Desde o século XIX, os Estados Unidos vêm mostrando que possuem um solo bastante propício ao crescimento e propagação de diversos movimentos sectários. O próprio século XIX, por si só, testemunhou o aumento de não apenas diversas seitas menores, mas também de várias outras mais significativas, incluindo as Testemunhas de Jeová e os Mórmons. Uma série de fatores nos ajuda a entender por que isso ocorreu nessa época. Mas e a época atual? Será que existe algo em nossa maneira contemporânea de pensar ou viver que proporcione, de maneira similar, a proliferação de seitas e tendências sectárias?
Por um lado, diversos aspectos da cultura e religião do século XIX que contribuíram para o crescimento dessas várias seitas continuam a fazê-lo nos dias de hoje. Nós ainda somos pessoas hiperindividualistas atraídas por ideais populistas. Desconfiamos profundamente de todas as autoridades tradicionais, incluindo a Igreja e suas crenças. No meio da igreja, a afirmação “Nenhuma crença senão Cristo” (o que, ironicamente, é uma crença) não perdeu nada do seu apelo emocional. Tendências farisaicas dentro da igreja continuam a encorajar a ideia de que há um conflito entre o coração e a mente, o que causa um antagonismo em relação a tudo que seja doutrinário ou intelectual. Tais equívocos levaram a uma severa falta de discernimento no século XIX, de tal forma que tais equívocos continuam até hoje, bem como os perigos que eles trazem.
A febre anti-intelectual que existia no século XIX ganhou forças no século XX. Nós testemunhamos o “emburrecimento” da nossa cultura. O próprio advento da televisão, como explica Neil Postman, contribuiu grandemente para a transição de uma “Era da Exposição” para a “Era do Show Business” (Amusing Ourselves to Death, Editora Penguin, 1985, p. 64). O emburrecimento da cultura foi seguido pelo emburrecimento da igreja. Infelizmente, muitas igrejas se renderam aos padrões da cultura contemporânea e acabaram se tornando um local de entretenimento, e não mais de adoração. Sermões com teologia ou exegese profundas se tornaram uma espécie em extinção, sendo trocados por mensagens terapêuticas vazias e por psicologia popular sem fundamento. No século VIII a.C., o profeta Oseias proclamou as palavras do Senhor a Israel, dizendo: “Meu povo foi destruído por falta de conhecimento” (4:6, NVI). Tal lamento é bastante apropriado no contexto anti-intelectual atual, no qual os cristãos perderam a habilidade de pensar.
A aversão à teologia, que começou a ganhar força no século XIX, se fortaleceu ainda mais no século XX. Alguns argumentavam que a teologia era algo prejudicial à verdadeira “religião do coração”, enquanto outros diziam que era simplesmente impossível estudar Deus. Aos poucos, a teologia foi saindo do centro da vida da igreja e se movendo para a periferia. Já não ensinam mais com frequência, na igreja, as verdades fundamentais da fé cristã, e por isso os cristãos ficam vulneráveis às seitas e a outros movimentos que tão habilmente distorcem as Escrituras.
Como David F. Wells já observou, não há espaço para a teologia onde não há espaço para a verdade, e um aspecto da cultura contemporânea no qual certamente não há espaço para a verdade é o que tem sido chamado de “pós-modernismo”. É complicado definir o que é pós-modernismo de forma breve, mas envolve uma quantidade de movimentos na arte, na arquitetura, na literatura etc. que são identificados por sua rejeição ao modernismo, ou “O projeto do Iluminismo”, e aos seus apelos a normas universais. “O espírito animador do pós-modernismo”, como Gertrude Himmelfarb observa, “consiste em individualismo e ceticismo radicais, que rejeitam qualquer ideia de verdade, conhecimento ou objetividade”. Obviamente, os que rejeitam a ideia da verdade objetiva não são aptos a discernir a verdade do erro. Hoje em dia nós podemos encontrar, na igreja, o relativismo e irracionalismo extremos da cultura pós-moderna.
É importante levar em conta que não apenas realidades intelectuais importantes mudaram drasticamente nosso cenário cultural, como também inovações tecnológicas. Um avanço tecnológico importante é a Internet. No século XIX, se alguém quisesse divulgar seus ensinamentos, teria que encontrar lugares propícios para isso ou tentar publicar seus ensinamentos a fim de distribuí-los melhor. Sem o rádio ou dispositivos de gravação de voz, sua audiência normalmente se limitava àqueles realmente presentes (isto é, a não ser que alguém transcrevesse a mensagem falada). Se alguém quisesse publicar seus ensinamentos, geralmente teria que encontrar uma editora disposta a publicar seu trabalho. Em outras palavras, o fato de alguém ter algo que quisesse transmitir ao máximo de pessoas possível não significava que iria conseguir fazê-lo.
Mas hoje isso é diferente. A Internet proveu uma máquina de imprensa a todos que têm acesso a um computador. Com a Internet, não há mais editores que decidem o que vai ou não ser publicado. Por outro lado, isso proporcionou inúmeras oportunidades para aqueles que possuem um material bom e substancial terem tais materiais disponíveis para uma audiência bem maior. Mas isso também abriu espaço para que qualquer seita propague falsidades. E a Internet não separa as duas coisas. Pode-se encontrar as obras de Calvino ou Warfield no mesmo computador onde se encontram as obras de Joseph Smith ou John Shelby Spong. É o usuário da Internet que deve saber discernir a verdade do erro, mas no atual contexto relativista e anti-intelectual, tal discernimento é bem difícil de ser encontrado.
A Internet proporcionou uma maior facilidade para líderes de seitas, cismáticos e dissidentes teológicos poderem espalhar sua mensagem. Os que possuem tendências sectárias e hiperindividualistas podem se estabelecer na rede e espalhar sua mensagem pelo mundo inteiro. Atualmente, seitas mais antigas como os Mórmons e as Testemunhas de Jeová possuem websites feitos por profissionais. Dissidentes teológicos de todo tipo montaram websites de qualidade boa ou questionável, expondo suas interpretações contraditórias das Escrituras. Vários destes cismáticos utilizam seus websites para se autopromoverem como pequenos papas cibernéticos, constantemente declarando anátemas a qualquer um que ousasse discordar de suas opiniões idiossincráticas e antibíblicas.
Sempre tivemos lobos em peles de cordeiro. Entretanto, o contexto anti-intelectual e antiteológico do mundo de hoje deixa ainda mais difícil para os cordeiros conseguirem diferenciar lobos de outros cordeiros, e avanços tecnológicos, como a Internet, deixam ainda mais fácil para os lobos se infiltrarem e fazer mal ao rebanho.
Para poder agir em meio à nossa realidade atual, a Igreja deve, em primeiro lugar, se atentar aos perigos. Então, ela deve trabalhar para mudar os padrões de pensamento que contribuem para a propagação de seitas e tendências sectárias. A Igreja deve rejeitar o anti-intelectualismo irracional e abraçar ao Deus cuja Palavra é a verdade. Os cristãos devem recuperar o desejo e a habilidade de pensar – amando a Deus com todo seu coração e também com todo o entendimento. Os cristãos devem rejeitar a ideia de que a teologia não é importante, porque todos que compartilham dessa opinião se tornam alvos fáceis de seitas e outras formas de falsidade. Os cristãos devem rejeitar o hiperindividualismo que tem tido um crescimento desenfreado na igreja nos últimos séculos. A Igreja é a comunhão dos santos, não um exército de um homem só. Nós nos tornamos presas fáceis se ficarmos longe da igreja, de sua doutrina, da oração, da adoração e de seus sacramentos. Como membros do corpo de Cristo, ou seja, a Igreja, devemos suportar uns aos outros em oração e crescer em discernimento para que que possamos reconhecer as artimanhas sutis do inimigo, quando e onde quer que nos deparemos com elas.
Traduzido por Filipe Espósito e revisado por Maria Gabriela Pileggi.
Texto original: Modern Cultic Tendencies. Ligonier.
Keith Mathison é professor de teologia sistemática no Reformation Bible College em Sanford. É autor de muitos livros, incluindo o livro From Age to Age. |