Resenha: “Pecado Original” de Jonathan Edwards | Gedimar Junior

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Pecado Original (1758)

Se eu pudesse escolher entre os temas mais importantes a serem estudamos hoje, sem dúvida, o pecado original seria um deles. Cercado por um contexto cada dia mais imanente e carente de transparência, o livro do teólogo e filósofo americano, publicado por Edições Vida Nova, surge com ricas contribuições a respeito do grande problema da humanidade.

Edwards nasceu no dia 5 de outubro de 1703 em East Windsor, Connecticut. Sua família era muito envolvida com a igreja. Seu pai, por exemplo, serviu como pastor da Segunda Igreja Windsor. Mesmo em um ambiente cristão, a sua conversão não foi fácil e a teologia calvinista, sobretudo, as reflexões acerca da soberania de Deus, lhe gerava certo desconforto. No entanto, em 1721 após a leitura de 1 Timóteo 1.17, ele se encontrou com a beleza e a grandiosidade de um Deus soberano e sua existência foi abraçada pela visão reformada.

Aos 18 anos de idade e recém-formado na Universidade de Yale, o jovem pastoreou a igreja presbiteriana em Nova York por um período de 8 meses. Neste mesmo período, ele conheceu a sua esposa Sarah e casou-se com ela no ano de 1727. Dois anos depois, após a morte do seu avô, ele assumiu a igreja em Northampton e após um longo período de trabalho, em meados de 1735, a comunidade já tinha cerca de 620 membros. Esse número foi resultado de um grande despertamento espiritual que aconteceu entre os anos de 1734 e 1735. “Várias pessoas foram convertidas e foram feitos relatos de indivíduos que abandonaram o pecado na busca pela piedade”.[1]

Depois de longos anos a frente da igreja de Northampton, Edwards se mudou para Stockbridge, Massachusetts e iniciou um trabalho missionário entre os índios. Nesse novo contexto, ele passou há ter mais tempo para escrever. Foi nesse período que a obra Pecado Original (1758) surgiu.

 

Ocasião da obra

Essa obra foi escrita, como resposta aos opositores da doutrina do pecado original. Tendo em vista que no contexto do teólogo, havia certo otimismo a respeito da natureza humana, no sentido de que a humanidade era vista como capaz de chegar a maturidade moral, intelectual e social; Edwards se levantou como um servo fiel às Sagradas Escrituras. Essa confiança positiva na natureza humana era bem típica da tradição deísta do seu tempo. Esse grupo religioso, portanto visava atacar as doutrinas bíblicas, alegando que a natureza não era tão má assim.

O próprio Edwards citou algumas obras famosas que defendiam o distanciamento do conceito bíblico sobre o pecado. São elas: The Scripture-doctrine of original sin proposed to free and candid examination [A doutrina bíblica do pecado original, submetida à analise livre e transparente], Key to the apostolic writings [Chave dos escritos apostólicos] e A paraphrase and notes on the Epistle to the Romans [Paráfrase e comentário da Epístola aos Romanos] escritas por John Taylor. A luz dessas obras, ele se comprometeu em expor os argumentos dos opositores, e, ao mesmo tempo, ofereceu uma resposta que fosse coerente com a Sagrada Escritura, com a obra de Cristo na cruz e com a tradição cristã.

 

Apresentação da obra

A obra é dividida em quatro partes. Na primeira, ele inicia conceituando o “pecado original” e depois se concentra em mostrar, por meio de evidências empíricas e lógicas, a universalidade do pecado e suas consequências na humanidade. Essas amostragens foram na contramão da ideia de que: “o mal moral não poderia prevalecer no mundo mas sim o bem; e, diante do bem, a virtude seria capaz de ser pensada como um movimento em constante ascendência” (p. 26).

Ainda sobre a primeira parte, Edwards defendeu que a reflexão sobre a morte era um elemento que representava a presença do pecado no mundo; com suas palavras (p. 99):

“O reino universal da morte sobre pessoas de todas as idades, aleatoriamente e acompanhada por circunstâncias horríveis, prova que os seres humanos já entram no mundo com pecado”.

Para sustentar a sua hipótese, o teólogo se baseou nas Sagradas Escrituras, objetivando mostrar aos leitores o que Deus pensava sobre esse assunto: “A morte nas Escrituras é conhecida como o principal das calamidades, o pior de todos os males naturais deste mundo” (p. 100). Ao concluir dessa forma, ele tinha em mente os trechos de: 1 Samuel 5.11; Isaías 17.11; Mateus 26.38, Salmo 903-12.

Se na primeira parte, a sua proposta foi mais temática, ou seja, a luz de certas preposições ele trabalhou os seus argumentos. Na segunda parte, o teólogo apresentou reflexões oriundas de textos importantes das Escrituras. Ou seja, nesse momento, foi a Bíblia, por ela mesma, que esboçou as evidências do pecado original. Como exemplo, a primeira porção bíblica que Edwards estudou foi de Gênesis 1-3. Como ele mesmo disse no resumo da seção III (p. 129):

“Aqui investigamos se existe algo nos primeiros três capítulos de Gênesis que nos leve a crer que Deus, em seu relacionamento com Adão, estivesse lidando com a humanidade em geral, representada por seu primeiro pai. Também perguntamos se a ameaça da morte, caso Adão comesse do fruto proibido, incluía não apenas ele, mas a sua posteridade toda”.

Após a exposição de Gênesis, ele avançou para outros textos do Antigo Testamento, a saber: o livro dos Salmos e Provérbios; o texto do profeta Jeremias, sobretudo, o capítulo 17.5,9 e o famoso livro de Jó. Ele também se dedicou a investigar o que o Novo Testamento tinha a dizer sobre o pecado. Um dos relatos clássicos sobre a temática se encontra na passagem onde vemos Jesus e Nicodemos, registrado pelo Apóstolo João. É nesta cena que podemos ler a frase de Jesus: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito” (Jo 3.6, ARA). Ao interpretar esse verso, Edwards chegou a seguinte conclusão: “em geral, temos motivos suficientes para entender que, quando o apóstolo fala do homem de carne ele está se referindo ao homem em seu estado natural corrupto” (p. 157).

Ainda dentro da segunda parte do livro, outros textos foram trabalhados por Edwards, são eles: Romanos 3.9-24, Romanos 5.6-10 e Efésios 2.5. Ao observar seus argumentos, me pareceu que suas preocupações agora giravam em torno de oferecer aos seus leitores um olhar mais panorâmico a respeito do pecado original e como esse assunto se encontrava presente de Gênesis a Apocalipse.

Na terceira parte da obra, ele abordou a importância que a mensagem do Evangelho tem para compreendermos a doutrina do pecado original. O contrário também é valido. Como assim? Para Edwards: “a grande salvação realizada por Cristo está diretamente ligada a essa desintegração e é o remédio para a doença” (p. 25). Nesse sentido, as doutrinas do pecado e da redenção estão ligadas. Afinal, se há salvação, é porque havia pecado e se há pecado, desejamos pela salvação. Essa ligação é essencial para Edwards: “O evangelho inteiro, ou a doutrina da salvação, pressupõe essas condições; e toda crença genuína, ou toda compreensão verdadeira do evangelho, é necessariamente edificada em cima disso” (p. 25).

Por fim, num tom catequético, na última parte do livro, o teólogo buscou responder algumas objeções que, a meu ver, transitava no pensamento do cristão comum de sua época.

 

Considerações finais

Uma das coisas que mais me impressionaram nesta obra foi à postura do autor em deixar o seu leitor decidir qual posição tomar. Obviamente, que como crentes fiéis, devemos optar por aquilo que diz a Escritura. Inclusive esse foi o grande objetivo dele: “O leitor já percebeu a sintonia dessas coisas com a doutrina das Escrituras Sagradas” (p. 34). No entanto, por algum motivo que não sabemos qual é, o Edwards abriu a possibilidade do leitor julgar suas conclusões: “Deixo a cargo do leitor julgar se é coerente” (p. 33); “Deixo o leitor decidir se essa disposição não é reprovada aos olhos da verdade” (p. 43); “Deixo ao leitor decidir quem está com o argumento mais fraco nos casos acima citados” (p. 87); etc..

No entanto, esse jeito peculiar, de deixar o seu leitor se posicionar ao invés de usar uma tónica de imposição, mostrou certa convicção na obra de Deus. Em sua conclusão, inclusive, ele entregou todo o seu projeto nas mãos de Deus e com isso, deixou claro a sua confiança na providência: “tudo que ofereci sobre essa doutrina até aqui, ficam a critério de cada leitor sincero. O sucesso do argumento todo agora está nas mãos de Deus, que sabe o que pensa, e pode fazer prevalecer as suas verdades (…) Que Deus se levante e defenda a sua causa e glorifique seu grande nome” (p. 268).

Gostaria de encorajando os leitores a lerem o Pecado Original de Jonathan Edwards. Darei algumas razões: primeiro porque esta doutrina nos ajuda a compreender as razões pelas quais recebemos a revelação especial. Quando os nossos pais caíram, perdemos o acesso direto com Deus. Foi necessário que ele se revelasse a nós pecadores e finitos. Segundo, uma vez que recebemos a revelação especial, passamos a cada dia ao crescimento do conhecimento da obra da redenção. Por fim, ele servirá para abrir os olhos dos cristãos comuns, sobretudo, daqueles que preferem ter uma vida estritamente prática.


Notas

[1]In:  https://www.crossway.org/articles/10-things-you-should-know-about-jonathan-edwards/ acessado em 7/3/2024

 

Gedimar Junior é professor de Teologia e Filosofia no Seminário Betel Brasileiro. Formado em Teologia e Mestre em Hermenêutica pelo Betel Brasileiro. Mestre em Divindade pelo Seminário Martin Bucer e bacharelando em Filosofia pela Academia Atlântico. Atualmente, é editor-chefe da Revista Reflexão Teológica e Missiológica, organizador do projeto de pesquisa: Pensamento e obra de John Webster.
Jonathan Edwards escreveu esta importantíssima obra no século 18, época em que a visão iluminista do homem questionava e criticava a doutrina do pecado original. Este ensino bíblico era odiado e atacado por pensadores como John Taylor, um dos mais críticos a escrever contra o ensino bíblico do pecado original. Esses ataques se espalharam livremente, sem nenhuma restrição, na sociedade inglesa daquele tempo.

Pecado original é um antídoto contra todas essas ideias. Edwards, com base em extensa pesquisa bíblica e raciocínio filosófico, refutou todos os argumentos de seus críticos, sobretudo no tratado de John Taylor. A obra fornece uma defesa convincente da doutrina do pecado original, que é central para a teologia cristã, além de iluminar seu significado e importância aos cristãos.

O público de língua portuguesa tem agora à sua disposição um grande livro, fundamental à saúde da teologia da igreja.

 

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