O que leva Deus a amar alguém? Alguns anos atrás, eu e uns amigos lemos um livro cristão. O livro era muito bom em vários aspectos, mas não concordei com a seguinte afirmação do autor: “Acredito que a mudança em minha vida aconteceu quando percebi, após ler os Evangelhos, que Jesus não me amou simplesmente por uma questão de princípios; não me amou simplesmente por ser a coisa certa a fazer. Não; havia algo em mim que fez com que ele me amasse”.[1]
Será que a Escritura ensina isso? Será que Deus olha bem no fundo da nossa alma com seus olhos que tudo veem e encontra ali um núcleo precioso de algo que, de forma irresistível, provoca nele um profundo amor pelo homem caído?
Ao descrever exatamente o que acontece quando a graça de Deus cruza a vida de um pecador, Paulo faz várias distinções marcantes entre o fiel e o ímpio. Para apreciar toda a força do texto, devemos ler pelo menos a seguinte passagem:
Ele vos deu vida, estando vós mortos nas vossas transgressões e pecados, nos quais andastes no passado, no caminho deste mundo, segundo o príncipe do poderio do ar, do espírito que agora age nos filhos da desobediência, entre os quais todos nós também antes andávamos, seguindo os desejos carnais, fazendo a vontade da carne e da mente; e éramos por natureza filhos da ira, assim como os demais. Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo imenso amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos pecados, deu-nos vida juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele, e com ele nos fez assentar nas regiões celestiais em Cristo Jesus, para mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza da sua graça, pela sua bondade para conosco em Cristo Jesus (Ef 2.1-7).
Observe o surpreendente e imenso contraste entre os versículos de 1 a 3 e de 4 a 7: a existência do não crente consiste em morte e pecado, enquanto o crente experimenta vida e graça, e o que faz a diferença é o “mas Deus”. Quando o crente se aproxima de Deus pela fé, crendo em Jesus para o perdão dos pecados, ele literalmente se move da morte para a vida, algo que somente Deus pode fazer.
Mas a descrição paulina das diferenças entre o crente e o não crente não termina com esses versículos. Ele continua a estabelecer contrastes nos versículos de 11 a 22. Se combinarmos o conteúdo desses dois textos (Ef 2.1-7 e 2.11-22), veremos as seguintes diferenças entre os não salvos e os que foram salvos.
Não salvos
Salvos
Nada pode transformar o primeiro conjunto de características no segundo, exceto Deus. Assim, não é de surpreender que, após Paulo descrever os infiéis com alguma profundidade, encontremos as palavras “mas Deus” no versículo 4. Aqueles que não são salvos, conscientes disso ou não, encontram-se em uma situação desesperadora e trágica, a qual nada podem fazer para mudar. No entanto, a história não termina aqui. Deus não abandona as pessoas criadas à sua imagem, deixando-as completamente sem esperança. Ele age para salvá-las, e o faz graças a sua própria natureza: “Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo imenso amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos pecados…”. Deus salva por uma única razão: por ser misericordioso e amoroso. Seu brilhante caráter, destacado contra o fundo escuro do pecado da humanidade, ilumina a incrível natureza da sua graça.
Portanto, será que Deus nos ama por sermos seres adoráveis? Não, muito pelo contrário. Todos, na verdade, seguimos o pecado, Satanás e o próprio eu. Não fosse pela intervenção graciosa de Deus, teríamos permanecido objeto de sua ira, em vez de recebedores de sua graça. Mas Deus preferiu demonstrar graça e, ao fazê-lo, nos escolheu.
Deus o fez somente por causa de quem ele é. Lembre-se de como ele se descreveu para Moisés: “Senhor, Senhor, Deus misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e cheio de bondade e de fidelidade; que usa de bondade com milhares; que perdoa a maldade, a transgressão e o pecado” (Êx 34. 6,7). Esse Deus é, sempre foi e sempre será. Ele é misericordioso e amoroso. Portanto, age para o nosso bem, unilateralmente, pela misericórdia arraigada no amor. Um comentarista bíblico escreveu: “Misericórdia e amor são revelações do ser de Deus, não uma resposta a algo no indivíduo que mereça amor. Deus age com misericórdia por ser esse tipo de Deus”.[2]
Quando refletimos sobre uma declaração “mas Deus” na Escritura, pode ser útil pensar sobre o que teria acontecido sem essa declaração. Às vezes isso é fácil — se, por exemplo, Deus não tivesse se lembrado de Noé na época do Dilúvio, a humanidade teria desaparecido. Às vezes, isso é difícil ou até mesmo impossível — simplesmente não podemos dizer como seria a história bíblica se Deus tivesse escolhido um povo que não fosse Israel para agraciar com suas alianças (Dt 29.29).
No entanto, podemos discernir nosso destino facilmente, imaginando o que aconteceria se a declaração “mas Deus” em Efésios 2 não estivesse ali. Essa lista teria terminado com a categoria “não salvos”, isto é, não haveria a categoria “salvos”. Não poderíamos ter nenhuma lista de atributos e benefícios destinada aos salvos, pois não haveria um salvo sequer. Todos continuaríamos mortos em nossos pecados — todos os homens, mulheres e crianças, desde Adão até o último de nossa espécie. Não teríamos nenhuma esperança. Permaneceríamos filhos da ira para sempre, não possuindo em nós nada digno de redenção, e nenhum esforço humano poderia alterar esse fato.
[1] Donald Miller, Blue like jazz (Nashville: Thomas Nelson, 2003), p. 238.
[2] Klyne Snodgrass, Ephesians, in: Terry Muck, org., The NIV application commentary (Grand Rapids: Zondervan, 1996), p. 100.
Trecho extraído da obra “Mas Deus…” – Série Cruciforme“”, de Casey Lute, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2015, p. 71-78. Publicado no site Cruciforme com permissão.
Casey Lute é mestre em Estudos Bíblicos pela faculdade The Master's College e bacharel em Ministério pela Corban Universitu. Atuou como pastor em igrejas da Califórnia e do Colorado, nos Estados Unidos. |