Quem iremos nos tornar durante a pandemia? | Phillip Johnston

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De todas as notícias alarmantes advindas com a atual pandemia global, umas das mais chocantes não possui nenhuma relação com sistemas hospitalares sobrecarregados, número de infecções ou com cancelamento de eventos. Muito pelo contrário: quando a Itália anunciou que o país inteiro iria se fechar (lockdown) em 9 de março, o maior website de pornografia do mundo – pense no YouTube, mas com conteúdo “adulto” – anunciou que o seu serviço premium estaria liberado gratuitamente para todos os italianos pelo restante do mês de março, sem necessidade de informações de cartão de crédito. Bastava logar e ter acesso a uma infinidade de conteúdo pornográfico em alta-definição, algoritmicamente curado para o perfil único de cada usuário, com suas constantes mudanças de preferência.

“Forza Italia”, foi a publicação deste website em sua conta no Twitter, “Amamos vocês!”

A companhia ainda prometeu que parte da arrecadação seria doada a hospitais locais. Admirável, de fato.  Mas você não precisa ser nenhum cínico para perceber que esse gesto simples de um negócio tem por objetivo criar um novo tipo de pessoa.

Confinados a casas e apartamentos pelo futuro próximo, os indivíduos irão procurar alívio do massacrante desconforto de notícias e da terrível solidão de tentar manter a si mesmos e a outros não infectados. Os humanos são criaturas sociais, mas com cafeterias e igrejas fechadas, nossas pequenas telas privadas brilham ainda mais, prometendo conforto e distração. E, quem não é um pouquinho sexualmente curioso enquanto se está sozinho em casa, só e online?

O palco está montado para um usuário infrequente de pornografia se tornar um consumidor voraz. Todavia, essas condições também têm o potencial de despertar numa pessoa que nunca considerou previamente buscar alívio das vicissitudes da vida na pornografia, a possibilidade de descobrir quão prazeroso essas imagens podem ser.

A lógica? Apresente pornografia premium gratuita a indivíduos em quarentena durante a pandemia e ganhe ao final de tudo isso um número maior de clientes fidelizados. Os empreendedores da pornografia expandiram o acesso premium outros países em lockdown como a Espanha e a França, em 16 de março. Por ora, internautas nos EUA e Canadá ainda precisam pagar. Esse episódio, entretanto, nos dá um microcosmo da tentação que cairá sobre todos nós nestes tempos estranhos e sem precedente.

Nesses dias e semanas de quarentena, cada um de nós será tentado a buscar nosso próprio prazer em isolamento, ao invés de buscar o nosso próprio bem e o bem dos que estão à nossa volta. Nós seremos transformados por aquilo que escolhemos. Os padrões de vida que adotarmos, enquanto nossas responsabilidades cotidianas estão suspensas, irão moldar quem nos tornaremos quando tudo isso estiver acabado.

“A forma como vivemos os nossos dias é, obviamente, a forma como vivemos nossas vidas,” nos lembra Annie Dillard em The Writting Life. Ela ainda diz: “o que fazemos nessa hora e também na próxima é o que estamos fazendo.”

A pornografia premium gratuita é um caminho de mudança nesses dias de quarentena, mas há outros caminhos que nos levam a destinos melhores. Vamos pensar sobre quatro caminhos possíveis:

Aprender

É provável que tenhamos em nossas mãos mais tempo livre durante as próximas semanas. O primeiro recurso para muitos de nós será o de preencher essas horas com mídias sociais ou assistindo TV. Não há nada de errado com isso, mas a constante checagem de nossas mídias sociais cobra um preço para nossa saúde mental e consumo exagerado de filmes e séries todo o dia e o dia todo é o suficiente para nos anestesiar tanto para as belezas e necessidades abundantes do mundo.

Ao invés de correr atrás de estímulos fáceis, traga à mente alguns tópicos que você queira aprender mais a respeito ou alguma habilidade que você queira cultivar. Converse com amigos ou faça uma pesquisa criativa online pelos melhores livros, artigos e outros recursos que irão ajudá-lo nesse processo.

Se a biblioteca local ainda estiver aberta, reserve alguns livros. Se não, pegue emprestado de amigos, ligue para o vendedor de livros de sua localidade (eles precisam de você mais do que nunca), ou faço uma compra online. Reserve um espaço no seu dia para um tempo de estudos. Se você estiver trabalhando de casa, escolha uma ou duas noites na semana para se concentrar nos seus estudos. Convide alguns amigos para se juntar a você da casa dele, via online, no mesmo horário dos seus estudos para que vocês possam, quem sabe, trocar informações sobre o que estão aprendendo.

Este também é um tempo ideal para escolher um livro da biblioteca das Escrituras e mergulhar no seu estudo. Considere a possibilidade de se familiarizar com algum comentarista talentoso, que possua uma imaginação rica. Você não se arrependerá de passear por Eclesiastes com David Gibson ou pelo livro de Jó com Christopher Ash. Mergulhe em Samuel e Reis com Peter Leithart, Isaías com Ray Ortlund, ou qualquer outro livro do novo testamento com N. T. Wright.

E claro, aproveite sim para curtir filmes e séries durante essa pandemia, mas saía dela com uma mente e um coração expandidos.

Servir

Cal Newport deu dois conselhos para os dias que se seguem. Primeiro: olhe o noticiário apenas uma vez ao dia. Isso não vai ser fácil, por isso do segundo conselho: “mantenha-se ocupado com ações significativas e intencionais; muitas ações. Sirva à sua comunidade, sirva os seus filhos, sirva a você mesmo (tanto corpo como alma) e produza um bom trabalho. Tente encaixar alguns momentos de gratidão, com vistas a manter aqueles circuitos em particular sempre ativos.”

Alguns membros em nossas comunidades estão em situações muito difíceis e eles precisam de nossas ações significativas nesse momento. Se você é jovem e saudável, faça uma lista de pessoas que você conhece que não sejam nem jovens e nem saudáveis. Ligue pra elas, escreva um e-mail ou faça uma ligação de vídeo. Tenta ajudá-las, tentando manter o máximo da distância social requerida. Como fazer isso? Algumas possibilidades são: comprando remédios que talvez eles precisem, fazendo compras no mercado, pagando contas, ou quem sabe, entregando uma refeição. Gaste tempo para conversar face a face com elas, mas mantendo os dois metros sugeridos pelo governo.

Se as pessoas que você contatar não tiverem nenhuma necessidade imediata, continue checando. Deixe claro a elas que você deseja ajudar, se for preciso. Ainda que elas possuam o suporte de família e de amigos, o seu contato regular irá ajudá-las a enfrentar a solidão.

Nós oramos para uma baixa taxa de mortalidade devido ao COVID-19, mas, aparentemente, altas taxas serão quase inevitáveis. A lista de pessoas que precisarão de nossa ajuda e amizade irá apenas aumentar na medida em que o vírus se espalha. Mantenha seus olhos e ouvidos atentos para servir a outras pessoas.

“Lave as mãos, claro,” escreveu Scott Sauls, “e então, lave pés.”

Reconectar

Em seu livro The Rest of God, Mark Buchanan sugere que nos tornamos muito ocupados “quando paramos de dar importância às coisas que damos importância.” O constante estímulo da vida no mundo moderno facilita o esquecimento do que é mais importante, especialmente as pessoas que em algum momento nós amamos tão ativamente, mas que, por alguma razão, foram esquecidas.

Leia com atenção ao sábio conselho pastoral dado por Kenneth Tanner, em uma carta recente à sua congregação:

Nós podemos aproveitar esse momento para ter aquelas conversas que nós precisamos ter, ou contemplar em silêncio a bondade de Deus, ou talvez telefonarmos uns para os outros, ou ainda, escrevermos à mão cartas ou cartões àqueles que estão em quarentena.

 Nós podemos aprender o que significa simplesmente estar com nossos amigos próximos e com nossos familiares, sem as distrações eletrônicas. Há tantas boas interações interpessoais que nós deixamos de lado.

 Esse é o tempo de ir atrás dessas conexões e dessas conversas, mesmo à distância. A internet pode ser mais do que entretenimento e distração.  Coisas do tipo Skype e FaceTime podem nos conectar face a face nesse momento em que precisamos estar afastados fisicamente.

 Não seria maravilhoso sair dessa pandemia como um amigo melhor comparado ao que éramos antes de tudo isso ter começado?

Orar

Considere essas palavras de Agostinho, um pai da igreja antiga que experienciou em sua vida um sem número de pestes e pragas: “A fé transborda oração, e o transbordo da oração obtém o fortalecimento da fé.”

A fé não é simplesmente nossa crença naquilo que Jesus fez, mas também é a nossa postura diante daquilo que Ele irá fazer. Quando nós usamos a nossa minúscula fé e a canalizamos em oração, nossa fé é fortalecida e nós somos transformados. A vida de oração nos reveste da capacitação para nos tornarmos capazes de agir em fé.

O inverso também é verdadeiro: se negligenciarmos nossa pequena fé, ela irá diminuir – e iremos nos transformar gradualmente em pessoas sem ação, destrutivas e ressentidas e que não refletem o caráter de Jesus.

Andy Crouch oferece o seguinte encorajamento, a partir de sua própria experiência, compartilhada nos primeiros dias da pandemia:

Hoje de manhã eu levantei, preparei meu chá, fui lá fora, escutei os pássaros, voltei pra dentro, orei a oração matutina.  Essa é a primeira coisa que eu faço todos os dias, não importando onde eu esteja. Eu não olho meu celular até que eu tenho feito essas coisas.

Talvez seja pedir demais de muitos de nós, mas esse é o tempo de fortalecer esses músculos espirituais. Nós precisaremos deles nos dias que virão. Nesses dias de quarentena, explore a possibilidade de orar com os salmos ou com o livro de oração comum. Escolha, quem sabe, um clássico, como Cartas a Malcom, de C. S. Lewis. Leia ou escute, vagarosamente, um livro nas primeiras horas da manhã, antes de você checar as notícias. Ore na medida em que você vive o seu dia. Espere ser transformado.

Todos nós seremos transformados por essa pandemia, mas os cristãos se agarram à esperança de uma mudança positiva através de caminhos como esses, não porque nós sejamos especialmente sábios ou disciplinados, mas porque nós não os caminhamos sozinhos.

Nós aprendemos pelo Espírito de Jesus, no qual estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e conhecimento (Cl 2:3).

Nós servimos pelo Espírito de Jesus, que esteve entre nós como um que serve (Lc 22:27).

Nós reconectamos com aqueles que amamos pelo Espírito de Jesus, que amigo de pecadores como nós (Lc 7:34).

E, nós oramos pelo Espírito de Jesus, o qual oferece nossos desejos ao Pai em sua própria voz (Hb 7:25).

“O contexto de nossa formação se dá na monotonia de nossas rotinas diárias” escreve Tish Harrison Warren. Caminhando pelo Espírito de Jesus, nós podemos ouvir isso como palavras de esperança.

Quem você se tornará nesses dias difíceis e preciosos?

Traduzido por Josué Reichow.

Texto original: Pandemic: The crucible of our formation. Three Things.

Phillip Johnston é casado com a Christa e pai da Nora. Tem formação em música e em teologia pelo Covenant Seminary, em St. Louis nos EUA. Foi obreiro de L'Abri tanto em Boston como na Inglaterra. Atualmente, mora em Nashville, onde aguarda o fim da pandemia, para poder retornar à Inglaterra para assumir o ministério pastoral Igreja Hope da cidade de Liss. É idealizador, junto com Andy Patton, da newsletter Three Things.

2 Comments

  1. EDSON ZENUM disse:

    Olá amados irmãos, o povo de DEUS desde o início quando foi chamado ( ek-kaleo ) por e para CRISTO, o foi afim de fosse o louvor se SUA GLÓRIA em todo tempo, e vivesse de modo digno do SENHOR, mas há um problema que há 18 séculos vem ganhando o modo de pensar e viver daquele que foi feito filho(a) de DEUS, a perda gradual e sutil, que é o próprio modo de vida de DEUS, que foi trocado do modelo conjugal-familiar e corpo, que é o que nosso SENHOR JESUS ensinou, mostrou como é e viveu, sendo o mesmo que os discípulos e apóstolos viveram até meados de 313, mas foi mudado para o modo institucional. A relação passou para religião. Hoje, herdeiros e recebedores deste último, enraizados nele, não se sabe ou se perde a percepção e visão correta do REINO, da relação com o PAI que independe de local ou época, somos ou não deste mundo? O REINO de DEUS é ou não deste mundo? Temos onde recostar nossa cabeça ou não? Podemos estar presos ( encarcerados ou dentro de casa ) mas O EVANGELHO não está e nossa relação com ELE não muda e tbm entre o povo de DEUS, mas este modo digno de DEUS de viver ficou esquecido, e então muitos não sabem viver sem um local religioso, nós fomos feitos templos vivos, um só corpo, uma só fé, um só batismo em um só SENHOR, o grande apelo agora, nestes tempos de isolamento é voltarmos ao EVANGELHO como sempre foi, isso não é nada novo, mas é fazermos renovo o que se perdeu no passado, onde a relação e percepção do ” onde dois ou três estiverem em meu NOME, alí estarei” ficou diminuída dentro de muitos crentes que não vê mais O SENHOR em seu agora, senão quando está em um lugar de reunião. Fomos chamados a sermos família DELE, e assim nos reunirmos como tal ( atos 2 ). Quanto a questão da pornografia, de fato é lamentável, está estratégia comercial e diabólica, porém lembremos de que cada um é atraído e seduzido pela sua própria conscupiscência então, sede santos por que EU SOU santo…e eis que ESTOU convosco TODOS os dias…DEUS desperte os teus a de fato seguirem mortos para si, mas vivos para TI, simples como uma pomba ante ouvir, crer e obedecer mas astutos como a uma serpente para com o “eu”, o mundo e o diabo.

  2. Patrícia Aura disse:

    Maravilha de reflexão. Que sejamos transformados pela Glória de Deus! Grande oportunidade de crescimento pessoal e espiritual.

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