Chore, sinta-se péssimo | Kenneth C. Haugk

É correto afirmar “Ave, Maria, cheia de graça”? | R. C. Sproul
20/jul/2023
Falando a verdade em amor: diferenças entre apologetas | Kenneth Boa e Robert Bowman Jr.
11/ago/2023
É correto afirmar “Ave, Maria, cheia de graça”? | R. C. Sproul
20/jul/2023
Falando a verdade em amor: diferenças entre apologetas | Kenneth Boa e Robert Bowman Jr.
11/ago/2023

Um bom choro

Às vezes, as pessoas simplesmente precisam chorar.

As lágrimas são purificadoras. Negar as lágrimas a pessoas que estão passando por sofrimento pode impedi-las de lidar com sua dor e libertar-se dela justamente no momento mais apropriado e benéfico para essa libertação.

Alguém disse a um participante da pesquisa cujo cônjuge havia morrido: “Não chore — você ficará doente”. Errado! Chorar é a cura. Chorar alivia a tensão e dá vazão a sentimentos dolorosos.

O preço frequente que pagamos por não chorar é alto. Enterrar sentimentos —fingir que está tudo bem, manter a pose — é um perigo muito real para a dimensão emocional, psicológica, espiritual e física de uma pessoa. Pressionar alguém para enterrar sentimentos é programar um colapso futuro. O colapso pode se manifestar como depressão e como sofrimento e tristeza prolongados.

Você pode desempenhar um papel significativo na vida de outra pessoa se aceitar que não há absolutamente nenhum problema em esse indivíduo chorar — ou melhor ainda, se aceitar que chorar faz parte da cura. Às vezes a preocupação de quem ministra cuidados é que, se a outra pessoa começa a chorar, isso significa que quem ministra o cuidado fez algo errado. Mas a verdade é que, na maior parte do tempo, significa exatamente o oposto — você fez algo certo, muito certo. As pessoas choram diante daqueles com quem se sentem seguras, aqueles em quem confiam. Se uma pessoa que está sofrendo chora na sua presença, ela confia em você.

Compartilhando da dor

As Escrituras bendizem a noção de compartilhar da dor daqueles que estão sofrendo. “Lembrem-se dos presos como se estivessem presos junto com eles e dos maltratados como se vocês mesmos também estivessem sendo maltratados” (Hb 13.3). Esse é um convite à empatia, a unir seus sentimentos com os de outra pessoa como se você mesmo os estivesse experimentando.

Contudo, as Escrituras nos instam a uma união ainda maior dos nossos sentimentos com os da pessoa que sofre: “Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram” (Rm 12.15, NRSV). Essa passagem nos convida a deixar de lado nossas reservas emocionais e chorar com aquele que está chorando. A palavra grega para chorar usada nesse versículo, assim como em várias outras passagens do Novo Testamento, é uma palavra efusiva. Ela não significa chorar silenciosamente, mas, sim, chorar ou soluçar de maneira bem ruidosa. É uma demonstração clara de tristeza.

Se você conhece bem a pessoa que está sofrendo, um dos atos mais poderosos de cuidado que você pode executar — quando a sente genuinamente — é compartilhar de sua dor. Você pode fazer isso colocando sua mão sobre o ombro da pessoa ou lhe dando um abraço. Pode chorar junto com a pessoa, sentindo-se mal e sofrendo junto com ela. Uma advertência: não leve isso tão longe que a pessoa em sofrimento subitamente se sinta obrigada a se tornar sua cuidadora. Não é para você tentar inverter os papéis. Suas lágrimas simplesmente estão dizendo à outra pessoa que você também está sentindo a dor dela.

Se a situação o faz se sentir péssimo, você não precisa esconder isso. Você pode dizer: “Também me sinto péssimo”, quando a outra pessoa lhe diz que é assim que se sente. Simplesmente proferir palavras desse tipo pode elevar o ânimo de uma pessoa. Muitas vezes, a pessoa que sofre experimenta um calor afetuoso quando percebe que alguém está sofrendo ao lado dela. Uma mulher descreveu esse sentimento da seguinte maneira:

Nosso pastor perdeu seu filho em um acidente terrível com uma arma de fogo carregada. Todos nós na igreja ficamos devastados com isso e lamentamos a morte junto com ele. Alguns anos depois, nós perdemos nosso filho, e nosso pastor foi ao nosso encontro. Seus abraços e toques afetuosos e lágrimas —apenas de olharmos um para o outro, eu sabia o que ele estava pensando e ele sabia o que eu estava pensando. Não há nada melhor do que a ternura de uma conexão compartilhada com alguém que está sofrendo junto com você.

As pessoas têm a tendência demasiadamente comum de fazer discursos motivacionais quando as pessoas estão sofrendo. Isso não funciona. O que funciona? Compartilhar da dor em nível profundo. Um dos livros apócrifos diz: “Não evitem aqueles que choram, mas lamentem com aqueles que lamentam” (Eo 7.34, NRSV).

Essa declaração sábia demonstra um conhecimento claro de uma tendência humana: as pessoas ficam tentadas a evitar aqueles que estão chorando. O autor de Eclesiástico acrescenta mais ênfase a Romanos 12.15. Não evite aqueles que estão em lamento. Em vez disso, vá ao encontro dessas pessoas, abrace suas lágrimas e chore junto com elas, caso isso seja natural e apropriado tanto para você quanto para a situação.

Em outras palavras, compartilhe da dor.

Brigando com Deus

Será que Deus quer ter um relacionamento com o verdadeiro você? Ou será que Deus ficará satisfeito com um relacionamento com um você que seja falso, maquiado e religioso?

A pergunta foi feita de um modo que torna impossível uma resposta errada. Deus quer o verdadeiro eu, é sua resposta. É claro! Se você aceita isso, então a próxima pergunta é: Quão bravo você pode ficar com Deus? Quanto você pode lamuriar, gritar, chorar e desabafar?

Tanto quanto for necessário é a resposta. Tanto quanto seus sentimentos demandarem.

A verdade sobre Deus aqui é muito clara: Deus pode aguentar tudo que você for capaz de despejar sobre ele. Do mesmo modo, Deus pode lidar com tudo que a pessoa em sofrimento for capaz de despejar sobre ele. É inapropriado você silenciar alguém que está resmungando raivosamente contra Deus: “Não fale assim. Você sabe que não quis dizer isso”. É uma grande tentação sufocar a raiva da outra pessoa, seus soluços lamentosos ou questionamentos a Deus, numa tentativa de defender Deus — que não precisa ser defendido.

Leia também  Ética, tecnologia e cristianismo pós-coronavírus | Luiz Adriano Borges

Como os amigos de Jó, algumas pessoas acham que, quando uma pessoa em sofrimento ataca a Deus, sua raiva reflete uma fé fraca. Afinal de contas, pensam elas, quem somos nós para questionar Deus sobre qualquer coisa que acontece conosco?

Eu gosto muito do que Philip Yancey diz sobre uma relação honesta com Deus: “Uma mensagem ousada no livro de Jó é que você pode dizer qualquer coisa a Deus. Lance sobre ele sua tristeza, sua raiva, seu questionamento, sua amargura, sua desilusão, sua decepção — ele pode absorver todas essas coisas”.[1]

“Parece ser tão desrespeitoso, até mesmo totalmente perigoso, resmungar contra Deus”, você poderia pensar. Contudo, uma observação rápida dos salmos demonstra que seus autores fizeram justamente isso, ao implorar a Deus que os ouvisse, perguntando-se por que ele parecia estar tão longe nas suas tribulações. O salmo 22 mostra o progresso completo que ocorre quando se permite que alguém expresse seus sentimentos: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”, o salmista clama no primeiro versículo. Aproximando-se do fim do salmo, ele se acalma e percebe que pode depender de Deus e exaltá-lo diante de outros, em uma expressão de fé mais forte do que jamais fez antes. Mas levou algum tempo — além de muitas lágrimas, queixas e questionamentos — para esse estado ser alcançado.

Um pastor descreveu sua experiência de lutar com Deus: “Acho que a luta com Deus é essencial na nossa jornada pela dor e pelo sofrimento. Havia pessoas à minha volta que não paravam de me mostrar os atos tangíveis, reais e percebidos de um Deus fiel e digno de confiança. Por causa da fé delas me sustentando, eu estava livre para lutar, brigar, travar um combate e, por fim, fazer as pazes com Deus”.

Deus digno de confiança é a expressão central na declaração desse pastor. Confiar em Deus é a essência de tudo. Um questionamento intenso de Deus não é uma evidência de falta de fé ou até mesmo da falta de um relacionamento com ele. Pelo contrário, aqueles que questionam a Deus, em especial os que o questionam intensamente, estão demonstrando com esse próprio ato uma confiança tão profunda que podem arriscar-se a questioná-lo.

O fundamento desse tipo de relacionamento é o amor. As pessoas não questionam ou reclamam daqueles com quem não se importam. Se alguém está atacando a Deus, saia da sua frente e dê a ele a oportunidade de falar. Melhor ainda, não saia do seu caminho. Ande junto com ele.

Não se preocupe com a fé daqueles que, em meio às tribulações da vida, estão lutando furiosamente com Deus. Essas pessoas estão nas mãos dele durante essa luta. Enquanto batem no peito de Deus, seus braços amorosos estão prontos para envolvê-las.

Sua tarefa é ser Jesus para elas naquele exato momento e lugar. Por você ser a personificação de Deus, Jesus em corpo para aquela pessoa, ela de modo algum está separada de Deus no decorrer da luta. Quando pessoas que sofrem estão se afastando de Deus, deixe que se afastem! Quanto mais se afastarem, maior a probabilidade de experimentarem a profundidade da compaixão de Deus e a certeza da presença dele.


[1] Philip Yancey, Disappointment with God: three questions no one asks aloud (Grand Rapids: Zondervan, 1988), p. 235 [publicado em português por Mundo Cristão sob o título Decepcionado com Deus: três perguntas que ninguém ousa fazer].

Trecho extraído da obra “Não entoe canções a um coração aflito“, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2023, p 70-71, 74-78. Traduzido por Daniel Hubert Kroker. Publicado no site Cruciforme com permissão.

Pastor e psicólogo clínico, o Dr. Kenneth C. Haugk aconselhou e cuidou de muitas pessoas em crise. Reconhecendo a necessidade de “equipar os santos para a obra do ministério” (Ef 4.12) para expandir esse cuidado além do que qualquer um pode fazer sozinho, ele desenvolveu o sistema Stephen Ministry de cuidado leigo, que alcançou mais de 13 mil congregações em todo o mundo. Como fundador e Diretor Executivo do Stephen Ministries St. Louis, dedicou sua vida profissional a ajudar as congregações a treinar seus membros para ministrar àqueles que estão lutando com uma ampla gama de dificuldades na vida. Em 2003, recebeu o prêmio National Samaritan Award do Samaritan Institute pelas contribuições significativas que fez no campo do ministério de cuidado. É autor de muitos livros e recursos, incluindo "Journeying through grief, Cancer: now what?" e "Christian caregiving: a way of life".
Em vez de aumentar o fardo de pessoas que estão sofrendo, como podemos ajudá-las a aliviar sua dor e mostrar que nos importamos? "Não entoe canções a um coração aflito" é a resposta para essa pergunta desafiadora. Com base na experiência pessoal de Kenneth C. Haugk e em uma pesquisa extensa com mais de 4 mil pessoas que passaram por diversos tipos de sofrimento, este livro apresenta percepções e sugestões importantes sobre o que dizer e fazer — e o que não dizer ou fazer — quando as pessoas estão sofrendo. Alicerçado em um fundamento bíblico sólido e repleto de ideias práticas, Não entoe canções a um coração aflito o ajudará a encontrar as palavras e ações certas para levar a presença amorosa de Deus aos feridos em seus momentos de maior necessidade.

Publicado por Vida Nova.

Deixe uma resposta