Sistemas econômicos que não levaram à prosperidade – Socialismo e Comunismo | Wayne Grudem e Barry Asmus
05/abr/2016Fé e razão | R. C. Sproul
12/abr/2016* SPOILERS DO FILME*
“Viva como um deles, para descobrir onde sua força e seu poder são necessários. Sempre guarde no seu coração o orgulho de sua descendência especial. Elas podem ser pessoas notáveis. Elas querem ser. Só lhes falta a luz para mostrar o caminho. Por essa razão acima de todas, a capacidade delas para o bem, eu lhes enviei você, meu único filho.”
“Você dará ao povo da Terra um ideal o qual seguir. Eles correrão atrás de você, eles tropeçarão, eles cairão. Mas, em tempo, eles se juntarão a você no Sol. Em tempo, você os ajudará a realizar maravilhas.”
Em 2016, o diretor Zack Snyder, de filmes como Watchmen, Madrugada dos Mortos e outros sucessos como 300, entrega o que prometia ser o maior embate da história dos super-heróis, algo esperado com ardor por fãs no mundo inteiro. Ele ia colocar o Batman para brigar com o Superman. Os fãs foram ao cinema suando sangue de tanta antecipação e acharam um filme bem mais ou menos em praticamente todos os aspectos. Não vou comentar muito sobre a qualidade técnica do filme ou sobre o roteiro pífio (coisa que filmes em quadrinhos já deixaram de lado há muito tempo). Quero só abrir a discussão sobre um fato muito estranho que veio à tona neste filme: seus criadores não entendem quem é o Superman. E enquanto ainda tentam forçar uma antiga metáfora que o personagem carrega quase que por definição, eles assassinam essa própria metáfora. E eu nem sei se eles perceberam.
As duas citações no começo do artigo foram ditas pelo mesmo personagem, mas em décadas, filmes e atores diferentes. A primeira foi dita por Marlon Brando, interpretando Jor-El, o pai do Superman, no sucesso de 1978 Superman, de Richard Donner. A segunda citação veio de Russel Crowe, também Jor-El, no filme de 2013 O Homem de Aço, do próprio Zack Snyder (a frase é uma adaptação direta do que Jor-El fala na ótima minissérie All Star Superman, de Grant Morrison e Frank Quitely). Ambos os filmes contam a origem de um dos personagens mais famosos da cultura popular, ambos os filmes não são exatamente uma unanimidade entre os fãs. Desde sua concepção, o Superman passou por várias mudanças, tanto no design como nos seus temas, e nas oito décadas desde a sua criação, ganhou revistas, brinquedos, animações, filmes, tratados filosóficos, entre outros. E a unanimidade continuou não sendo o seu forte.
A história você conhece. Planeta condenado. Casal de cientistas quer salvar seu filho, Kal-El. Enviam-no para a Terra. O Sol amarelo lhe torna praticamente onipotente. Ele é criado por um casal que não tinha filhos e que lhe ensinou valores de bondade, verdade e justiça. E aí a comparação mais comum que sempre fizeram com o Superman fica clara. Quando a esposa de Jor-El lhe questiona se o filho será atacado pelas pessoas da Terra no filme de 2013, Jor-El lhe responde: “Como? Ele será um deus para eles”.
As citações no começo do artigo mostram essa comparação com mais clareza. Um deus-homem andando na Terra, fazendo maravilhas, sendo irretocável em sua moral. Comparar o Superman com Jesus Cristo ou criar uma analogia entre os dois é algo tão comum que praticamente todos os filmes e a maioria dos quadrinhos tenta fazê-lo. Uns com maior sucesso do que outros. Muita gente acha que o Superman é um herói “antiquado” e “chato” exatamente por sua conduta moral, que é o centro dessa comparação. Ele é o herói que não vai matar ninguém, que sempre vai sacrificar tudo para salvar o máximo de pessoas possível. Ele vai levar os bandidos às autoridades e vai certificar-se de que eles recebam um julgamento justo. Ele não vai pegar atalhos, não vai mentir, não vai trapacear. Ele prefere morrer.
Nas primeiras décadas de sua concepção, e até mesmo no filme de 1978, os valores que Jonathan e Martha Kent ensinaram a seu bebê adotivo eram apresentados também como “o jeito americano”. O Superman também foi uma arma política de propaganda. As cores de seu uniforme não são exatamente as da bandeira de Krypton, certo? Mas, depois que ficou claro para todos os criadores de cultura popular que essa ideia meio tacanha de idolatrar seu país não funcionava mais, o Superman voltou a ser somente um alienígena bonzinho que, às vezes, precisava questionar o país que adotou como seu (até mesmo o Lex Luthor, seu maior adversário, elegeu-se presidente americano!). Há inclusive uma excelente graphic novel chamada “Entre a Foice e o Martelo”, escrita por Mark Millar, que conta o que aconteceria com o Superman se ele tivesse caído 12 horas depois na Terra, aterrissando na União Soviética ao invés do Kansas. Usá-lo como ferramenta ideológica, aliás, usar qualquer personagem da cultura popular como ferramenta ideológica é quase inevitável. Quando você imprime algo, aquilo está aberto à interpretação profunda dos outros. Não só isso, mas cada história e cada escolha narrativa pode ter uma interpretação política. E terá.
O Superman é um personagem de moral indubitável, de poder quase ilimitado (tirando a “desculpa” da Kryptonita, introduzida na época em que o Superman era uma novela de rádio e o ator que o interpretava precisava de uma folga). É alguém com potencial para ser um líder entre os humanos e entre os humanos mais poderosos do mundo (ele é o líder da Liga da Justiça). Demonstra uma fonte inesgotável de altruísmo, sacrifício e retidão. Infelizmente, isso não é mais “legal”.
“Legal” é uma maneira meio limitada de descrever, mas cobre bastante terreno. Desde que Tim Burton fez o seu Batman, em 1989, as pessoas descobriram que os super-heróis poderiam ser transportados para o cinema com tons bem mais sombrios. E Christopher Nolan sacramentou esse conceito em 2005, com Batman Begins. Colocando os dois pés firmemente no chão, criou um Batman realista, com um drama baseado em sua psicologia e nos embates com criminosos do mundo real, ao contrário de alienígenas, monstros ou seres de outra dimensão. Por mais fantasiosos que fossem seus métodos, os vilões do Batman de Nolan eram terroristas humanos e mostravam os tons mais escuros da loucura e da maldade humana. Nesse meio tempo, a Marvel, agora pertencendo à Disney, fez com seus filmes uma concorrência colorida, obviamente direcionada a crianças de 8 a 90 anos de idade. A Warner Bros. e a DC Comics, casa do Superman, precisavam dar uma tréplica única na hora de criar um multiverso com seus maiores personagens.
Um Superman “escoteiro” não colava mais. Alguém lá dentro achou que o Superman precisava de “conflitos profundos” e, quando bem fundados, são muito bem-vindos. Curiosamente, foram procurar esses conflitos bem no coração daquela metáfora antiga. Em O Homem de Aço, o Superman fica dividido entre seu desejo de usar seus poderes para o bem e o medo que seu pai terreno tem do que o mundo fará se descobrirem que seu filho é um alienígena. Jonathan Kent, numa cena incrivelmente mal explicada, sacrifica sua vida para que seu filho não revele ao mundo seu segredo. Quando o vilão do filme ameaça destruir a Terra caso ele não se revele, Superman vai se consultar com um padre, não sabendo se deve ou não se sacrificar. A cena é caricaturalmente forçada. Apesar de seus óbvios talentos, Zack Snyder não conhece a sutileza.
De uma forma ou de outra, é uma paráfrase de Jesus no Getsêmani em seu momento de dúvida e medo. Ali, Jesus pediu a Deus que afastasse o cálice de dor e sofrimento dEle. Essa ideia é explorada muito mais em outro filme, A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorcese, que indaga o que aconteceria com Jesus e com a humanidade se Ele realmente tivesse recusado a cruz. Mas, assim como o Jesus bíblico, Superman finalmente decide ir em frente com seu sacrifício. O que é estranho é que essa dúvida é colocada ali exatamente por quem o ensinou tudo sobre bondade, verdade e justiça (pelo menos nas outras versões). O cara responsável por tornar o Superman ético é também o cara responsável por fazer com que o Sups não queira ser um cara ético.
O filme termina. Superman toma sua decisão. No final, inclusive, quando é obrigado a tirar uma vida para proteger outras, a reação que o ator Henry Cavill imprime ao Superman é de horror extremo. Um ótimo início para a filosofia de nunca mais tirar uma vida – que fez parte da maior parte de sua história.
E aí, anos depois, chegamos a Batman V Superman. E aqui a coisa complica de maneira muito mais profunda. Neste filme, o Superman é mostrado como um ser muito poderoso, mas muito separado das pessoas. Ao mesmo tempo, é um protetor e defensor muito próximo delas. As cenas se dividem: numa hora, o filme mostra-o distante, soturno, mais um deus julgador e condenador do que um salvador; logo depois, atravessa o planeta para salvar uma pessoa de um incêndio, sendo alardeado como um messias blasé no meio de uma multidão de carnavalescos.
A coisa só piora quando a cada cinco minutos alguém faz alguma referência completamente aleatória a elementos religiosos. Lex Luthor, aqui interpretado equivocadamente por Jesse Eisenberg, não consegue parar de ligar figuras demoníacas ou angelicais aos outros personagens do filme e, no final, isso só serve para nos confundir.
Incomoda muito mais o fato de que não ouvimos absolutamente nada da boca do próprio Superman. Muito mais interessados em mostrar uma visão de mundo grosseiramente niilista sob a visão do Batman, interpretado por Ben Affleck (que, surpreendentemente, é a melhor coisa do filme), perdemos aqui um contraponto de decência, paz e esperança que tínhamos certeza que viria nas palavras do azulão. O Batman, aliás, também passa dos limites. Um dos bastiões da moral do Homem-Morcego foi que ele jamais tiraria uma vida, e não demora para percebermos o quanto ele ignora essa regrinha aqui.
Em um determinado momento, o Superman é chamado para depor no congresso americano e defender suas ações independentes, especialmente por causa dos efeitos colaterais que elas causam. Numa cena que tinha tudo para ser um tremendo discurso interessante, com pontos de vista contrários sendo explorados, perdemos tudo por causa de uma explosão terrorista, mais uma maquinação de Lex Luthor que mata a todos. Menos o Sups. É como se o filme tivesse receio de deixar o Superman falar.
Em Madrugada dos Mortos, 300 e Watchmen, o niilismo subliminar de Zack Snyder estava à espreita. Um dos problemas conceituais em Watchmen é, inclusive, que Snyder decidiu amaciar um pouco a escuridão moral total do texto original clássico de Alan Moore. Mas, aqui, parece que Snyder abraçou a escuridão. O que era para ser um símbolo de esperança, está apagado, mudo, distante e desconexo. E, como um messias, morre ao se sacrificar pelo bem da raça humana.
Os frames finais das longas duas horas e trinta e um minutos deixam claro que ele vai “ressuscitar”. Isso novamente mostra a esquizofrenia do filme: esse messias é ou não é a fonte de esperança?
A linguagem cinematográfica se confunde com o texto mais confuso ainda e o Superman fica perdido. Entendemos muito melhor a visão de mundo do Batman porque, apesar dela ser muito mais sombria, pelo menos é coerente. E nem mesmo isso é a verdadeira motivação sobre o porquê os dois brigam. É só uma maquinação boboca do Lex Luthor, que nem mesmo um motivo para isso tem.
Jesus, Emanu-El, Deus conosco, nos traz uma esperança espiritual coerente. “Morreu por nós, ressuscitou e agora vive”. Até o Superman meio camp de Christopher Reeve entendia que essa era a comparação a se fazer. Se a intenção era de brincar com essa comparação e trazer uma mensagem nova, ela precisa ser no mínimo clara. Quer criticar a religião? A figura de Cristo? O papel da Igreja? Uma versão pipoca de “Deus está morto”, já que estamos falando de niilismo? Pelo menos coordene o que está sendo dito e não espalhe referências malucas e deixe o seu personagem moralmente perdido no filme. Não que o Superman precise ser Jesus Cristo. Criem outras comparações, outras ideias. Personagens, se bem desenvolvidos, podem carregar significados extremos e variados e, mesmo com uma leitura diferente da Bíblia, podemos ter pontos de vista surpreendentes e úteis ao crescimento espiritual. O próprio A Última Tentação de Cristo questiona coisas sobre a humanidade de Cristo e de lá podemos tirar lições, discussões, ideias e conclusões muito pertinentes, quer você concorde ou não com a visão do filme.
Mas, Batman V Superman: A Origem da Justiça está interessado em dinheiro, em responder algo para a Marvel. Não quer saber de adaptar ideias, nem de trazer algo novo e inteligente aos filmes blockbuster que precisam bastante desse tipo de conteúdo. O roteiro parece uma colagem de “CENAS SUPERLEGAIS!” que não têm ligação entre si. A atitude dos personagens é cafona. Lois Lane é usada como uma “dama em perigo”. Três vezes.
A metáfora está morta. Vida longa à metáfora.
Mas, já que estamos sendo incoerentes no tom, não vamos esquecer que outros filmes vêm aí e podemos ter novamente nossos personagens queridos sendo relevantes, inovadores e inspiradores. Precisamos torcer para que troquem de roteirista.
Afinal, segundo Jor-El, o símbolo da casa de El significa esperança.
Silas Chosen é roteirista, cineasta, publicitário, ilustrador e é viciado em cinema e histórias. Escreve para sites e programas de rádio sobre cinema, cultura pop e cristianismo desde 2004. Faz parte da 4U Films, ministério de cinema independente. |