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07/nov/2024O que leva Deus a amar alguém? Alguns anos atrás, eu e uns amigos lemos um livro cristão. O livro era muito bom em vários aspectos, mas não concordei com a seguinte afirmação do autor: “Acredito que a mudança em minha vida aconteceu quando percebi, após ler os Evangelhos, que Jesus não me amou simplesmente por uma questão de princípios; não me amou simplesmente por ser a coisa certa a fazer. Não; havia algo em mim que fez com que ele me amasse”.[1]
Será que a Escritura ensina isso? Será que Deus olha bem no fundo da nossa alma com seus olhos que tudo veem e encontra ali um núcleo precioso de algo que, de forma irresistível, provoca nele um profundo amor pelo homem caído?
Um surpreendente contraste
Ao descrever exatamente o que acontece quando a graça de Deus cruza a vida de um pecador, Paulo faz várias distinções marcantes entre o fiel e o ímpio. Para apreciar toda a força do texto, devemos ler pelo menos a seguinte passagem:
Ele vos deu vida, estando vós mortos nas vossas transgressões e pecados, nos quais andastes no passado, no caminho deste mundo, segundo o príncipe do poderio do ar, do espírito que agora age nos filhos da desobediência, entre os quais todos nós também antes andávamos, seguindo os desejos carnais, fazendo a vontade da carne e da mente; e éramos por natureza filhos da ira, assim como os demais. Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo imenso amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos pecados, deu-nos vida juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele, e com ele nos fez assentar nas regiões celestiais em Cristo Jesus, para mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza da sua graça, pela sua bondade para conosco em Cristo Jesus (Ef 2.1-7).
Observe o surpreendente e imenso contraste entre os versículos de 1 a 3 e de 4 a 7: a existência do não crente consiste em morte e pecado, enquanto o crente experimenta vida e graça, e o que faz a diferença é o “mas Deus”. Quando o crente se aproxima de Deus pela fé, crendo em Jesus para o perdão dos pecados, ele literalmente se move da morte para a vida, algo que somente Deus pode fazer.
Mas a descrição paulina das diferenças entre o crente e o não crente não termina com esses versículos. Ele continua a estabelecer contrastes nos versículos de 11 a 22. Se combinarmos o conteúdo desses dois textos (Ef 2.1-7 e 2.11-22), veremos as seguintes diferenças entre os não salvos e os que foram salvos.
Não salvos
- São mortos em transgressões e pecados (v. 1);
- andam no caminho deste mundo, do príncipe do poderio do ar, do espírito que agora age nos filhos da desobediência (v. 2);
- seguem os desejos carnais (v. 3);
- fazem a vontade da carne e da mente (v. 3);
- são por natureza filhos da ira (v. 3);
- são separados do povo de Deus e de Cristo (v. 11,12);
- são estranhos à aliança de Deus (v. 12);
- não têm esperança, nem Deus (v. 12);
- são estranhos e imigrantes neste mundo (v. 19).
Salvos
- São recebedores da misericórdia e do amor de Deus e da paz de Cristo (v. 4,14);
- são vivificados e membros do povo de Deus (v. 5,13);
- são ressuscitados com Cristo (v. 6);
- são assentados nas regiões celestiais em Cristo Jesus (v. 6);
- estão prontos para receber graça nos séculos vindouros (v. 7);
- são reconciliados com Deus (v. 16);
- não têm nenhuma hostilidade para com Deus (v. 16);
- têm acesso ao Pai no mesmo Espírito (v. 18);
- são concidadãos dos santos e membros da família de Deus (v. 19);
- são edificados em Cristo e na sua Palavra (v. 20);
- crescem para ser o templo santo do Senhor (v. 21);
- são edificados para a morada de Deus no Espírito (v. 22).
Nada pode transformar o primeiro conjunto de características no segundo, exceto Deus. Assim, não é de surpreender que, após Paulo descrever os infiéis com alguma profundidade, encontremos as palavras “mas Deus” no versículo 4. Aqueles que não são salvos, conscientes disso ou não, encontram-se em uma situação desesperadora e trágica, a qual nada podem fazer para mudar. No entanto, a história não termina aqui. Deus não abandona as pessoas criadas à sua imagem, deixando-as completamente sem esperança. Ele age para salvá-las, e o faz graças a sua própria natureza: “Mas Deus, que é rico em misericórdia, pelo imenso amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos pecados…”. Deus salva por uma única razão: por ser misericordioso e amoroso. Seu brilhante caráter, destacado contra o fundo escuro do pecado da humanidade, ilumina a incrível natureza da sua graça.
Será que Deus nos ama porque somos bonzinhos?
Portanto, será que Deus nos ama por sermos seres adoráveis? Não, muito pelo contrário. Todos, na verdade, seguimos o pecado, Satanás e o próprio eu. Não fosse pela intervenção graciosa de Deus, teríamos permanecido objeto de sua ira, em vez de recebedores de sua graça. Mas Deus preferiu demonstrar graça e, ao fazê-lo, nos escolheu.
Deus o fez somente por causa de quem ele é. Lembre-se de como ele se descreveu para Moisés: “Senhor, Senhor, Deus misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e cheio de bondade e de fidelidade; que usa de bondade com milhares; que perdoa a maldade, a transgressão e o pecado” (Êx 34. 6,7). Esse Deus é, sempre foi e sempre será. Ele é misericordioso e amoroso. Portanto, age para o nosso bem, unilateralmente, pela misericórdia arraigada no amor. Um comentarista bíblico escreveu: “Misericórdia e amor são revelações do ser de Deus, não uma resposta a algo no indivíduo que mereça amor. Deus age com misericórdia por ser esse tipo de Deus”.[2]
Quando refletimos sobre uma declaração “mas Deus” na Escritura, pode ser útil pensar sobre o que teria acontecido sem essa declaração. Às vezes isso é fácil — se, por exemplo, Deus não tivesse se lembrado de Noé na época do Dilúvio, a humanidade teria desaparecido. Às vezes, isso é difícil ou até mesmo impossível — simplesmente não podemos dizer como seria a história bíblica se Deus tivesse escolhido um povo que não fosse Israel para agraciar com suas alianças (Dt 29.29).
No entanto, podemos discernir nosso destino facilmente, imaginando o que aconteceria se a declaração “mas Deus” em Efésios 2 não estivesse ali. Essa lista teria terminado com a categoria “não salvos”, isto é, não haveria a categoria “salvos”. Não poderíamos ter nenhuma lista de atributos e benefícios destinada aos salvos, pois não haveria um salvo sequer. Todos continuaríamos mortos em nossos pecados — todos os homens, mulheres e crianças, desde Adão até o último de nossa espécie. Não teríamos nenhuma esperança. Permaneceríamos filhos da ira para sempre, não possuindo em nós nada digno de redenção, e nenhum esforço humano poderia alterar esse fato.
Notas
[1] Donald Miller, Blue like jazz (Nashville: Thomas Nelson, 2003), p. 238.
[2] Klyne Snodgrass, Ephesians, in: Terry Muck, org., The NIV application commentary (Grand Rapids: Zondervan, 1996), p. 100.
Trecho extraído da obra “Mas Deus…” – Série Cruciforme“”, de Casey Lute, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2015, p. 71-78. Publicado no site Cruciforme com permissão.
Casey Lute é mestre em Estudos Bíblicos pela faculdade The Master's College e bacharel em Ministério pela Corban Universitu. Atuou como pastor em igrejas da Califórnia e do Colorado, nos Estados Unidos. |