Quem foram os magos? | Tony Watkins

Não pule a genealogia | Gedimar Junior
16/dez/2024
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16/dez/2024

No relato de Mateus sobre o nascimento de Jesus, lemos sobre magos do Oriente que trouxeram presentes para Jesus. No entanto, não há muitas informações sobre eles na passagem. Neste artigo, Tony Watkins explora quem eram esses visitantes e de onde vieram.

Somos os três reis do Oriente?” [1] As palavras iniciais de um famoso hino de Natal fazem uma grande suposição sobre os magos e os identificam, erroneamente, como reis. Mateus, o único que fez menção a eles, nos conta sobre três presentes (Mateus 2.11), mas não diz quantas pessoas os trouxeram. Magi (magos), o plural de magus, é uma palavra latina que veio da cultura antiga do Império Persa, através do grego. [2] Magos pode significar uma variedade de coisas, incluindo “mágicos” e, como é frequentemente traduzido, “homens sábios”. A ideia de que os magos eram reis vem da conexão com dois textos do Antigo Testamento que antecipam a vinda do Messias. O primeiro é Salmos 72.10-11:

Paguem-lhe tributo os reis de Társis e das ilhas;

os reis de Sabá e de Seba ofereçam-lhe presentes.

Todos os reis se prostrem perante ele;

todas as nações o sirvam.

O outro texto é Isaías 60.6:

A multidão de camelos cobrirá a tua terra,

os camelos novos de Midiã e Efá;

todos os de Sabá virão;

trarão ouro e incenso

e proclamarão os louvores do Senhor.

É bem provável que este versículo seja o responsável por fixar, no imaginário dos cristãos, a imagem dos magos montando em camelos. No entanto, sobre a presença ou não de camelos na cena, Mateus se mantém em silêncio (assim como Lucas se cala sobre a presença ou não de um burro). Pode ser tentador afirmar que os magos, como reis, são precisamente o cumprimento do Salmo 72, mas seria desonesto para qualquer rei de Társis (geralmente localizado no Mediterrâneo ocidental) ou das regiões costeiras alegar que vieram do Leste. Sim, os magos podem muito bem ter montado em camelos, mas aparecer com uma “multidão de camelos” teria causado um grande alvoroço. Da mesma forma, insistir demais nos detalhes do trecho de Isaías 60.6 também levanta a questão de como a mirra terminou entre os presentes. O fato é que a narrativa de Mateus certamente evoca essas duas passagens em nossas mentes. No entanto, como acontece com muitas profecias messiânicas, o cumprimento é um eco do tema original, por assim dizer, e não necessariamente o tema em si.

Mateus nos dá poucos detalhes a respeito de quem eram os magos e de onde eles tinham vindo. Presumivelmente, isso era óbvio para os seus primeiros leitores, e Mateus queria que nossa atenção estivesse voltada para o Senhor Jesus, e não para os visitantes. No entanto, eles são figuras intrigantes, e muitos de nós gostaríamos de obter algumas respostas sobre eles.

O caminho mais seguro para identificar a natureza de quem eram os “magos do Oriente” é vê-los como astrônomos-astrólogos (não havia distinção no mundo antigo entre observar os céus ou interpretar o que se via nele) da Babilônia. Vale a pena considerar o contexto dessa ideia.

 

Descrição da foto – Eclipse Lunar, foto de Martin Adams via Unsplash

 

O contexto das adivinhações

 

Para um governador mesopotâmico, os sinais nos céus eram a forma como os deuses se comunicavam a respeito dos reis e dos países. Os adivinhos eram aqueles envolvidos com a vida de estudo e que atuavam nesse processo complexo de reconhecer os sinais dos céus e interpretá-los, tendo como base: as listas de presságios, os comentários sobre essas listas e as discussões feitas entre eles. O compêndio mais importante de presságios celestes é uma coleção de cerca de setenta tabuinhas chamada Enuma Anu Enlil, datada no final do segundo milênio a.C. Fontes assírias e babilônicas informam que esses adivinhos mantinham o rei atualizado sobre o que estava acontecendo nos céus e quais eram as implicações da mensagem tanto para aquilo que o rei deveria fazer quanto para o que poderia acontecer com ele. Caso os presságios fossem ruins, haviam diversos rituais apotropaicos (literalmente pode ser entendido como “desviar”) para livrá-lo do perigo. Nos casos mais graves – indicados pelo eclipse – o rei podia se afastar por um período, para que um pebleu pudesse substituí-lo, e sofrer em seu lugar o desastre iminente.

 

Enuma Anu Enlil – commentary on tablet 50, 7th cent. BC © The Trustees of the British Museum. Shared under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International (CC BY-NC-SA 4.0) licence.

 

Esse tipo de adivinhação era, nitidamente, uma prática dos mesopotâmicos. Depois que os persas conquistaram a Babilônia em meados de 539 a.C., o trabalho de adivinhação pareceu ser menos importante, embora haja diversas evidências de que tanto os governantes persas quanto os gregos faziam consultas com os astrólogos babilônicos.

Diodoro da Sicília (século I d.C.) disse que os caldeus (os adivinhos da Babilônia) faziam previsões por meio da observação das estrelas para vários reis, incluindo Alexandre, o Grande. Ele também disse que Alexandre ouviu deles que venceria o rei Dario III da Pérsia (Library of History, 2.31). Diodoro não entrou em detalhes sobre o que havia levado eles a fazer tal previsão, mas houve um eclipse lunar na Babilônia em 21 de setembro de 331 a.C., dez dias antes da Batalha de Gaugamela. [3] Os eclipses eram presságios particularmente graves, então é provável que os adivinhos tenham interpretado o evento celestial como uma previsão da vitória do seu novo rei de origem ocidental. O historiador grego Arriano de Nicomédia (86-160 d.C.) nos conta que o vidente Aristander, o preferido de Alexandre, o Grande, havia interpretado o eclipse prevendo sua vitória (Anabasis, 3.16.6-7). Ele também nos fala que uma delegação de babilônios foi, com presentes, ao encontro de Alexandre e se ofereceu para entregar sua cidade a ele (Anabasis, 3.16.3). Desta forma, parece provável que isso tenha acontecido em resposta ao trabalho de adivinhação, e pode ser que eles, inclusive, tenham feito parte desta delegação.

O historiador romano Quinto Cúrcio Rufo (? – 50 d.C.) descreveu a entrada triunfal de Alexandre na Babilônia após a vitória sobre Dário (History of Alexander, 5.19-22). A entrada, segundo ele, estava adornada com flores e rodeada por altares de prata que queimavam incenso e outros perfumes. Alexandre foi saudado pela multidão com muita animação. Com ele havia presentes (cavalos, gados, leões e leopardos em gaiolas) e um grupo de pessoas, como os magos e os caldeus (adivinhos). Adiante, o encontro entre Alexandre e os adivinhos babilônicos se repetiu oito anos depois de seu triunfo em 323 a.C., conforme relatou Diodoro. Dessa vez a mensagem girou em torno de que se Alexandre entrasse na Babilônia, certamente ele morreria, de acordo com os sinais do céu (Library of History, 17.112).

Encontram-se também nas tábuas de Enuma Anu Enlil, bem como nos textos relacionados, previsões sobre a chegada de um “rei do mundo”. O documento mais antigo vem do Período Babilônico Antigo, por volta de 1800 a 1600 a.C. O item mais interessante foi encontrado no comentário de Uruk sobre a tábua 7. Ele foi localizado na casa de um estudioso que viveu por volta de 285 a.C., mas não se sabe, exatamente, a data em que o comentário foi feito. Sobre a tábua 7, ele disse:

Se Sin, deus da lua, durante o seu nascimento, uma estrela se mover atrás de você: o rei do mundo (šar kiššati) surgirá, mas ele não envelhecerá. (tradução de Mathieu Ossendrijver)

Este texto é anterior a Alexandre, o Grande, que foi, inclusive, chamado de “rei do mundo” (šar kiššati) em um diário astronômico de 331 a.C. Porém, não se sabe se esse presságio teve alguma ligação com ele.

 

O significado de “magos”

 

As ações dos Magos no Evangelho de Mateus são totalmente consistentes com o contexto da seção anterior. No entanto, os adivinhos que interpretaram os eventos ligados a Alexandre eram caldeus, enquanto que no Evangelho de Mateus, eles são descritos como magos. No contexto romano e grego, geralmente, os historiadores viam os caldeus babilônicos como especialistas em adivinhações. Os magos – oriundos da classe de sacerdotes persas – eram responsáveis por outros tipos de adivinhações, como, por exemplo, a interpretação de sonhos. Diante disso, surge um problema: será que Mateus está escrevendo sobre o grupo errado? Eu não acredito nisso. A Babilônia fez parte do império persa por um longo período, e isso acarretou, segundo os historiadores posteriores, em uma certa confusão na definição dos grupos. Arriano, por exemplo, referiu-se ao ritual do rei substituto da Babilônia como um “costume persa” (Anabasis of Alexander, 7.24.3-4). E no segundo século d.C., a obra História das Guerras Sírias escrita por Ápio de Alexandria (Roman History, 11.58.300-308) se referiu aos astrólogos babilônicos como magos. Com isso, não seria surpreendente que Mateus fizesse a mesma coisa em seu Evangelho.

 

De onde eram os Magos?

 

Então os Magos de Mateus eram da Babilônia? Talvez sim. Eu me inclino um pouco para essa possibilidade porque eles estavam interpretando sinais no céu noturno, porém isso ainda está longe de ser uma posição correta. Há exemplos de escritores antigos que usam a palavra “magos” em um sentido genérico para se referir aos sábios não gregos, especialmente aqueles que fizeram parte do império persa. Plínio, o Velho, um historiador romano do primeiro século — que considerava os magos seres mentirosos e fraudulentos (Natural History, 30.1) —, chegou a dizer que Pitágoras (século VI a.C.) e Demócrito (século V a.C.) tinham “visitado os Magos da Pérsia, Arábia, Etiopia e Egito” (25.13, LCL).

Justino Mártir (100-165 d.C.) também se referiu aos magos no Egito (Dialogue with Trypho, 69), mas ao comentar sobre eles no Evangelho de Mateus, disse que os magos vieram da Arábia (Dialogue with Trypho, 77-78). É possível notar que Justino não precisou argumentar, isso poderia indicar que a ideia de os magos virem da Arábia era amplamente aceita no contexto do segundo século. A citação de Justino descreve dois pontos principais. O primeiro é que as pessoas da Arábia poderiam ser chamadas de “do leste”, e o segundo é que o incenso e a mirra eram colhidos das árvores que ficavam no sul da Arábia (Iêmen). Além disso, muitas outras áreas também ficavam no Leste em relação à Judéia, e o comércio de especiarias no mundo antigo cobria uma vasta área (como mencionado anteriormente, os babilônios deram as boas-vindas a Alexandre com incenso). Portanto, não sabemos de onde vieram os Magos. Diante disso, há a possibilidade de que Mateus não quisesse que soubéssemos sobre eles e que, talvez, ele, de forma intencional, tenha destacado os elementos que ligassem os magos à Babilônia, Pérsia e Arábia.

 

Frankincense Trees, Yemen, photo by Rod Waddington CC BY-SA-2.0

 

O que os magos sabiam

 

O fato de os magos serem adivinhos é um aspecto desconfortável na história porque o Antigo Testamento condena tais práticas (Deuteronômio 18:9–14; Isaías 47:13). Com isso em mente, como esses observadores conseguiram interpretar a “estrela” (que também poderia significar cometa, planeta ou vários outros fenômenos astronômicos)? Será que havia alguma interpretação sobre ela nos compêndios dos presságios? Se a resposta for sim, como chegou até lá? Há, a possibilidade também de ter origem nas palavras de Balaão, o adivinho do Antigo Testamento: “Uma estrela procederá de Jacó, de Israel” (Números 24:17)? Da mesma forma, poderia ter vindo da figura de Daniel, que foi, inclusive, “chefe dos magos, dos encantadores, dos caldeus e dos feiticeiros” na Babilônia? Tudo isso é apenas especulação.

Tudo o que sabemos sobre os magos é o que Mateus nos disse. Eles são: alguns astrólogos pagãos que interpretaram corretamente a estrela que indicava o nascimento do novo “rei dos judeus”, e com isso, viajaram para prestar-lhe homenagem e lhe entregar presentes (Mateus 2:1-2,11-12). A intenção de Mateus foi oferecer a nós o conhecimento de que a graça e a sabedoria divina são tão grandes, que Ele revelou a sua mensagem á pagãos que estavam envolvidos com práticas que o Antigo Testamento proibia. Por outro lado, os líderes religiosos de Jerusalém tinham as verdadeiras informações, mas não fizeram nada (Mateus 2:4-6), enquanto que os Magos não mediram esforços para agir com base nas informações limitadas que tinham. Por fim, Lucas e Mateus nos contam que o verdadeiro “rei do mundo” foi bem recebido e honrado tanto pelos judeus comuns (Lucas 2:8-20) quanto pelos gentios extraordinários.


Notas

[1] A frase “We three kings of Orient are” é uma linha do famoso hino natalino We Three Kings. Ele foi escrito pelo clérigo e hinodista americano John Henry Hopkins Jr., e a canção celebra os magos (ou reis magos) que visitaram Jesus após seu nascimento. [Nota do tradutor]

[2] Da palavra mágos (μαγός), que significa “mago”, “astrólogo” ou “sábio”. [Nota do tradutor]

[3] A Batalha de Gaugamela, também chamada de Batalha de Arbela, foi um confronto militar histórico entre o rei persa Dario III e o rei macedônio Alexandre, o Grande, que ocorreu em 1º de outubro de 331 a.C., nas planícies da Mesopotâmia, no que hoje é o Iraque. Essa batalha é considerada um dos eventos mais importantes na história militar e política do mundo antigo. [Nota do tradutor]


 

Tony Watkins é o membro de Engajamento Público na Tyndale House. Seu doutorado explorou ideias de florescimento na literatura profética e narrativas nos meios de comunicação de hoje. Tony é palestrante e escreve sobre a Bíblia e os meios de comunicação há anos. Ele trabalhou anteriormente em parceria com várias organizações, incluindo a Lausanne Media Engagement Network, Damaris Norway e IFES Graduate Impact. Foi professor adjunto na NLA University College, Noruega, e foi professor visitante em várias outras instituições acadêmicas. Tony é casado com Jane, que é Diretora de Mentoria para Crescimento de Discípulos Jovens.
Texto original: Who were the Magi? Tyndale House Cambridge. Traduzido por Gedimar Junior e publicado no site Cruciforme com permissão.

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