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17/ago/2017O livro A Cabana, de Paul Young, vendeu 20 milhões de cópias, foi inspiração para um grande filme e gerou muita reflexão e discussão espiritual. Algumas pessoas apreciaram a sua descrição da fé e do sofrimento. Outras ficaram incomodadas com suas excentricidades teológicas. Não foram poucos os que empregaram aquela palavra que começa com H para descrevê-lo (“Heresia”). Contudo, o fato de A Cabana, além de outros livros de Young, serem romances, isso faz com que seja difícil saber exatamente onde colocá-los.
Agora, com a publicação de sua primeira obra de não-ficção, As Mentiras que nos Contaram Sobre Deus, Young toma uma atitude mais propositiva e concreta no que diz respeito às suas crenças. Embora o livro se mostre preliminar e dialogal, ele definitivamente se posiciona teologicamente e, muitas vezes, de forma bastante enérgica. Cada um dos 28 capítulos é dedicado a expor uma “mentira” que acreditamos sobre Deus, e a explicar a verdade oposta correspondente.
Infelizmente, a teologia adotada nesse livro representa um desvio amplo e inequívoco da visão cristã ortodoxa. Isso não quer dizer que tenho uma animosidade pessoal contra o autor, tampouco questiono suas intenções. Contudo, o motivo de as categorias como “ortodoxia” e “heresia” terem surgido na história da igreja se deve ao fato de cristãos terem sustentado que existem maneiras corretas e erradas de se pensar sobre Deus e que, indicar as diferenças é importante. Quando um livro se distancia do cristianismo histórico e clássico, é fundamental ressaltar de forma clara as diferenças.
Diante da impossibilidade de ser exaustivo, me deterei em três aspectos problemáticos abordados no livro acerca do evangelho, da humanidade e acerca de Deus. Depois disso, mostrarei uma preocupação geral sobre o método do livro e, por fim, um apelo final.
O Evangelho salvou todos?
Ninguém que está lendo e adotando As Mentiras que nos Contaram Sobre Deus sentirá a necessidade de se arrepender de seus pecados e confiar em Cristo para a salvação. Isto porque Young diz que não precisamos:
“As boas-novas não são que Jesus abriu a possibilidade de salvação e você, portanto, foi convidado a recebê-lo em sua vida. O evangelho significa que Jesus já o incluiu na vida dele, no seu relacionamento com Deus, o pai, e em sua unção no Espirito Santo. As boas-novas são que Jesus fez isso sem a necessidade de seu desejo. Não importa se você crê ou não crê – isto não tornará a questão mais verdadeira ou menos verdadeira.”
Antevendo a acusação de universalismo, Young põe as cartas na mesa: “Você por acaso está sugerindo que todos são salvos? Você acredita na salvação universal?” “É exatamente isso o que estou falando!”. Logo depois, ele continua explícito: “Todo ser humano que você conhece… é filho de Deus”. Portanto, o inferno, diz ele, não é a separação de Deus, e sim meramente a dor de resistir à salvação que temos e da qual não podemos escapar; a morte não resulta em julgamento final, mas apenas introduz “um processo restaurativo cujo objetivo é nos libertar para corrermos aos braços do Amor”.
Young na verdade não apresenta argumentos para o universalismo, tampouco um relato organizado das implicações (estou curioso para saber se ele, conforme Orígenes, defenderia a salvação de todos os demônios). Entretanto, ao reunir diversas declarações, parece-me que o universalismo de Young é fundamentado em uma visão Cristológica particular. Um exemplo disso está no prefácio de C. Baxter Kruger, que ele endossa como sendo “o fundamento do que proponho como Verdade”. Kruger, aqui, em um resumo em itálico, basicamente sintetiza o evangelho como a boa noticia de que o Deus triúno e a humanidade uniram-se na obra encarnada de Jesus Cristo. Por essa razão, ele explica: “Paulo e eu consideramos o conceito generalizado de que o ser humano está separado de Deus como a mentira fundamental, mentira essa que nega a própria identidade de Jesus”.
Essa espécie particular de universalismo Cristológico — em que “a mentira fundamental” é que o ser humano está separado de Deus — pode ser considerada como o tema principal do livro. Ele se repete no prefácio, nos agradecimentos, na conclusão, no resumo de Bonhoeffer e em “mentiras” como “você precisa ser salvo” (cap. 13), “nem todos são filhos de Deus” (cap. 24) e “o pecado nos separa de Deus (cap. 27)”.
O que está em jogo aqui não é meramente o universalismo, mas sim uma visão particular do evangelho. Quando, por exemplo, Young afirma: “Jesus não veio para construir uma ponte de volta para Deus ou para oferecer a possibilidade de se unir com Ele”, ele justifica essa afirmação com base na sua compreensão da obra de Cristo em que “não há” nada fora de Deus… “Jesus é, na realidade e historicamente, Deus se unindo plenamente à nós em nossa humanidade”.
Na Bíblia, entretanto, não há menção de que o ser humano seja incluído de maneira universal e incondicional no escopo da obra salvadora de Cristo. O ser humano, ao contrário, é chamado urgentemente a apropriar-se da obra de Cristo por meio da fé e do arrependimento. A Bíblia não afirma: “Jesus veio para nos salvar, você não pode evitá-lo”. Ela afirma o contrário: “Jesus veio para nos salvar: arrependa-se e creia” (At.3.19).
Young, lamentavelmente, não se ocupa com o ensino bíblico que tem levado muitos cristãos a rejeitarem o universalismo. Consideremos, por exemplo, as advertências recorrentes de Jesus acerca do inferno como um lugar de “choro e ranger de dentes” (Mt 8.12; 13.42; 13.50; 22.13; 24.51; 25.30; e assim por diante). Na verdade, o leitor ingênuo do livro de Young pode nem mesmo perceber que o universalismo é historicamente uma questão controversa, condenada — por exemplo — pela igreja, em sua formulação por Orígenes, no Quinto Concílio Ecumênico de Constantinopla, 553 d.C.
O pecado nos separa de Deus?
Há outra razão pela qual o livro As Mentiras que nos Contaram Sobre Deus desencorajará os leitores a se arrependerem de seus pecados, qual seja, não há a crença de que temos muitos pecados para nos arrependermos. “Sim”, Young admite: “Temos os olhos enfermos, mas não um centro de maldade. Somos verdadeiros e corretos, mas muitas vezes ignorantes e estúpidos […]. Nossa condição é a de um cego, não de um depravado”.
Young pode falar do pecado como uma espécie de “errar o alvo”, mas o alvo que eles erram não tem a ver com a perfeição moral de Deus, mas, sim, com a “verdade do seu próprio ser”. Young continua: “Com que se parece a verdade do seu ser? Com Deus. Você é feito à imagem de Deus, e, portanto, a verdade do seu ser se parece com Deus”. Assim, para Young, “pecado” não nos separa de Deus: na verdade, “ninguém jamais foi separado de Deus” (232).
Tenho a percepção de que parte da motivação de Young, no que diz respeito a afirmar nossa humanidade, se deve ao fato de que ele quer ajudar as vítimas de abuso e aqueles que têm problemas de autoestima. Em relação a isto, estou plenamente de acordo com a defesa da dignidade de todo ser humano como portador da imagem de Deus. Da mesma forma, desejo que as pessoas oprimidas sejam transformadas pelo amor terno e afetuoso de Deus.
Na Bíblia, porém, nossa condição de portador da imagem de Deus não está em desacordo com nossa condição de pecador que precisa de salvação. Não há dúvida de que nosso pecado nos separa de Deus. O profeta Isaías, por exemplo, pôde declarar ao povo de Deus no Antigo Testamento: “Mas as vossas maldades fazem separação entre vós e vosso Deus; e os vossos pecados esconderam o seu rosto de vós, de modo que não vos ouve” (Is 59.2). Se quisermos ter a afeição de Deus, é preciso reconhecer nossa profunda necessidade de perdão.
Deus tem expectativas a nosso respeito?
O Deus de As Mentiras que nos Contaram Sobre Deus é, no fundo, definido por um tipo de amor; ele gosta de nós, nos valoriza, nos convida para um relacionamento, mostra interesse por nós e assim por diante. Pode-se confirmar muitas dessas declarações e, de fato, o amor está no coração do retrato bíblico sobre Deus.
No entanto, o livro passa a impressão de que Deus ama apenas desse jeito, substituindo outros atributos divinos tradicionais e diminuindo a absoluta transcendência de Deus. Young despreza a ideia de que Jesus morreu na cruz para nos resgatar do juízo de Deus. Ele nunca fala da autoridade de Deus, mas diz que Deus se submete a nós (cap. 4). Ele nem mesmo permite que Deus tenha expectativas a nosso respeito — para Young, quando agimos pelas nossas trevas e mentiras, Deus apenas sofre por nós e conosco; ele “nunca está desapontado com você; Deus não tem expectativas a seu respeito”.
A força e a soberania de Deus também são colocadas em risco. Para Young, dizer que “a cruz foi ideia de Deus” é uma mentira (cap. 17); se a origem da cruz está em Deus, então ele é um “abusador cósmico” que é “cruel e monstruoso”. Mais uma vez, seria bom lidar com os textos bíblicos que claramente se opõem a isso (por exemplo, Is 53.10; At 2.23). Se a cruz não foi uma ideia de Deus, então de quem foi? Young afirma que foi apenas algo que fizemos, uma manifestação de nosso “compromisso cego com as trevas” ao qual Deus se submeteu. Mas Deus poderia ter impedido isso? Isso é incerto, uma vez que dizer que “Deus está no controle” é uma mentira (cap. 3).
O deus de As Mentiras que nos Contaram Sobre Deus não é o Rei livre e majestoso, como retratado na Bíblia. Não se pode ter certeza se esse deus é onipotente.
Como sabemos como Deus é?
Em um determinado momento do livro Cristianismo Puro e Simples, C. S. Lewis rejeita as “filosofias de garotos” que são simples e limpas demais para serem verdadeiras. “A realidade”, escreve ele, “geralmente é algo que você não poderia ter imaginado. Essa é uma das razões pelas quais eu acredito no cristianismo. É uma religião que você não poderia ter imaginado”.
A tirada de Lewis tem um quê de plausibilidade. Uma vez que a cultura está mudando constantemente, mas Deus (o que os cristãos professam) nunca muda, a teologia nunca concordará completamente com nossas intuições culturais. Sempre haverá pontos de atrito entre a verdade e o “espírito da época”; dentro de nossas capacidades naturais, nunca será óbvio e fácil formar um conceito sobre Deus.
Reconhecer isso é decisivo para a teologia. Isso determinará se estamos indo na direção certa. O teólogo-mártir Dietrich Bonhoeffer expressou bem esse ponto em uma carta de 1936:
“Ou conheço o Deus que eu busco a partir de minhas próprias experiências e compreensões, dos significados que atribuo à história ou à natureza — isto, de mim mesmo — ou eu conheço a Deus baseado na sua revelação de sua própria Palavra. Ou eu determino o lugar em que eu encontrarei a Deus, ou eu permito que Deus determine o lugar onde ele será encontrado. Se sou eu quem diz onde Deus estará, sempre encontrarei um deus que corresponda a mim, é agradável a mim, que se ajuste a minha natureza. Mas se é Deus quem diz onde ele estará, então lá verdadeiramente será um lugar que, no começo, não será de todo agradável para mim e que não se ajusta muito bem comigo.”
Bonhoeffer prosseguiu em argumentar que o verdadeiro Deus é encontrado pela humilde aceitação de sua revelação na Bíblia e pelo olhar em fé para a cruz de Jesus Cristo. Esta abordagem contrasta com a de Young, que argumenta que, “para entender quem Deus realmente é, você pode começar olhando para si mesmo”.
Essa diferença metodológica básica afeta a minha preocupação geral com As Mentiras que nos Contaram Sobre Deus. O livro torna Deus “agradável” demais (Bonhoeffer) e “imaginável” demais (Lewis). Suas ideias soam bem; suas intuições são coerentes com os valores ocidentais modernos; elas se atritam com as crenças cristãs históricas de todas as maneiras que nosso ethos cultural faz. Quem, em nosso ambiente, não irá gostar de um Deus que salva a todos, afirma nossa bondade essencial e não espera nada de nós?
Eu fico ao lado da abordagem de Bonhoeffer em vez da de Young e com o cativante, terrível e enigmático Deus do credo e da Escritura em vez do deus mais imaginável, aceitável e moderado da intuição ocidental moderna.
Verdadeiras boas notícias
Quem abraça As Mentiras que nos Contaram Sobre Deus não pode cantar com John Newton e gerações de cristãos o seguinte verso:
“Maravilhosa graça! Quão doce é o som que salvou um miserável como eu!”
Para cantar isso, você tem que saber que é um miserável. No entanto, Young insiste que não somos miseráveis (cap. 2). De fato, ele até mesmo se opõe à canção contemporânea que começa com “És bom, és bom, quando não há nada bom em mim”.
O verdadeiro evangelho é melhor que isso. É uma notícia melhor dizer que Deus tem expectativas sobre nós (isso é chamado de justificação ou lei de Deus); que somos separados dele (isso é chamado de pecado); que somos chamados a receber Jesus (conversão).
Isso é melhor porque significa que nós podemos mudar. Não estamos presos a nós mesmos. Um deus que apenas nos confirme não pode nos chamar à morte e a nascermos para uma nova vida. Mas o verdadeiro Deus pode dizer: “Olhai para mim e sereis salvos, vós, todos os confins da terra; porque eu sou Deus, e não há outro” (Isaías 45.22).
Traduzido por Abner Arrais e Ubevaldo G. Sampaio e revisado por Carrie Myatt.
Texto original: The god of William Paul Young. The Gospel Coalition. Publicado com permissão.
Gavin Ortlund (PhD, Fuller Theological Seminary) é marido, pai, ministro e professor visitante no ministério Reasons to Believe. É autor de muitos livros, incluindo Ascending Toward the Beatific Vision: Heaven as the Climax of Anselm’s Proslogion (Brill). Gavin escreve regularmente no blog Soliloquium. |
2 Comments
Nenhuma religião é dona de Deus. Deus não é propriedade de ninguém. Se Deus quisesse ter uma religião que o representasse, não teria deixado que o Templo fosse destruído e/ou, a seita dos nazarenos teria se perpetuado até os nossos dias, assim como a Bíblia se perpetuou. O único caminho que leva o homem a Deus é Jesus de Nazaré, nada e ninguém mais. Religiões são invenções de homens para dominar homens. As pessoas só podem ser salvas por meio de Jesus, jamais poderão ser salvas por meio de religiões mundanas que destilam ódio, preconceito e intolerância. Quanto mais religiões, mais cheio de ódio ficou o mundo. A única verdade é Jesus!
Achei sua resposta muito coerente. Também acredito que somente encontramos o caminho para Deus através de Jesus. É bom estamos em comunhão uns com os outros e trocarmos experiências em nossas comunidades religiosas, mas precisamos entender que Cristo é uma pessoa inteligente e livre de preconceitos. Ele ama a todos sem distinção e só precisamos recebe-lo em nossas vidas.