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27/set/2017*ESTE TEXTO CONTÉM SPOILERS DO FILME.*
Cinco soldados caminham por uma rua. Uma chuva de panfletos ameaçadores envolve toda a cidade. De repente, sobrou somente um, e ele está correndo. Passa por uma barricada e continua andando até uma praia. E passa por dois mastros. E os dois mastros, a princípio simétricos, mas logo depois entortados, enquadram-se para mostrar o que esse filme é para aquele soldado que sobreviveu e para os outros 400 mil ali: uma prisão.
É assim, de uma maneira assustadora e opressiva, que começa o épico de guerra para o qual Christopher Nolan passou sua carreira ensaiando. Dunkirk conta a história real dos soldados que haviam sido cercados pelas forças alemãs na Segunda Guerra Mundial, ilhados entre o oceano e o inimigo nas praias francesas de Dunquerque. Depois de uma primeira campanha falha no continente europeu, as tropas britânicas precisaram bater em retirada, mas não havia como voltar para a ilha-mãe. O Canal da Mancha prendia-os, e nenhum dos 400 mil soldados podia fazer nada a não ser esperar a morte.
O filme não tem interesse em personagens únicos, o que foi erroneamente interpretado por um monte de gente como “este é um filme sem roteiro”. Dunkirk trabalha o drama humano de maneira visceral mesmo não entrando em (quase) nenhum aspecto pessoal dos personagens. Aquilo que eles são é exatamente o que você vê: homens desesperados, vendo o ponteiro do relógio martelar suas vidas.
Christopher Nolan examina, poetiza, critica e manipula o tempo em todos os seus filmes, talvez de uma maneira menos interessante na Trilogia Cavaleiro das Trevas, mas com uma certa genialidade dramática em filmes como Interestelar, O Grande Truque, Amnésia e A Origem. E aqui ele transforma o tempo hora em vilão, hora em linguagem. Seguimos três histórias, todas sobre pessoas envolvidas no resgate impressionante que se deu dos soldados, mas cada segmento do filme respeita sua própria velocidade, com os três segmentos encontrando-se no final. O horror contemplativo do soldado raso interpretado por Fionn Whitehead e o comandante de Kenneth Branagh, que tentam pouco a pouco construir seus castelos de palitos para salvarem a si mesmos e os soldados, se passa ao longo de uma semana. A viagem do capitão civil interpretado por Mark Rylance em seu barco privado, um dos milhares que o governo britânico acionou para ajudar no resgate dos soldados, dura um dia. E um dos colaboradores tradicionais de Nolan, Tom Hardy (em mais um filme em que atua muito bem somente com seus olhos) interpreta um piloto de caça que tem a tarefa de proteger os soldados na praia e os navios de resgate de qualquer caça alemão, tudo no espaço de uma hora.
É uma maneira até meio sacana de manipular a tensão e o drama, já que apesar de seguir uma regra cronológica, a dramaticidade pode ir para qualquer lado, a qualquer momento, unindo as narrativas em pontos chave. O produto final é cheio de momentos de medo e de força, e um ritmo que preenche a duração até curta do filme com dinamismo.
Mas é um filme de arte. Não é O Resgate do Soldado Ryan. É um filme para se ponderar. Nolan cria imagens e situações que não permitem nem que a fúria e o nervoso dos personagens sejam desembocados em outros, já que nunca vemos os alemães. É como se a guerra fosse o seu próprio mal e a aleatoriedade dos eventos servisse mais para confundir o soldado solitário do que imbuí-lo do senso de dever (um eco de Soldado Ryan). O dever aqui não tem a ver com nacionalismo, com vencer uma guerra, nem tem a ver com impedir o mal do nazismo de triunfar: precisa-se sobreviver.
E é nesse drama que finalmente Christopher Nolan se encontra por completo. Pouquíssimos filmes de Nolan têm muito sucesso em demonstrar a força de emoções, especialmente entre homens e mulheres. Quanto mais romântico, mais estranhos e robóticos se tornam os personagens. A química esquisita entre Leonardo DiCaprio e Marion Cotillard em A Origem é um exemplo, e é muito interessante que, enquanto essa relação não funciona, o drama de pai e filho dos personagens de Cillian Murphy e Pete Postlethwaite é poderosíssimo, mesmo tendo alguns segundos de tela para sua conclusão. Vemos isso funcionar muito bem em Dunkirk, onde todas as emoções parecem reais e a única relação quase-familiar que temos também dá certo. Nolan sabiamente eliminou toda perspectiva de algum tipo de situação na qual seus personagens não funcionariam direito, e isso é parte de por que Dunkirk é o ápice de seu amadurecimento.
Mais do que isso, o uso inteligente do IMAX, da vastidão do cenário vazio, ora procurando isolar, ora criando ação frenética, mostram por que ele é um dos cineastas mais celebrados de hoje. Seu cinema de ação, sua desenvoltura na edição, sua parceria com o compositor Hans Zimmer, estão cada vez mais afiados. O som do filme é impressionante. E ele precisa, MESMO, ser visto em IMAX.
Nolan é muito sábio em terminar o filme de maneira terrivelmente agridoce e sóbria, intercalando a imagem da sobrevivência com a imagem da morte e derrota. A guerra não é uma fanfarra. A guerra estava apenas começando. Mas a vida deve ser celebrada.
A batalha de Dunkirk é motivo de vergonha para muitos britânicos porque, como o próprio Winston Churchill disse, guerras não se vencem com retiradas. Mas para o soldado anônimo, que viveu a odisseia frenética, a sobrevivência é tudo. Surpreende-se ao ser recebido com festa em casa, porque a vida é uma vitória. A maior de todas as vitórias. Os esforços em conjunto de uma nação inteira colocaram em cheque uma vitória fácil dos nazistas, e agora, décadas depois, podemos ver que foi fundamental para impedir uma tragédia maior ainda. Aqueles que sobreviveram a Dunkirk puderam aguardar o momento quando, como diz o filme, no tempo do bom Deus, o mundo se uniu contra as forças do mal.
Silas Chosen é roteirista, cineasta, publicitário, ilustrador e é viciado em cinema e histórias. Escreve para sites e programas de rádio sobre cinema, cultura pop e cristianismo desde 2004. Faz parte da 4U Films, ministério de cinema independente. |