Por que precisamos de mais pastores como Agostinho | Bryan Litfin 

“Refugia-te em Jesus” | Charles Spurgeon
23/jun/2025
“Refugia-te em Jesus” | Charles Spurgeon
23/jun/2025

Philippe de Champaigne Public domain, via Wikimedia Commons

O best-seller A Opção Beneditina, de Rod Dreher, publicado em 2017, conquistou muitos leitores cristãos por dois motivos principais. O primeiro foi o alerta direto aos conservadores que ainda tentavam resistir à crescente onda de hostilidade contra o cristianismo. “É tarde demais”, afirmou Dreher. “Não há mais como voltar à América judaico-cristã.” E, no fundo, todos sabíamos que ele tinha razão. Quer estivéssemos preparados ou não, uma grande mudança estava por vir. 

Mas o segundo ponto de Dreher era tão importante quanto o primeiro: para seguir em frente, precisamos olhar para trás. Construir uma nova cultura cristã vai exigir que busquemos inspiração nas riquezas do passado. Quem diria que Bento de Núrsia, um monge do século VI, acabaria sendo parte da resposta para os nossos tempos? Ainda assim, Dreher acertou: o futuro passa pelo antigo. Os cristãos já enfrentaram desafios parecidos antes — e temos muito a aprender com a história enquanto encaramos o que pode ser uma nova Idade das Trevas. 

O subtítulo da obra de Dreher promete “Uma estratégia para cristãos em uma nação pós-cristã”. Mas será que é só a nossa nação que deixou de refletir os princípios básicos do cristianismo? E se a própria igreja evangélica também já tiver entrado numa fase pós-cristã? Talvez essas quatro décadas tentando “contextualizar” a fé para se adaptar ao espírito do tempo não tenham transformado tanto a sociedade, mas sim a própria igreja. No fim, acabamos nos parecendo mais com o mundo, enquanto poucos de lá realmente passaram a fazer parte de nós. E os pastores também não ficaram fora desse movimento. 

Quando um pastor passa muito tempo olhando para fora — mesmo com a boa intenção de adaptar a fé para quem não acredita — ele acaba mudando, inevitavelmente. Como diz James K. A. Smith, “você é aquilo que ama”. Mais ainda, você se torna aquilo em que fixa o olhar. Quando a sociedade idolatra poder, dinheiro e sexo, não dá para ficar olhando para esses ídolos por muito tempo sem acabar sendo puxado por eles. Quando a cultura pop coloca celebridades brilhantes ou gurus da vez no topo, você começa a seguir o jeito deles de agir. Quando as empresas se tornam globais e lançam novas tendências, o seu lado empreendedor toma conta. Em algum momento, o pastor vira uma celebridade, um viajante do mundo, um CEO. E o mundo “lá fora” parece importar mais do que as próprias ovelhas do seu rebanho. 

Mas as coisas nem sempre foram assim. Chegou a hora da igreja pós-cristã voltar às suas raízes locais. Os bispos e presbíteros da igreja antiga buscavam apenas um ministério fiel — que às vezes podia levar até ao martírio — dentro de suas paróquias. O foco deles era a paroikia: uma “comunidade de passagem” em um tempo e lugar específicos. Os primeiros cristãos sabiam como viver uma vida simples. Uma vida voltada para dentro. Uma vida local. Uma vida humilde. Mas nunca uma vida sem impacto. Mesmo com essa escolha consciente de se colocarem em segundo plano, aqueles primeiros fiéis derrubaram um império. Será que essa sabedoria, aplicada com constância, pode fazer o mesmo novamente? 

 

O perfil de santo Agostinho 

 Agostinho representou como ninguém a antiga vocação pastoral. Mas quem ele foi de verdade? A história contada nas Confissões passa para muita gente a imagem de um playboy rebelde que, no fim, encontrou Deus num jardim em Milão. A cena da conversão é mesmo impactante. Angustiado e carregado pelos seus pecados, Agostinho finalmente parou de resistir e se entregou a Deus. Seu coração inquieto, enfim, encontrou o que tanto buscava. 

Mas e o que veio depois? A verdade é que a vida de Agostinho como pastor foi tudo, menos tranquila. Para conhecer essa parte da história, não basta olhar para as Confissões — é preciso recorrer aos seus sermões, escritos e, principalmente, à biografia feita pelo seu secretário, Possídio. O que os pastores podem aprender com Agostinho a fim de serem bons pastores hoje? 

Aqui estão três ensinamentos que vêm da prática pastoral de Agostinho e que oferecem um caminho sábio para enfrentarmos essa nova era pagã. 

 

Se dedique ao ministério 

Quando Agostinho foi chamado na igreja para assumir o serviço pastoral na cidade africana de Hipona, na verdade ele estava tentando recrutar irmãos para o seu mosteiro afastado. Mesmo depois de aceitar esse chamado inesperado para ser pastor, ele nunca mais deixou de lado a sua vocação ministerial. 

Possídio conta que Agostinho era simples no jeito de se alimentar e de se vestir, sempre buscando um equilíbrio entre a ganância e a falsa modéstia. Quando luxos ou terras eram doados à igreja, ele vendia tudo e distribuía o dinheiro entre os pobres. Sua alimentação era sempre comedida — suficiente para manter-se, mas longe dos excessos dos ricos que se entregam à gula. As conversas à mesa eram sempre intelectuais e inspiradoras. Havia um aviso escrito: “Quem fala mal de um amigo ausente / Não é bem-vindo à nossa mesa.” 

Para Agostinho, a santidade pessoal era fundamental. Mulheres não podiam morar em sua casa, nem ficar a sós com ele ou com os irmãos, para evitar tentações ou fofocas escandalosas. Da mesma forma, ele mantinha distância do dinheiro. Seus registros financeiros ficavam sob responsabilidade de funcionários confiáveis, sobre os quais ele tinha controle indireto. No fim do ano, as contas eram apresentadas para sua aprovação. Agostinho recebia da igreja apenas uma quantia modesta para suas despesas diárias, nada além disso. 

 

Foque no rebanho 

O pastor Agostinho dedicava-se ao seu próprio rebanho. Isso não significa que ele não se preocupasse com o mundo ao redor — ele participava frequentemente dos concílios da igreja na capital da África, Cartago. Mas sua maior prioridade sempre foi cuidar da comunidade que lhe foi confiada em Hipona. 

Uma das funções mais importantes de Agostinho era atuar como juiz (1 Coríntios 6:1–8), uma tarefa difícil e pesada, mas que ele levava muito a sério. Assim, ele garantia justiça para os pobres, especialmente quando os tribunais pagãos corruptos só aceitavam casos mediante subornos. Agostinho frequentemente defendia os membros da igreja diante dos poderosos governantes da cidade, sempre com sabedoria e sensibilidade. Viúvas, órfãos e doentes da comunidade recebiam todo o cuidado e atenção pastoral dele. 

Agostinho também cuidava do seu rebanho no aspecto doutrinário. Era um pensador profundo, capaz de compreender os tempos e enxergar além da confusão cultural da sua época. Quando surgiam heresias como o Pelagianismo ou o Donatismo, Agostinho agia rapidamente para proteger seu povo dessas falsas doutrinas. Ele tinha a sabedoria para identificar a doutrina correta, a coragem para defendê-la e o amor pastoral para exigir que seu povo a seguisse. O pastor cuidava tanto da mente quanto do corpo das suas ovelhas. 

 

Não tema os bárbaros 

Nos últimos anos da vida de Agostinho, os vândalos começaram a avançar pela África do Norte. Esses saqueadores, que vieram da Espanha, iam conquistando as cidades romanas uma a uma. Seus ataques eram violentos e marcados por assassinatos, estupros, torturas, incêndios, escravidão e o saque das igrejas cristãs. Naquela época, vandalismo tinha um significado bem mais grave do que apenas pichação! Muitos fiéis perguntavam a Agostinho se era certo fugir diante de um inimigo tão cruel. 

A resposta de Agostinho foi sábia e corajosa. Possídio guardou a carta que ele enviou como resposta. Nela, Agostinho diz que os cristãos comuns podem fugir dos bárbaros, mas os pastores devem ficar até não sobrar mais ninguém no seu rebanho. “O amor de Cristo,” escreve Agostinho, “[que] nos une para não abandonar as igrejas que devemos servir, não pode ser quebrado.” O medo da horda bárbara jamais pode vencer a vocação sagrada do pastor. 

É verdade que Agostinho era influenciado pela ideia de que os sacramentos só trazem salvação quando ministrados por um ministro ordenado. Mas isso fazia parte de uma preocupação maior com o cuidado pastoral e a evangelização. O pastor do rebanho de Deus ocupa um cargo “sem o qual ninguém poderia viver uma vida cristã nem se tornar cristão”. Quando um pastor permanece ao lado do seu povo mesmo em meio à perseguição, ele coloca em prática o que está em 1 João 3:16: “Nisso conhecemos o amor: que Cristo deu a vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos.” 

 

Pastoreie até o fim da vida 

No ano 430 d.C., o já idoso Agostinho estava deitado em seu leito, doente, meditando nos salmos penitenciais, enquanto os vândalos ameaçavam do lado de fora das muralhas da cidade. Seus últimos dez dias foram dedicados a orações constantes e solitárias. “Até o momento da sua última doença,” recorda Possídio, “ele pregou a Palavra de Deus na igreja de forma incessante, vigorosa e poderosa, com a mente clara e o juízo equilibrado.” 

Agostinho morreu rodeado pelos irmãos pastores e foi enterrado com honra. Ele nem se preocupou em fazer um testamento, pois, como um “servo pobre de Deus”, não tinha bens materiais para deixar. O que deixou foram discípulos fiéis e palavras poderosas. Que todo pastor possa partir assim: honrado pelo legado e seguro de que a próxima geração está pronta para seguir com a missão do evangelho — mesmo quando os bárbaros estiverem às portas. 

 

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Texto original: Why We Need More Pastors Like Augustine. Traduzido e publicado no site Cruciforme com permissão.

 

Formado em jornalismo pela University of Tennessee, é mestre em Teologia Histórica pelo Seminário de Dallas e Ph.D. no campo da História da Igreja pela University of Virginia. Atualmente é professor de Teologia no Moody Bible Institute, em Chicago, Illinois. É autor de Conhecendo os pais da igreja: uma introdução evangélica, publicado por Vida Nova.

 

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