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01/fev/2019Arquitetura, arte e apologética | Luiz Adriano Borges
11/fev/2019Um dos livros mais originais de 2015 foi, para mim, sobre um assunto que nunca estudei com muito cuidado ou atenção: Leisure and Spirituality: Biblical, Historical, and Contemporary Perspectives [Lazer e Espiritualidade: Perspectivas Bíblicas, Históricas e Contemporâneas] de Paul Heintzman. Paul é professor associado em Estudos sobre Lazer na Universidade de Ottawa, em Ottawa, Ontário.
Página após página, fui apresentado a novas categorias e a antigos debates sobre como os cristãos lidaram, ao longo dos séculos, com várias questões sobre descanso e relaxamento. Heintzman documenta muitas das principais tendências de uma maneira fascinante, revelando o que realmente está em jogo e levantando os principais pontos de discordância exegética.
Eu entrei em contato com ele para pensar (e repensar) nosso lazer.
Paul, obrigado pelo seu tempo e obrigado pelo seu livro. Eu começarei de forma geral. Quão importante é o lazer para o crescimento na vida cristã?
Com a exceção de algumas traduções de Marcos 6:31, que nos diz que os discípulos “não tinham tempo [lazer] nem para comer”, a palavra lazer quase nunca ocorre na Bíblia inglesa. No entanto, há muitos temas bíblicos que delineiam uma prática cristã do lazer, como o Sábado, descanso, festivais, festas, dança, hospitalidade e amizade. Esses temas sugerem que é importante para o crescimento na vida cristã a forma como vivemos o tempo em que não estamos trabalhando – as atividades de lazer nas quais nos envolvemos e uma atitude de receptividade, celebração, admiração e reverência. Por exemplo, depois de seis dias de criação, Deus descansou no sétimo dia. Seres humanos foram criados no sexto dia, e seu primeiro dia, antes de qualquer trabalho, foi um dia de descanso. A partir dessa passagem, os teólogos sugeriram que o descanso é essencial à natureza de Deus e dos seres humanos.
O descanso é muito fundamental para nós e, no entanto, parece que temos muito a aprender sobre este assunto. Em seu livro, você escreve: “conceber o lazer como tempo livre é, ao mesmo tempo, confuso e limitante” (177). Explique essa frase.
Embora o lazer como tempo livre seja útil para a análise sociológica e política, ele é um entendimento quantitativo, que limita o lazer a uma quantidade de tempo sem dizer muito sobre a qualidade desse tempo ou como esse tempo é usado. Os temas bíblicos mencionados acima sugerem que o lazer diz mais sobre a qualidade de nossas vidas do que uma quantidade de tempo. Esse conceito é confuso porque, como cristãos, todas as nossas vidas, e não apenas o tempo em que não trabalhamos, são vividas tanto em liberdade como em responsabilidade.
Então, se eu entendi seu livro corretamente, parece que você está dizendo que o verdadeiro lazer cristão não é definido em termos de inatividade ou em termos de produtividade. Seria isso?
Josef Pieper escreve: “Deve-se entender claramente que o lazer é uma atitude mental e espiritual – ele não é simplesmente o resultado de fatores externos, ou seja, não é o resultado inevitável do tempo livre, de um feriado, de um fim de semana ou de férias. É, em primeiro lugar, uma atitude mental, uma condição da alma”. O lazer pode envolver inatividade no sentido de que nos concentramos em nosso ser e não em nosso fazer, ou de estarmos em repouso, mas não no sentido de ociosidade inquieta, onde não se está em paz consigo mesmo. Além disso, o lazer não serve primariamente para nos restaurar, de forma a sermos mais produtivos em nosso trabalho.
Sim, e é por isso que é interessante que você tenha indicado que o primeiro dia completo da humanidade na terra foi um Sábado. Fascinante. Gostaria de aprofundar. Em seu livro, você escreve: “A busca de prazer egocêntrico leva ao desespero”. De fato. Vemos essa busca de prazer egocêntrico em pelo menos dois lugares da Bíblia. Primeiro, na ideia de que podemos acumular riqueza e, depois de enriquecermos, atingir o controle total das circunstâncias e desfrutar do prazer pelo resto da vida (Lc 12:19). Ou, segundo, a versão niilista: Comamos e bebamos, pois amanhã morreremos (1Coríntios 15:32). Assim, quais são as marcas distintivas de um lazer autêntico e teocêntrico na vida de um cristão?
Em primeiro lugar, há uma dimensão qualitativa do lazer, caracterizado por uma atitude espiritual de descanso, paz, alegria, liberdade e celebração, tanto em Deus quanto na criação de Deus, que permeia toda a vida, incluindo atividades de trabalho e lazer (recreação). Em segundo lugar, um ritmo de vida que inclui períodos de trabalho e não trabalho (lazer quantitativo). Em terceiro lugar, o envolvimento em atividades de lazer (por exemplo, festivais, festas, dança, hospitalidade, amizades) que permitem expressar e fortalecer a dimensão qualitativa do lazer. Em quarto lugar, Eclesiastes nos ensina que o lazer autêntico não envolve o trabalho compulsivo ou workaholicismo (por exemplo, Eclesiastes 4: 4-12) ou hedonismo (egocêntrica busca de prazer, Eclesiastes 2:1-11), mas um desfrute da vida na criação, que é uma dádiva de Deus (Eclesiastes 2:24–26; 3:12–13, 22; 5:18–19; 9:7–9; 11:9–12:1).
Creio que a primeira coisa que me impressionou em seu livro foi sua familiaridade com os puritanos. Não esperava por isso, e foi uma agradável surpresa para mim. Onde você acha que os puritanos acertaram com relação ao lazer?
Embora as práticas puritanas do lazer variassem ao longo do tempo e da localidade, em geral, como Karl Johnson documentou, os puritanos valorizavam o lazer tanto em si mesmo como por sua utilidade para a renovação. Eles pensaram criticamente sobre o lazer, conforme evidenciado por sua oposição a esportes sangrentos envolvendo crueldade contra os animais. Também defendiam por dias designados de recreação, e viam a vida como um todo unificado sob a soberania de Deus.
Por outro lado, você diz que os reformadores introduziram uma certa confusão no significado de lazer, confundindo os termos vocação, trabalho e emprego. O que você quer dizer com isso? E quais são as consequências para o lazer?
A interpretação dos reformadores de 1Coríntios 7:20 restringiu o chamado ao trabalho a uma posição específica na sociedade (por exemplo, um padeiro), em vez do entendimento bíblico de trabalho e vocação, que envolve muito mais do que o trabalho que alguém faz para receber sustento. Com o tempo, isso fez com que o trabalho fosse definido como tempo dedicado a um emprego, e a vida foi compartimentalizada em uma dicotomia entre trabalho e lazer onde mais valor era atribuído ao trabalho do que ao lazer.
Interessante. Então você está defendendo que os cristãos deveriam pensar em atividades edificantes de lazer como parte de nosso chamado? Ou melhor, qual seria a solução?
De uma perspectiva bíblica, o nosso trabalho envolve muito mais do que o nosso trabalho remunerado, pois inclui coisas como cuidar dos outros e cuidar da criação. Embora possamos ter uma atitude de lazer no meio de todas essas atividades, quando incluímos em nossa agenda um tempo em que não estaremos trabalhando, precisamos nos lembrar de que precisamos de tempo de lazer inclusive além de todos esses tipos de trabalho, e não apenas de nosso emprego, e também precisamos estar abertos a momentos de lazer ao longo do dia. Além disso, é importante não supervalorizar nosso emprego, pois essas outras atividades de trabalho e nossas atividades de lazer também são componentes importantes de nossa vida como cristãos.
Muitos leitores (e eu mesmo) não são sabatistas, pelo menos não no sentido estrito do calendário. Mas você tem um bom argumento sobre por que os princípios do Sábado permanecem relevantes no Novo Pacto para os não-sabatistas. Quais são os principais pontos?
Primeiro, o Sábado sugere um ritmo para a vida – períodos de trabalho e períodos de não-trabalho. No Antigo Testamento, instruções são dadas repetidas vezes para não se trabalhar no Sábado. Devemos ter períodos de não trabalho.
Segundo, a versão do Êxodo do mandamento do Sábado, com sua referência ao relato da criação, sugere que o sábado e o lazer são para fruir da presença de Deus e dos dons da criação (Êxodo 20:8-11). Como cristãos, somos encorajados a entrar no descanso sabático de Deus (Hebreus 4:10) e descansar do nosso trabalho.
Terceiro, a versão de Deuteronômio do mandamento do Sábado, com sua referência à libertação de Israel do Egito, nos lembra que, em última análise, os seres humanos são capazes de descansar por causa da benevolência de Deus para conosco (Deuteronômio 5: 12-15).
Quarto, Êxodo 23:12 e Deuteronômio 5:14 sugerem que o Sábado, e também o lazer, é para todos, incluindo escravos, homens e mulheres, estrangeiros e animais.
Quinto, a descrição do Sábado como um sinal da Aliança em Êxodo 31:16-17 significa que o Sábado, e da mesma forma o lazer, alcança seu potencial máximo quando se vive em um relacionamento com Deus.
Sexto, os profetas condenaram aqueles que trabalharam no Sábado para seu próprio benefício (por exemplo, Amós 8:5) e sugeriram que guardar o Sábado levava ao deleite (Isaías 58:13-14). O lazer é para o prazer, e não para oprimir os outros.
Sétimo, o ensinamento e a prática de Jesus do Sábado sugerem que o lazer é um tempo para integridade e cura.
O que você diria a um cristão autônomo que se sente sempre em plantão, lutando para proteger seu tempo de lazer das demandas de trabalho infindáveis que se estendem por toda a sua vida?
O Sábado sugere que o tempo fora do trabalho é ainda mais importante nas épocas mais ocupadas do trabalho de alguém. A frase em Êxodo 34:21, “mesmo durante a época de lavoura e colheita, você deve descansar”, enfatiza que, mesmo na época mais movimentada do ano em uma sociedade agrícola, o Sábado ainda deveria ser mantido. Em Êxodo 16, lemos que alguns dos israelitas, apesar das instruções para não fazê-lo, saíram no sétimo dia – assim como as pessoas de hoje – para recolher seu maná, mas nos dizem que “não acharam nenhum” (Êxodo 16:27). Esse comentário, escreveu Wolff, é “uma crítica quase humorística ao nosso zelo inquieto e incansável pelo trabalho”. Sete dias de trabalho é algo ridicularizado e visto como tolo, pois seus resultados são nulos; algo que falha em reconhecer que Deus é quem fornece o necessário. A vida humana não depende do trabalho incessante, mas da provisão e cuidado de Deus.
Essa é uma palavra que muitos de nós, cristãos, precisamos ouvir. Obrigado. Muitos de nós vivemos com um smartphone que nunca para de apitar e vibrar. Que precauções ou preocupações você teria para os cristãos que estão sempre online e que sempre são suscetíveis às exigências dos outros? Isso te preocupa?
Eu não tenho celular nem smartphone, então talvez eu não seja a melhor pessoa para responder a essa pergunta. No entanto, eu tenho um computador e acho que tenho que ter muito cuidado para que o tempo de responder e-mails e coletar informações na internet não invada o tempo em que preciso me dedicar a relacionamentos significativos com minha família, meus vizinhos, meus cooperadores, minha comunidade e minha igreja, ou tempo para práticas espirituais. Embora Jesus não tivesse tido dispositivos tecnológicos, muitas vezes ele se retirou das multidões por um período de tempo, assim como os cristãos de todas as épocas se retiraram. Pesquisas mostram que estar longe das tarefas e responsabilidades diárias, além de estar longe das tecnologias de informação, é benéfico para o bem-estar espiritual.
Como o descanso e o lazer nos possibilitam desfrutar mais de Deus (direta e indiretamente)?
A versão Septuaginta do Salmo 46:10 diz: “Tenha lazer e saiba que eu sou Deus”. A palavra hebraica traduzida por “lazer” aqui significa algo como “abrir mão”. Em face das catástrofes naturais e políticas registradas neste salmo, o salmista pode estar em paz e descansar em Deus. Pieper escreveu que “o lazer é uma atitude receptiva da mente, uma atitude contemplativa, e não é apenas a ocasião, mas também a capacidade de se mergulhar em toda a criação”. Quando desenvolvermos essa atitude receptiva, como sugerido pelo Salmo 46:10, cresceremos em nosso conhecimento e experiência de Deus. Na gramática hebraica, a ênfase está no segundo imperativo coordenado (“conhecer” em vez de “ter lazer”). Assim, o objetivo do lazer é conhecer a Deus. Uma atitude de lazer, como descrita por Pieper, torna possível um maior desfrute de Deus. Indiretamente, atividades de lazer que cultivem essa atitude de lazer facilitam nosso desfrute de Deus.
O que você diria que são, hoje, as toxinas mais comuns que poluem o lazer cristão?
- Uma forte orientação de trabalho e performance que negligencia a graça de Deus.
- Excesso de consumo de bens e serviços que nos distraem de Deus e de sua criação.
- Estar muito ocupado em atividades de lazer que nos impeçam de desenvolver a dimensão qualitativa do lazer.
- Uma cultura de entretenimento que nos superestimula e nos desvia de encontrar nosso verdadeiro refúgio em Deus e em seu amor.
- Uma ênfase exagerada em atividades competitivas em vez de cooperativas, lazeres organizados em vez de desestruturados, e pessoas agindo mais como espectadores do que como participantes.
Falando sobre essas tentações, a televisão é um assunto controverso. John Piper foi bem direto e chamou a TV de “a grande desperdiçadora de vida” de nossa geração. Isso é realmente sério, uma vez que o americano médio assiste 5 horas de TV todos os dias. Há usos saudáveis da TV, mas claramente vivemos em uma era viciada em TV e o alerta precisa ser ouvido. Falando aos cristãos, quais são alguns sinais e sintomas indicativos de que seus hábitos de assistir TV não estão produzindo um verdadeiro lazer?
Sua forma de assistir TV é caracterizada por uma falta de atenção inquieta, em vez de celebração, admiração e admiração, impedindo-o de lazer afiliativo onde relacionamentos significativos são desenvolvidos com outras pessoas, incluindo sua família, e/ou interferindo nas práticas espirituais que aumentam seu relacionamento com Deus? Pesquisas que realizei revelaram uma correlação negativa entre a frequência de assistir TV e o bem-estar espiritual, e também que um estilo de lazer de mídia de massa está associado a níveis mais baixos de bem-estar espiritual do que um estilo de lazer focado no desenvolvimento pessoal.
Eu percebo a ironia em toda essa conversa, então, no fim, preciso perguntar: Podemos pensar demais acerca do lazer e eliminá-lo por excesso de análise?
Eu sou um acadêmico de estudos sobre lazer, então meu trabalho envolve pensar e analisar conceitos de lazer, comportamentos, problemas e tendências. Não espero que outras pessoas analisem esses tópicos na mesma medida que eu. No entanto, Romanos 12:2 nos ordena a não nos conformarmos ao padrão deste mundo, mas que sejamos transformados pela renovação de nossas mentes, e Efésios 5:16 nos instrui a redimir o tempo. Os cristãos precisam pensar um pouco em seu uso do tempo fora do trabalho, seu envolvimento em atividades de lazer, seus padrões de consumo, se suas atividades de lazer afetam negativamente os outros e se suas vidas estão fragmentadas ou integradas.
Com certeza. Sou grato pelo modo como sua pesquisa fez essas importantes perguntas avançarem. Este foi Paul Heintzman, autor de Leisure and Spirituality: Biblical, Historical, and Contemporary Perspectives.
Traduzido por Fernando Pasquini Santos e revisado por Jonathan Silveira.
Texto original: Rethinking our Relaxing. Desiring God.
Tony Reinke é um dos escritores do ministério Desiring God e autor de três livros: “Lit! A Christian Guide to Reading Books (2011), “Newton on the Christian Life: To Live is Christ (2015) e “The Joy Project: A True Story of Inescapable Happiness (2015). É apresentador do podcast popular “Ask Pastor John” e vive nas Twin Cities com sua esposa e seus três filhos. Também escreve em seu blog tonyreinke.com. |
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Paul Heintzman (PhD, University of Waterloo) é professor associado em estudos sobre lazer na University of Ottawa. É autor de Leisure and Spirituality: Biblical, Historical and Contemporary Perspectives e coeditor de Christianity and Leisure: Issues in a Pluralistic Society. |
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2 Comments
Texto muito rico a respeito do lazer cristão.
Uma pergunta: este livro já tem traduzido para o português?
Oi, Everaldo. Por ora ainda não há tradução.