem muitas de nossas notas de rodapé.
No entanto, talvez você encontre outras notas de rodapé informando que as versões da Vetus Latina (“latina antiga”) ou da “Vulgata latina” dizem algo diferente. Isso pode suscitar a questão: por que se importar com isso? Você pode ter ouvido falar, por exemplo, que temos mais de 5 mil manuscritos do Novo Testamento no grego original. Se é assim, por que precisamos das traduções latinas? Se temos toda essa comprovação na língua original, por que os tradutores se preocupam com redações de uma versão antiga?
Por que tradutores leem traduções?
Para responder a essas perguntas, podemos começar com o motivo pelo qual os tradutores se interessam pelas traduções antigas. Geralmente, os tradutores modernos da Bíblia em português oferecem uma tradução das palavras encontradas na edição crítica dominante do texto no idioma original: normalmente a edição mais recente da Biblia Hebraica, para o Antigo Testamento hebraico, e o texto da Sociedade Bíblica Unida/Nestle-Aland, para o Novo Testamento grego. Mas existem dois problemas que as versões antigas podem ajudar os tradutores a resolver.
A primeira é quando discordâncias ou estranhezas entre os manuscritos da língua original não permitem ter certeza quanto à redação original. Nesse caso, os tradutores podem consultar as versões antigas para resolver a controvérsia. Se todas as versões, ou a maioria delas, favorecem uma redação em detrimento da outra, eles podem adotar essa redação. Por exemplo, em Juízes 18.30 (ESV, traduzida diretamente), lemos o seguinte:
E o povo de Dã fez para si aquela imagem de escultura; e Jônatas, filho de Gérson, filho de [Manassés/Moisés], e seus filhos foram sacerdotes da tribo dos danitas até ao dia do cativeiro da terra.
O problema para os tradutores é que muitos manuscritos hebraicos dizem que o Jônatas em questão é neto de Manassés, mas muitos outros dizem que ele é descendente de Moisés. Se as únicas fontes disponíveis fossem os manuscritos hebraicos, eles estariam divididos entre as duas possibilidades. No entanto, como afirma a nota de rodapé da NVI de 2011, tanto a Septuaginta grega quanto a Vulgata latina apoiam a palavra “Moisés” aqui. Os tradutores da NVI, portanto, escolheram “Moisés” como a melhor opção, assim como os editores da ESV e de outras traduções.
O segundo problema surge quando os manuscritos da língua original concordam quanto ao texto, mas o significado de uma palavra ou expressão incomum é obscuro. Nesse caso, as versões latinas funcionam como um auxílio à tradução, ajudando a esclarecer o significado. Por exemplo, em Jó 6.14:
Aquele que [למָּס] compaixão a um amigo abandona o temor do Todo-Poderoso.
Se você está se perguntando: “Mas o que significa למָּס?”, saiba que você não está sozinho! Essa palavra, pelo menos nessa forma, não ocorre em nenhum outro trecho do Antigo Testamento hebraico. Isso, entre outros fatores, levou os tradutores da ESV a simplesmente admitir em uma nota de rodapé que “o significado da palavra hebraica é incerto”.
Felizmente, a Vulgata latina (e algumas outras fontes) traduz essa passagem com bastante clareza, usando a palavra comum tollit (“tirar” ou “reter”). Assim, a ESV traduz esse versículo como: “Aquele que nega compaixão a um amigo abandona o temor do Todo-Poderoso”.
Quais traduções os tradutores leem
Dos exemplos acima, pode-se deduzir que, para os propósitos dos tradutores modernos, o valor de qualquer versão antiga depende de pelo menos dois pontos principais. Primeiramente, para nos ajudar a descobrir as redações mais antigas no idioma original, a versão deve ter sido traduzida desse idioma. Além disso, ela deve ser suficientemente antiga. Uma tradução feita no terceiro século da era cristã pode nos informar quais palavras os tradutores estavam vendo em manuscritos gregos ou hebraicos feitos até então. Essa informação é muito útil, se queremos recuperar o texto do Novo Testamento do primeiro século. Mas uma tradução feita, digamos, no século XI já não seria tão útil, uma vez que só se pode esperar que ela nos informe que tipos de redações estavam disponíveis mil anos depois que o Novo Testamento foi escrito.
Em segundo lugar, a versão precisa ser suficientemente clara e confiável, e seus manuscritos precisam concordar entre si o suficiente para que se possa discernir a redação original da tradução. Mesmo que uma tradução seja antiga, será de pouca utilidade se não pudermos determinar com segurança o que ela dizia inicialmente, ou qual texto grego ou hebraico o tradutor tinha diante de si. Se um tradutor foi incoerente em seu método, ou se uma tradução foi produzida por muitas pessoas com vários graus de competência, pode ser menos útil do que uma tradução um pouco mais recente produzida por um tradutor competente e coerente.
Isso ajuda a explicar por que a Vetus Latina e a Vulgata são citadas em traduções modernas. As duas são fontes antigas derivadas das línguas originais, podendo, portanto, lançar luz sobre os textos hebraicos e gregos subjacentes. No entanto, para entender melhor por que múltiplas versões latinas são usadas hoje, será útil examinar brevemente a história dessas traduções.
Uma página do livro de Juízes no Codex Amiatinus, considerado o manuscrito mais bem preservado da Vulgata Latina. Florença, Biblioteca Laurenziana, Ms. Amiat. 1, c.211v, World Digital Library.
A solução da Vulgata para um problema da Vetus Latina
Manuscritos latinos que parecem representar uma tradução feita antes da tradução de Jerônimo, do final do século IV, são normalmente classificados coletivamente como Vetus Latina. Nesse contexto, “Vetus” (antiga) é mais um termo relativo. A oportunidade para o surgimento dessa tradução parece ter surgido da mudança cultural que ocorreu no Império Romano quando o latim substituiu o grego como língua dominante. No período do Novo Testamento e no século imediatamente seguinte, o grego era a língua franca do império romano. É por isso que todos os documentos do Novo Testamento foram originalmente escritos em grego, bem como a maioria dos escritos da Igreja produzidos no século II (por exemplo, as epístolas de Clemente, a Didaquê e o Pastor de Hermas).
Esse cenário parece mudar por volta da virada do III século. A partir desse momento, uma quantidade cada vez maior de textos dos Pais da Igreja passou a ser produzida em latim, assim como muitas de suas citações do Antigo e do Novo Testamento. Pelo menos no âmbito da igreja ocidental, o latim tornou-se a língua dominante nesse período, e o grego foi sendo gradualmente esquecido. À medida que o número de cristãos ocidentais capazes de entender o grego diminuía, uma tradução latina tornou-se necessária. A versão latina antiga, ou Vetus Latina, atendeu a essa necessidade.
Estritamente falando, a Vetus Latina pode não ser uma versão, mas várias, feitas entre o final do século II e o início do século III. Alguns estudiosos sugerem que a tradição da Vetus Latina pode vir de uma única tradução de toda a Bíblia. A maioria, no entanto, tem defendido que cada livro da Bíblia (ou uma pequena coleção de livros) foi traduzido individualmente, provavelmente por várias pessoas em vários lugares, embora seja possível que uma única tradução de cada livro tenha sido feita inicialmente, e essas traduções passaram por muitas revisões nos séculos III e IV. Seja qual for o caso, o resultado final é o mesmo: ao fim do século III, todos os escritos do Antigo Testamento e do Novo Testamento tinham sido traduzidos para o latim. Hoje, essas traduções são coletivamente chamadas de Vetus Latina.
No entanto, na segunda metade do século IV, os manuscritos dessa tradução em latim antigo discordavam tanto uns dos outros, que estudiosos como Agostinho e Jerônimo queixaram-se de estar lutando em vão para encontrar dois que concordassem. Esse era o problema que a Vulgata deveria resolver.
Na segunda metade do século IV, o papa Dâmaso encarregou Jerônimo de produzir uma revisão da Vetus Latina para os quatro Evangelhos. Jerônimo parece ter feito isso comparando as várias redações latinas e corrigindo-as, conforme necessário, para corresponder ao texto grego que ele tinha disponível. Esse trabalho sobre os Evangelhos foi completado antes da morte de Dâmaso, em 384 d.C., após o que Jerônimo voltou sua atenção para o Antigo Testamento, produzindo uma nova tradução da Bíblia Hebraica para o latim. O restante do Novo Testamento parece ter sido traduzido no início do século V, embora por alguém (ou mais de uma pessoa) misterioso, que não Jerônimo. Esse trabalho de tradução posterior veio a ser considerado como parte do mesmo projeto iniciado por Jerônimo. Com o tempo, essa obra composta ficou conhecida como a Vulgata Latina.
Embora um pouco menos antiga, a Vulgata tem algumas vantagens sobre a Vetus Latina. Como a maior parte da Vulgata foi produzida por um único tradutor e revisor competente, o método de tradução é um pouco mais coerente. Jerônimo produziu uma tradução geralmente precisa e literal das línguas originais que, no entanto, era fluente e legível em latim. Além disso, enquanto Jerônimo fez sua tradução do Antigo Testamento diretamente dos manuscritos hebraicos, a Vetus Latina parece ter sido traduzida a partir da tradução grega do texto em hebraico. Isso significa que, das duas, apenas a Vulgata apresenta um testemunho direto do antigo texto hebraico. Finalmente, enquanto os testemunhos da Vetus Latina são geralmente percebidos como mais diversificados, ou mesmo caóticos, no que se refere à qualidade e aos tipos de redação que apresentam, os da Vulgata mostram comparativamente mais concordância, além de serem muito mais numerosos.
Por que os tradutores amam o latim
Tanto a Vulgata quanto a Vetus Latina são ferramentas úteis para os tradutores de hoje. Provavelmente remontando ao segundo século, os manuscritos da Vetus Latina podem por vezes apresentar uma forma do texto tão antiga quanto qualquer manuscrito da língua original, pelo menos no caso do Novo Testamento. Mas a maior clareza e coerência encontradas entre os manuscritos da Vulgata parecem gerar mais confiança entre os tradutores e editores modernos. Tendo sido produzida principalmente no século IV, a Vulgata ainda pode ser contada entre os testemunhos mais antigos de todo o Antigo e Novo Testamento. A qualidade geral e a coerência da versão, além de sua relação com o hebraico original do Antigo Testamento, fazem com que ela seja particularmente útil para resolver os dois problemas mencionados no início deste artigo. Ela ajuda os tradutores modernos a recuperar a forma mais antiga do texto hebraico ou grego e esclarece o significado de termos obscuros nas línguas originais.
Jonathan Wilken é Doutorando na Universidade de Cambridge |
Texto original: Following the Footnotes: The Old Latin and the Vulgate Tyndale House Cambridge. Traduzido por Lucilia Marques e publicado no site Cruciforme com permissão. | ![]() |