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01/dez/2021É comum argumentar hoje em dia que todas as religiões são essencialmente iguais e que todas elas buscam o mesmo objetivo. Mas isso seria uma avaliação correta da situação? O cristianismo seria uma outra versão dos mesmos temas encontrados em todas as religiões? Será que isso nos permite ver todas as religiões como caminhos para o mesmo Deus ou será que há algo singular no cristianismo que o diferencia das outras religiões de alguma forma fundamental? Essa é a questão que eu gostaria de abordar. Começaremos com uma discussão sobre a natureza da religião e ofereceremos uma breve reflexão sobre essa questão.
A natureza da religião
Um dos problemas mais desconcertantes da erudição religiosa é a incapacidade de chegar a um consenso em relação às definições. As definições de religião variam de forma ampla e muitos se desesperam com a possibilidade de não podermos defini-la. Isso realmente levanta algumas dificuldades. O requisito para uma definição adequada de religião é que ela seja elaborada em torno de elementos comuns partilhados por todas as religiões. E aqui está o problema. Em última análise, é possível descobrir algum elemento comum a todas as religiões? Várias tentativas têm sido feitas para abordar o problema da definição, resultando em várias escolas de pensamento específicas sobre a questão.
As definições substantivas tentam definir a essência ou substância da religião. Várias abordagens foram oferecidas. Émile Durkheim identificou a religião em termos de sua separação da vida em dois reinos distintos, o sagrado e o profano. O sagrado gera uma sensação de temor, medo e majestade em relação ao mundo da vida cotidiana chamado de profano. Para interagir com o sagrado, desenvolve-se um conjunto de rituais e uma teologia para racionalizar o ritual. A religião é considerada predominantemente uma atividade de grupo. Rudolph Otto descreveu a religião como a experiência do sagrado. Trata-se de um reino de mistério e alteridade ─ esse reino atrai e repele, mas é, em certo sentido, irresistível. Schleirmacher, o pai da religião liberal moderna, caracterizou esse sentimento como um sentimento de dependência absoluta. Finalmente, Mircea Eliade acrescentou à noção de sagrado e profano a ideia de divisão de tempo e espaço. Mircea afirmou que os seres humanos são realmente homo religiosus, ou o ser que anseia pelo transcendente. O sagrado é um elemento estrutural permanente da mente.
Uma segunda escola de pensamento compreende definições funcionais. A religião é definida em termos de como funciona para atender às necessidades básicas dos indivíduos e da sociedade. Milton Yinger, por exemplo, afirma que as funções da religião permitem que os seres humanos lutem com os problemas fundamentais da vida humana, como a morte, o mal, o sofrimento e a injustiça. Richard Niebuhr definiu religião, ou melhor, Deus, como aquilo em que confiamos e que torna a vida significativa e valiosa. Qualquer coisa, nessa visão, poderia ser o “deus” de alguém ─ não se requer uma crença no sobrenatural. Rodney Stark e William Bainbridge rebatem isso dizendo que apenas a crença no sobrenatural é adequada para atender às necessidades de transcendência que a maioria dos seres humanos experimenta. Portanto, apenas os sistemas sobrenaturais devem ser considerados religiosos. No entanto, parece-me que os sistemas de crença secularizados ─ o comunismo, por exemplo ─ muitas vezes geram um nível de compromisso que só poderia ser caracterizado como fanatismo religioso. Isso, porém, é parte do problema da definição.
Por fim, existem definições simbólicas baseadas na teoria do interacionismo simbólico. O interacionismo simbólico sustenta que as pessoas não respondem diretamente ao mundo ou a outras pessoas, mas aos significados simbólicos colocados em outros objetos, pessoas e comportamentos. Os macrossímbolos envolvem visão de mundo e cosmologia. A religião, então, é um sistema de símbolos que fornece uma visão de mundo que explica a natureza da realidade. Ela deve fornecer coerência intelectual e também significado e conforto em meio à dor. O sistema interacionista simbólico pressupõe uma epistemologia que, em última análise, nega a cognoscibilidade do mundo empírico.
Depois de um exame superficial dessas escolas, parece claro que todas elas não conseguem resolver o problema da definição. No entanto, cada uma delas pode ser útil até certo ponto, dependendo dos tipos de perguntas que alguém está fazendo sobre religião. Contudo, concordo com o filósofo Gordon Clark, que trata desse assunto em seu livro Religion, Reason and Revelation. Clark começa demonstrando que todas as tentativas de unificar as várias religiões sob um único termo fracassam. As definições funcionalistas falham porque os funcionalistas não conseguem chegar a um consenso em relação às necessidades humanas básicas que a religião supre e como ela faz isso. As definições substantivas, por sua vez, falham em chegar a um consenso sobre o que é a essência da religião em si. Seria a crença em Deus? Qual Deus? Os conceitos hindu e muçulmano de Deus estão em um conflito tão absoluto um com o outro que, se ambos os conceitos forem admitidos, a palavra “deus” em si perde o seu sentido. Algumas definições são tão inclusivas que o aspecto característico da religião parece ter se perdido, ao passo que definições mais restritivas tendem a eliminar os sistemas de crença e prática que gostaríamos de incluir.
O problema de se definir religião é, portanto, realmente um problema de circularidade. O método requer desde o início o conhecimento que no final afirma chegar. Para encontrar o elemento comum em todas as religiões, devemos primeiro ser capazes de distinguir religião de não-religião, mas, para fazermos isso, devemos primeiro encontrar o elemento comum. Consequentemente, embora as religiões existam, é difícil encontrar uma categoria genérica (religião) adequada para incluir todas elas.
A resposta cristã a essa pergunta, de acordo com Clark, está na realidade de que Deus criou a humanidade à sua imagem. Os primeiros seres humanos existiram originalmente em um estado de perfeição moral e tinham revelação direta de Deus. Esse foi o início da religião. Quando a humanidade caiu em pecado, no entanto, o afastamento de Deus resultou em seres humanos distorcendo grosseiramente essa revelação. Essas distorções evoluíram em diferentes direções ao longo de muitas gerações, até que sistemas amplamente diversos se desenvolveram. No entanto, todos esses sistemas são, em certo sentido, o resultado da interação humana com a revelação contínua de Deus e, por isso, são chamados de religiões.
Eu acrescentaria à afirmação de Clark que a compulsão por sentido e transcendência experimentada pelo ser humano é resultado da necessidade da presença de Deus em sua vida devido ao fato de ter sido criado à imagem de Deus para o propósito de se relacionar com ele. No entanto, as distorções induzidas pelo pecado mencionadas acima resultam em tentativas distorcidas de atender a essa necessidade. Esta é uma declaração bastante exclusiva, pois equivale à afirmação de que apenas a fé cristã é verdadeira e que todas as outras religiões são distorções ou negações dela. Isso, de fato, é o que a Bíblia afirma (veja Romanos 1.18ss). Provar tal afirmação em detalhes está além do escopo deste artigo, mas nos leva à nossa próxima análise. Se o cristianismo é verdadeiro e todas as outras religiões, em certo sentido, são uma distorção desta verdade, então a fé cristã deve ser absolutamente singular em algum aspecto fundamental. Voltaremos agora nossa atenção para esse ponto.
Cristianismo e outras religiões
Em primeiro lugar, deve ficar claro que se os acadêmicos em estudos religiosos e campos relacionados não conseguem encontrar elementos comuns para chegarem a um consenso acerca da definição de religião, então a alegação de que todas as religiões são de alguma forma iguais ou estão tentando alcançar os mesmos fins é obviamente falsa. Se não fosse assim, seria bastante simples encontrar o elemento comum a todas elas. Entretanto, o fato é que, ao analisarmos as várias religiões do mundo, descobrimos rapidamente que elas consistem em visões de mundo totalmente incompatíveis.
Mais uma vez, por uma questão de espaço, limitarei minhas observações. Em vez de tentar tratar da gama completa dos vários sistemas religiosos, vou me concentrar no conceito de Deus e no método de alcançar a salvação conforme expresso nas principais religiões do mundo: hinduísmo, budismo, judaísmo, islamismo e cristianismo. Mesmo aqui, a discussão deve se limitar aos pontos essenciais para observar as maneiras como a fé cristã se distingue das demais.
Todas as visões de mundo podem ser divididas em pelo menos duas categorias diferentes: aquelas que postulam uma personalidade última responsável pela existência do universo e aquelas que, em última instância, consideram o universo impessoal. Podemos colocar na segunda categoria todas as formas de ateísmo, materialismo, as principais religiões orientais (como o budismo e o hinduísmo) e também todas as variedades de ocultismo, incluindo as atuais filosofias da Nova Era. Quer o universo seja concebido como um organismo vivo em certo sentido (hinduísmo, Nova Era) ou como sendo puramente mecânico (naturalismo, humanismo secular), essas posições têm em comum a ideia de que a realidade última é essencialmente impessoal. Deus, se sua existência for admitida, é definido como a soma de toda a realidade (panteísmo), ou talvez a realidade seja definida como sendo de alguma forma uma emanação do ser de Deus (panenteísmo). A ideia central é que existe apenas um tipo de Ser (observe o S maiúsculo) e que Deus é uma parte disso. O ser de Deus é, portanto, correlativo ao Ser do universo. Normalmente Deus é concebido como sendo totalmente impessoal, talvez como o conglomerado de energia do universo, ou como “amor cósmico” (uma dificuldade geralmente ignorada é a afirmação de que o amor surgiu do impessoal). Religiões contemporâneas como as Testemunhas de Jeová e o Mormonismo também se enquadram nesta categoria porque, embora tenham deuses pessoais, cada uma delas postula um deus finito que existe contra o pano de fundo de um Ser impessoal maior em geral sobre o qual ele não possui controle soberano pessoal.
Nestes sistemas, a salvação varia um pouco. Normalmente no panteísmo e mesmo no panenteísmo, assim como no pensamento do processo moderno, a salvação é definida em termos de progressão humana pela Grande Cadeia do Ser conduzindo à absorção no nada impessoal de Deus ou talvez à divindade pessoal. Isso é realizado por meio de algum tipo de misticismo e esse misticismo normalmente envolve graus variados de duas características. A primeira é a introdução de estados alterados de consciência para destruir a mente racional e suas ilusões que nos enganam para apreender sua própria divindade. A segunda é a obediência a algum tipo de código legal para purificar-se e obter graus mais elevados de exaltação. Diferentes sistemas nesta categoria podem variar muito em detalhes, mas acredito que esta descrição geral capta a essência de todos eles. Mais importante, não há uma sensação de se estar totalmente desamparado e arruinado pelo pecado e, portanto, de ser incapaz de fazer qualquer coisa para alcançar a própria salvação. Esse senso da própria pecaminosidade é, obviamente, essencial para a fé cristã.
Agora, os conceitos de Deus (Deus ou a realidade última é impessoal) e salvação (progressão em relação à divindade) apresentados acima são totalmente contraditórios ao cristianismo, islã e judaísmo. Eles não se parecem em nada. É óbvio, portanto, que a afirmação da Nova Era/hinduísmo de que todas as religiões são uma só é baseada em uma falha em se estudar de maneira séria as demais religiões e compreendê-las bem, ou então trata-se de uma afirmação deliberadamente desonesta. A abordagem típica adotada nos círculos da Nova Era, por exemplo, é de redefinir toda a terminologia bíblica com significados ocultistas e então afirmar que Jesus realmente concorda com eles. O contexto histórico e cultural da Bíblia é ignorado a fim de introduzir conceitos que lhe são completamente estranhos. Nos casos em que o significado do texto é muito claro e está além de tal manipulação, eles simplesmente afirmam que o texto foi corrompido e alterado por algum concílio posterior da igreja ou pelo Papa. Os adeptos da Nova Era dizem, por exemplo, que os ensinamentos esotéricos de Jesus que favoreciam a reencarnação foram removidos. Deste modo, mantém-se a pressuposição de que todas as religiões estão de fato dizendo a mesma coisa. Realmente não importa que existam estudos sérios que estabeleceram, além de qualquer dúvida razoável, que o texto bíblico foi notavelmente preservado. Na verdade, não há nenhuma evidência de qualquer conspiração para remover da Bíblia ensinos como a reencarnação. Uma vez que a veracidade do texto bíblico foi colocada como irrefutável pelos acadêmicos, o único caminho que resta para a abordagem hinduísta/Nova Era da unidade religiosa é a reinterpretação do texto bíblico mencionada anteriormente. Essa abordagem orwelliana da religião é corretamente considerada como um insulto pelos cristãos, muçulmanos e judeus.
Essas religiões que afirmam que o universo se originou em uma fonte fundamentalmente pessoal possuem mais coisas em comum. Essas religiões que derivaram de uma forma ou de outra da antiga fé de Abraão sustentam um monoteísmo pessoal absoluto. Existe apenas um Deus cujo atributo supremo é o da personalidade. Ele pensa, deseja, age e até expressa emoções como amor, tristeza e ira. Afirma-se que ele criou todas as coisas a partir do nada e que ele é, portanto, a realidade última. Desse modo, é introduzida a ideia de que Criador e criatura são distintos. Deus é outro porque pertence a uma categoria de Ser totalmente diferente. Não existe um Ser em geral, mas sim o ser criado e o Ser incriado. Mas as semelhanças terminam aqui.
Apesar de todas as suas disputas, o judaísmo contemporâneo e o islamismo estão de acordo quanto à unidade absoluta de Deus. Deus é pessoal e apenas um. Além disso, ambos os sistemas concordam que a salvação do pecado é realizada por meio da obediência aos requisitos de Deus. Assim, mais uma vez, a base da salvação é a realização pessoal de se guardar várias leis e regulamentos ou de se viver uma vida moralmente pura. Neste ponto, temos um grande afastamento do evangelho cristão e sua ideia de Deus.
A singularidade do cristianismo gira em torno de sua visão de uma unidade absoluta da essência de Deus (há apenas um Deus) e sua insistência de que existem três personalidades distintas (ou centros de consciência) dentro dessa essência conhecidas como Pai, Filho e Espírito Santo. Além da doutrina da Trindade, há a afirmação intransigente de que os seres humanos estão totalmente perdidos e corrompidos pelo pecado (depravação total) e que nenhuma vida moral ou observância de lei, ritual, etc. poderia fazer ganhar a salvação. O padrão de Deus para se merecer a salvação seria uma vida de perfeição absoluta. Isso é impossível para qualquer um alcançar.
A doutrina da Trindade é totalmente exclusiva do cristianismo. Embora outras religiões tenham tido tríades de vários tipos, nenhuma delas manteve a ideia de um monoteísmo estrito com três pessoas envolvidas. Isso define a distinção entre Criador e criatura de maneira mais precisa porque implica que Deus é absolutamente independente de sua criação. No islã e no judaísmo, Deus precisa de sua criação para experimentar a diversidade e, portanto, seu Ser é, nessa medida, correlativo ao ser do universo (isto é, Deus não é completo sem o universo e, portanto, depende dele). O Deus do cristianismo experimenta unidade e diversidade (incluindo amor e relacionamento) dentro de seu próprio Ser e, portanto, não precisa de nada. Seu ato de criar o mundo foi efetuado simplesmente porque isso lhe agradou e não por qualquer sentimento de necessidade.
Deve-se notar também que a existência de uma Trindade pessoal na eternidade passada significa que o amor e os relacionamentos são verdadeiramente eternos. Eles são um aspecto essencial da realidade final. Ao contrário das visões de mundo hinduísta, da Nova Era e do materialismo, o cristão não precisa lidar com o problema de como derivar o amor como valor último a partir de uma realidade última impessoal, que, por definição, não pode amar. Da mesma forma, o cristão não possui o problema do judeu e do muçulmano que têm de lidar com um Deus que é incompleto em si mesmo e que precisa, portanto, criar um universo com pessoas para que possa experimentar amor e relacionamento. Deus não precisava criar o mundo. Ele não estava solitário, como se costuma dizer. Ele já vivia em relacionamentos de amor absoluto e perfeito na eternidade passada, antes que o universo fosse criado.
Com relação à salvação, o Novo Testamento deixa claro que os seres humanos são pecadores e que a justiça de Deus exige retribuição e punição pelo pecado. Embora a reação humana normal seja rebelar-se contra essa ideia, nossa própria experiência serve para nos ajudar a compreender que a justiça exige a punição do pecado. Se você fosse um pai cujo filho foi molestado e assassinado, seria um ato de amor simplesmente ignorar o autor do ato? Não, o amor exigiria que a justiça fosse buscada. Assim como nosso próprio senso de justiça tem repulsa à ideia de permitir que um molestador de crianças que assassina suas vítimas fique livre por conta de uma tecnicidade legal, a justiça de Deus repudia a ideia de permitir que o pecado fique impune. Quem, em sã consciência, ficaria simplesmente indiferente se seu próprio filho fosse uma dessas vítimas? A justiça é um corolário necessário do amor. O amor de Deus pelo universo e pelas pessoas que ele criou é tal que ele deve punir aqueles que praticam abusos contra o universo e contra outras pessoas. O problema é que, tendo em vista que o padrão de Deus é a perfeição total, todos nós falhamos. Todos nós abusamos da criação de Deus. Na verdade, todos nós tentamos viver independentemente de Deus. Ao reivindicar nossa autonomia de Deus, cometemos o maior abuso de viver como se fôssemos nossos próprios deuses. Portanto, merecemos seu julgamento.
O posicionamento da Bíblia em relação a outras religiões é que elas são uma extensão dessa aposta por autonomia. Elas são vistas como religiões que suprimem a verdade de Deus a fim de evitar reconhecê-lo. Como isso pode acontecer? Afinal de contas, elas não colocam Deus no centro de sua fé assim como o cristianismo? No entanto, a questão crucial é: qual Deus? Do ponto de vista bíblico, adorar a qualquer deus além da Trindade bíblica é adorar a nenhum Deus. Parece que a humanidade, em sua rebelião contra o verdadeiro Deus, deseja coisas que são em si conflitantes. Ela deseja a segurança de uma divindade para protegê-la, mas deseja preservar sua independência para determinar seu próprio destino. Essa aposta por autonomia está em total contraste com a singularidade do verdadeiro cristianismo na área da salvação.
As religiões não cristãs têm um sistema de salvação que depende, em última análise, das realizações da pessoa que pratica a religião. Seja por meio da observância de regras, meditação ou outras ações, as boas ações e obras do indivíduo são consideradas como a causa da salvação. Isso é visto mais claramente na noção popular de que se você viver uma vida boa e tratar bem as pessoas, será admitido no céu ou aceito por Deus. Isso é exatamente o oposto do que a Bíblia ensina. O cristianismo afirma que você não pode fazer nada para merecer, obter, ganhar ou assegurar a salvação para si mesmo ─ nenhuma quantidade de atividade religiosa ou de boas ações é suficiente. O cristianismo exige que, para que alguém seja salvo da ira vindoura de Deus, a pessoa deve se curvar diante de Deus como seu Criador e como um pecador totalmente impotente em busca de perdão. Ou seja, a autonomia e independência de Deus devem ser renunciadas. É preciso acreditar que Jesus é Deus e confiar somente nele para a salvação. Não podemos salvar a nós mesmos, mas Jesus prometeu que se confiarmos nele em vez de em nós mesmos, ele em hipótese alguma nos rejeitará.
No entanto, a natureza humana deseja qualquer coisa, exceto se curvar em completa submissão ao Pai, Filho e Espírito Santo. Isso é o que significa a afirmação insistente da Bíblia de que todos os seres humanos, por natureza, odeiam a Deus. Isso não se refere à atitude emocional dos seres humanos em relação a alguma ideia de espiritualidade ou divindade. Na verdade, hinduístas e muçulmanos podem parecer profundamente espirituais. Contudo, a ideia bíblica de ódio não é bem uma emoção, mas uma ação. Se você rejeita alguém, você o odeia, independentemente de experimentar ou não quaisquer sentimentos em relação a isso. Consequentemente, diz-se que os seres humanos caídos odeiam a Deus porque rejeitam o Deus da Bíblia, independentemente de quão espirituais possam parecer. Aqueles que persistem nessa prática são merecedores do julgamento de Deus.
Relatos recentes de experiências de quase morte foram apresentados em vários livros populares. Essas EQMs dão a impressão de que a noção de julgamento e punição na próxima vida são superstições antiquadas. Do outro lado, aguarda um ser de luz infinita que é totalmente amoroso e receptivo. Esse ser recebe a todos no paraíso, independentemente de suas crenças religiosas e de suas vidas passadas. Não há qualquer ideia de julgamento por atos errados e nem um indício da realidade do inferno. Na verdade, a ideia de tormento eterno no inferno é horrível, mas é contrabalançada pela repulsa moral que se deveria sentir pela ideia de Adolph Hitler deixar esta vida para se encontrar nos braços amorosos de um ser de luz que não faz julgamentos. A justiça exige alguma responsabilização dos Hitlers do mundo. Em todo o caso, deve-se entender o fato de que temos na Bíblia um registro preciso dos ensinos de Jesus e que esse registro mostra que Jesus ensinou sobre a existência do inferno e a realidade do castigo eterno. Na verdade, Jesus ensinou mais sobre o inferno do que sobre o céu e, para deixar bem claro a todos os seus críticos, afirmou sem rodeios que qualquer um que não cresse que ele era o próprio Deus Criador encarnado morreria em seus pecados (Jo 8.24).
A visão cristã das coisas cria um grande dilema para nós. Todos nós somos criaturas finitas. Nossa finitude, entretanto, não é o problema. Embora todos nós estejamos dispostos a admitir que os Hitlers e Stalins do mundo podem merecer o inferno, a Bíblia nos instrui a olhar para dentro de nós mesmos. Qualquer avaliação honesta revelará que nós também, cada um de nós, cometemos transgressões dignas de condenação eterna. Podemos querer negar isso, assim como o alcoólatra nega sua condição, mas isso não muda a nossa realidade. O verdadeiro cristianismo ensina que todos nós merecemos a ira de Deus. No entanto, uma criatura finita não pode exaurir a ira de um Deus infinito; assim, a punição deve ser eterna. A implicação disso é que toda a raça humana está condenada ao castigo eterno. De acordo com a Bíblia, este é realmente o caso, mas os pecadores culpados poderiam ser libertos se surgisse um substituto que suportasse a punição no lugar deles.
Se é verdade que uma criatura finita não poderia exaurir a ira infinita de Deus, então um mero substituto humano não seria suficiente. Por outro lado, uma pessoa infinita poderia exaurir a ira de Deus. A única pessoa que poderia fazer isso seria uma das pessoas da Trindade. O grande amor de Deus o motivou a buscar uma maneira de salvar os seres humanos da destruição eterna, fornecendo um substituto. Tal substituto precisa ser humano para expiar adequadamente o pecado humano, mas também deve ser Deus a fim de exaurir a ira de Deus. Daí a encarnação ─ Jesus Cristo, o Deus-homem.
A salvação, então, é um dom gratuito dado por meio da fé àqueles que deixam de confiar em seus próprios esforços de salvação e se prostram diante de Jesus como Senhor, Deus e Salvador, confiando em sua obra consumada na cruz e em mais nada para sua justificação e salvação. Até mesmo essa fé é um dom de Deus. O cristianismo é singular em seu conceito de Deus e de salvação e oferece este dom a todos que quiserem.
Nesse sentido, a Bíblia apresenta o cristianismo como uma antítese absoluta a todas as outras religiões. Todas as religiões não são iguais e nem todas buscam os mesmos fins. O cristianismo é absolutamente singular entre as várias religiões do mundo e apresenta cada pessoa com a necessidade de fazer uma escolha radical. Pode-se rejeitar isso como falso, mas a Bíblia não deixa como opção a possibilidade de incluir o cristianismo entre as outras religiões por ser simplesmente uma variação da mesma coisa. A própria Bíblia afirma fornecer uma estrutura abrangente para a interpretação de toda a realidade. Ela insiste que todas as outras religiões são tentativas de suprimir a verdade de Deus e evitar o reconhecimento do Deus verdadeiro. Quanto a isso, os escritores bíblicos clamam que todos devem se arrepender e nascer de novo, desistindo de seus ídolos para seguir Jesus Cristo.
Leitura adicional
Em vez de encher este artigo com notas de rodapé, decidi incluir uma lista de livros que fornecerão informações para a discussão acima e também informações adicionais. Claro, o melhor lugar para começar a aprender sobre o cristianismo seria a Bíblia. Neste caso, sugiro começar com o Evangelho de João.
ANDERSON, Norman, ed. 4ª ed. The World’s Religions. Grand Rapids: Eerdmans, 1975. Um bom texto introdutório do ponto de vista cristão evangélico.
BLOMBERG, Craig. A confiabilidade histórica dos evangelhos. Vida Nova, 2019. Uma defesa acadêmica da veracidade dos evangelhos do Novo Testamento como uma representação precisa da vida e dos ensinamentos de Jesus.
CLARK, Gordon H. Religião, Religion, Reason and Revelation. Nutley, NJ: The Craig Press, 1978. Contém o argumento de Clark de que a religião não pode ser definida.
ERICKSON, Millard. Introdução à teologia sistemática. Vida Nova, 1997. Um texto introdutório básico da teologia cristã.
GROOTHUIS, Douglas. Jesus in an Age of Controversy. Portland: Harvest House, 1997. Contém uma refutação acadêmica da ideia de que a Bíblia foi adulterada para eliminar dos ensinos de Jesus as doutrinas ocultistas como a reencarnação. Revela a desonestidade básica subjacente às tentativas da Nova Era de cooptar Jesus em seu sistema.
HUXLEY, Aldous. As portas da percepção. Biblioteca Azul, 2015. Este pequeno livro argumenta que o verdadeiro caminho para a percepção espiritual são experiências que alteram a mente, seja por meio da meditação ou de drogas alucinógenas. O livro pressupõe a unidade de todas as religiões, conforme argumentado no livro A filosofia perene: uma interpretação dos grandes místicos do Oriente e do Ocidente.
_________. A filosofia perene: uma interpretação dos grandes místicos do Oriente e do Ocidente. Biblioteca Azul, 2020. Huxley defende uma unidade subjacente em todas as religiões com base no panteísmo.
LOVEJOY, Arthur O. A grande cadeia do ser. Palíndromo, 2005. Para quem não está familiarizado com este importante conceito.
NEWPORT, John P. Life’s Ultimate Questions: A Contemporary Philosophy of Religion. Dallas: Word Publishing, 1989. Um texto padrão de filosofia da religião com discussões sobre as várias religiões do mundo e suas abordagens para diferentes questões.
RAWLINGS, Maurice. Beyond Death’s Door. Nashville: Thomas Nelson, 1978.
________. To Hell and Back. Nashville: Thomas Nelson, 1993. O Dr. Rawlings é cardiologista com mais de trinta anos de experiência como médico e professor. Ele apresenta um relato muito diferente do pensamento habitual sobre as EQMs, argumentando que algumas pessoas retornam falando em julgamento e ira.
ROBERTS, Keith A. A Religion in Sociological Perspective. 2d ed. Belmont, CA: Wadsworth Publishing Co., 1990. Oferece uma discussão sobre as várias escolas de pensamento a respeito da natureza da religião.
SCHAEFFER, Francis A. O Deus que se revela. Cultura Cristã, 2019. Uma discussão das visões de mundo possíveis e suas implicações. Schaeffer argumenta que apenas o teísmo cristão responde adequadamente às questões filosóficas básicas que atormentam a humanidade há séculos.
SMITH, Huston. The Religions of Man. Edição 50 da Anv, Nova York: HarperOne, 2009. Por muitos anos é um texto padrão em cursos de religião em faculdades que apoiam a unidade essencial de todas as religiões.
SPROUL, R. C. Se Deus existe, por que existem ateus? A descrença e a fuga de Deus. Vida Nova, 2021. Este livro descreve a psicologia do ateísmo. Diz-se que o ateísmo é uma forma de projeção de desejo em que o ateu nega a existência de Deus porque não está disposto a enfrentar as implicações do julgamento. Um livro interessante e provocativo que deve ser respondido por qualquer ateu que deseja manter a integridade intelectual.
VAN TIL, Cornelius. The Defense of Faith. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1979. Uma apresentação filosófica da defesa pressuposicional do cristianismo. Van Til examina as pressuposições necessárias para evitar a destruição de todo o conhecimento no ceticismo niilista e conclui que somente o cristianismo fornece a solução.
Traduzido e revisado por Jonathan Silveira.
Texto original: Some Remarks on the Uniqueness of the Christian Faith.
Alan Myatt é bacharel em Artes (Psicologia e História) pela Vanderbilt University, Mestre em Divindade pelo Denver Seminary e PhD em Estudos Teológicos e Religiosos pela Universidade de Denver/Iliff School of Theology em Denver, Colorado, nos Estados Unidos. Leciona teologia sistemática, apologética e missões no Gordon-Conwell Theological Seminary, em Charlotte, North Carolina, nos Estados Unidos, e na Faculdade Teológica Batista do Paraná, em Curitiba. |
Além dos tradicionais assuntos tratados em uma Teologia Sistemática, esta obra proporciona ao leitor os seguintes diferenciais: - Adota uma metodologia integrativa que analisa importantes questões religiosas, históricas, apologéticas e práticas. Essa metodologia divide o estudo em 6 etapas: definição do problema; estudo histórico e comparativo (com um estudo das religiões, seitas e filosofias mais significativas); estudo bíblico; estudo sistemático, estudo apologético e aplicação prática na vida e no ministério. - Inclui respostas a problemas relevantes levantados pela situação cultural atual. Portanto, o leitor terá em mãos uma obra que vai além da mera sistematização do ensino bíblico, pois procura responder de forma adequada a questões cruciais do contexto atual. Publicado por Vida Nova. |
2 Comments
Deus os abençoe, usei algumas falas do dr, Allan em minha dissertação
Alan, obrigado por este primoroso e oportuno artigo. Alcança profundidade sem se perder em vocabulário rebuscado e digressões. Bem ao estilo de suas performances na guitarra nos bons tempos na Igreja Batista do Leme. Abraçaço fraterno.
Philippe