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25/out/2012Recentemente, eu estava assistindo a um debate na televisão entre um ateu e um crente. O cristão havia apresentado muitos argumentos para fundamentar a ideia de que o universo físico composto de espaço, tempo e matéria não é algo que sempre existiu, mas que, na verdade, veio a existir em um período de tempo finito no passado. Ele então prosseguiu, argumentando que a melhor explicação para esse fato é que existe uma Causa Primeira – Deus – que deu causa à existência do universo.
Nesse momento do debate, o ateu replicou: “Se você diz que tudo precisa de uma causa e, portanto, deve haver uma causa para o início do universo, então o que deu causa a Deus? E, se você diz que Deus é a primeira causa e que nada deu causa a Ele, então por que não apenas dizer que o próprio universo é a primeira causa e nada o causou? Postular um Deus atrapalha e é desnecessário”.
Felizmente, o crente estava preparado para fornecer uma resposta, mas você estaria? O que você diria se fosse confrontado com esse argumento? Vamos ver se fazemos algum progresso na formulação de uma resposta.
Há algo de suspeito com a pergunta
A primeira coisa a ser observada é que há algo de errado com a pergunta “Quem ou o que deu causa a Deus?”. Para entender o problema, preciso introduzir um princípio simples da lógica chamado de erro de categoria. Um erro de categoria é o erro de se atribuir particularidades erradas à coisa errada. Por exemplo, perguntar “Quantas polegadas tem o cheiro da rosa?” ou “Qual é o sabor do acorde musical C?” parece pressupor que os cheiros possuem comprimento e que os sons possuem sabor. Ambas as pressuposições cometem a falácia do erro de categoria.
Você pode cometer a falácia do erro de categoria a respeito de determinada coisa, mesmo que tal coisa não exista e desde que se tenha um conceito de como tal coisa seria se ela existisse. Por exemplo, unicórnios não existem, mas temos um conceito de como um unicórnio seria se ele existisse, ou seja, seria um cavalo com um chifre. Dado esse conceito, a pergunta “Quantos ferros um unicórnio atrai?” comete um erro de categoria, uma vez que ela falsamente pressupõe que unicórnios possuem propriedades magnéticas – que, dado nosso conceito de unicórnio, é uma confusão de categorias.
A pergunta “O que causou X?” somente pode ser aplicada a coisas que, por definição – ou seja, por seu próprio conceito –, são causáveis. Eu posso perguntar: “O que deu causa à existência da Terra?”, “O que poderia dar causa à existência de unicórnios, se eles existissem?”, “O que deu causa à existência do universo?”, pois todas essas coisas – a Terra, um unicórnio, o universo – são coisas que, por sua própria natureza, de fato vieram a existir. Portanto, não é um erro questionar o que causou algo se o próprio objeto for o tipo de coisa que pode vir a existir por meio de uma causa ou, na verdade, veio a existir por meio de uma causa.
Agora, o universo não poderia ser a Causa Primeira. Isso por que, entre outros motivos, a teoria do Big Bang ainda é a visão da origem do universo mais amplamente aceita, e ela preconiza que o universo veio à existência – fato este que desqualifica o universo como Causa Primeira. O universo é como alguém que precisa de um empréstimo. Em contraste, um ser imaterial, não-espacial e atemporal é o candidato adequado a tal Causa Primeira. E, embora eu não possa argumentar aqui, deve ser óbvio que o Deus da Bíblia satisfaz essa descrição de Causa Primeira. De qualquer forma, é um erro de categoria perguntar o que deu causa à Causa Primeira, pois, neste caso, ela não seria a primeira.
Mas o próprio conceito de Deus nas religiões monoteístas do mundo é um conceito de um ser necessário, “o Criador não-causado de todas as outras coisas”. Dado esse conceito de Deus, a pergunta “Quem ou o que deu causa a Deus?” se torna, na verdade, a seguinte pergunta: “Quem ou o que deu causa a algo que, dado o conceito de Deus amplamente aceito, quer Ele exista ou não, é não-causado? Ou, de modo mais conciso, “Quem ou o que deu causa a Deus que, por definição, é não-causado?”. É um erro de categoria perguntar a respeito da causa de algo que, por definição, é não-causado. Você pode apenas fazer tal pergunta quando se trata de coisas causáveis. Assim, a pergunta “Quem deu causa a Deus?”, é como a pergunta “Qual o sabor do acorde musical C?”. É uma pergunta sem sentido.
É uma resposta suspeita, não uma pergunta suspeita
“Espere um minuto”, talvez você esteja pensando. “Embora eu não possa identificar o erro, essa resposta parece ser capciosa. É muito estilosa e apressada”. Se você está pensando assim, talvez você tenha uma de duas possíveis inquietações em relação à minha resposta.
Primeiro, você talvez esteja pensando que a minha resposta pressupõe que Deus existe, mas isso é precisamente o que estamos debatendo. Assim, eu não posso presumir a existência de Deus para responder a objeção “Quem ou o que criou Deus?”. Se você está pensando desta maneira, você está errado.
Lembre-se que, quando ateus e teístas debatem sobre a existência de Deus, na maioria das vezes, eles concordam com o assunto de debate. Ambos concordam com o conceito de Deus, a respeito de como Deus seria se Ele existisse. Caso contrário, eles seriam digressivos e não chegariam a um consenso a respeito de um conceito comum de Deus – que é, em primeiro lugar, um requisito para que tal debate aconteça! Eles apenas divergem em relação à questão de existir ou não existir algo no qual o conceito se aplica.
Duas pessoas que debatem a existência de unicórnios compartilham de um conceito comum de unicórnio, mesmo que elas mesmas divirjam a respeito da realidade dos unicórnios. O crente apenas ressalta que, dado o conceito comum de Deus que compartilhamos neste debate, ou seja, “de um Criador não-causado de todas as outras coisas”, não se pode questionar o que deu causa a tal ser sem cometer a falácia do erro de categoria. E esse ponto se sustenta mesmo que Deus não exista.
Em segundo lugar, você talvez esteja incomodado que o conceito de Deus como sendo “o Criador não-causado de todas as outras coisas” é em si arbitrário. E se algumas pessoas tiverem um conceito diferente de Deus? Na próxima seção eu mostrarei que esse conceito de Deus está longe de ser arbitrário, mas, por enquanto, consideremos que ele seja e que existam outros conceitos de Deus utilizados pelas pessoas. O único conceito rival relevante à nossa discussão seria o conceito de um deus finito; um deus que ele próprio necessite de uma causa.
Eu admito que, se alguém se fia a tal conceito de deus, então a pergunta quem ou o que criou um deus finito é, de fato, legítima. Mas isso é problema deles, não meu. Eu não me fio a tal conceito. Quando converso com outros a respeito de Deus, estou interessado em argumentar que o Deus cristão – e não apenas qualquer outro deus antigo – existe. Assim, enquanto os defensores de uma divindade finita precisam responder a pergunta acerca de quem criou o deus no qual eles creem, eu não preciso, pois não compartilho do mesmo conceito de Deus. Dado o conceito cristão de Deus, a pergunta a respeito de quem ou o que criou esse Deus é um erro de categoria. Eu não estou ressaltando isso com a finalidade de mostrar que tal Deus existe. Estou ressaltando isso para mostrar que eu não preciso responder a pergunta, dado o tipo de Deus cuja existência eu estou interessado.
Em algum momento, a responsabilidade não pode mais ser transferida
Para verificar que o conceito cristão de Deus não é arbitrário, considere o seguinte exemplo. Suponha que Fred deva alguma quantia em dinheiro a Bill. Fred, que não tem dinheiro em sua conta, dá um cheque a Bill para cobrir sua dívida. Fred, então, toma um cheque de Harry para cobrir o cheque dado a Bill, mas, infelizmente, Harry também não tem dinheiro e, assim, toma um cheque de Robert (que também não tem dinheiro) para cobrir o cheque dado a Fred.
Essa cadeia de pessoas dando cheques uma para a outra não pode continuar dessa forma eternamente. Se continuar, Bill nunca receberá o dinheiro que lhe é devido. É por isso que Fred, Harry e Robert fazem empréstimos! Eles não podem dar o que não têm. Se a cadeia não chegar em alguém que tenha dinheiro em sua conta, não haverá dinheiro transferido ao longo da cadeia ao pobre Bill.
De maneira semelhante, algo – vamos chamar de “A” – não pode ser a causa última para a existência de outra coisa – vamos chamar de “B” – se “A” primeiro precisa vir à existência antes de dar causa a “B”. Como na cadeia de pessoas que fazem empréstimos, é necessário finalizar com uma Causa Primeira – algo que não precise tomar a existência emprestada de outra coisa para então transferi-la ao próximo elo na cadeia.
Em algum ponto precisa haver algo que exista por si mesmo – um ser necessário, um ser que é a causa não-causada de todas as outras coisas. Assim, o conceito de tal ser não é arbitrário, mas demandado pela razão.
Traduzido por Jonathan Silveira.
Texto original aqui.
Os filósofos William L. Craig e J. P. Moreland conseguiram reunir, em apenas um volume, as principais disciplinas filosóficas necessárias para a construção da cosmovisão cristã. Depois de apresentar, em linhas gerais, os fundamentos da lógica e da argumentação, os autores explicam cuidadosamente cada uma das disciplinas orgânicas da filosofia (epistemologia, metafísica, filosofia da ciência, ética, filosofia da religião e teologia filosófica), bem como as suas implicações para a visão cristã da realidade. Certamente, é uma obra de referência para aqueles que buscam enxergar o mundo através da lente da fé cristã. |
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1 Comments
“eu não preciso responder a pergunta, dado o tipo de Deus cuja existência eu estou interessado”. Isso significa que Moreland está interessado em provar que a natureza de Deus é inquestionável. Mas e se o ateu também não der o braço a torcer? Existe alguma ideia que diga algo assim (?): Deus é a causa primeira e isso fecha nele a conta. Deus seria a plenitude, então inquestionável. Mas e se na nossa incapacidade de alcançar a plenitude nós nos convencemos de que deve existir algo superior? E se, paradoxalmente, realmente o Nada era a plenitude? Ou pior, e se o Universo sempre existiu, sujeito a construção e desconstrução, sendo essa a sua natureza. Digo, se a natureza de Deus é ser o Tudo, não poderia ser a natureza do Universo essa capacidade de se ” organizar e desorganizar ” em termos de entropia, de probabilidade? E que o Universo como hoje conhecemos é apenas uma possibilidade dentre milhões e milhões de contrações e expansões? Por que o fato de sermos racionais justifica que deve existir Deus? E se ele for fruto da nossa racionalização, e depois da morte somos incorporados ao inanimado? Afinal ninguém jamais voltou do “além” para nos contar o que existe? Somente a fé em Deus torna possível pensar em algo após a morte, mas fato é que não sabemos o que existe depois da morte, assim como não sabemos o que veio antes do Universo como conhecemos (se o Universo não for evento de contrações e expansões). A única coisa evidente, que todos testemunham e compartilham, é a vida.