Sistemas econômicos que não levaram à prosperidade – Socialismo e Comunismo | Wayne Grudem e Barry Asmus

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O século 20 assistiu a diversos experimentos com o socialismo mar­xista (Alemanha, partes da América do Sul, África) e com o comu­nismo soviético e chinês (União Soviética, Leste europeu e China). Ambos os sistemas se empenharam em abolir a propriedade privada, a fé em Deus e a desigualdade. Como esses dois sistemas econômicos são parecidos em vários pontos, iremos analisá-los em conjunto.

O socialismo é um sistema econômico em que o governo é dono dos meios de produção (as empresas e fazendas), e os bens são quase completamente produzidos e distribuídos sob direção governamental. O comunismo é um sistema econômico em que o governo é dono não somente dos meios de produção, mas também de qualquer outra propriedade, incluindo a mão de obra das pessoas; além disso, o comu­nismo é um sistema político que alega que o verdadeiro socialismo precisa ser implementado por meio de uma revolução violenta, como um passo rumo a uma sociedade utópica futura, sem classes sociais e sem moeda. Em países como a antiga União Soviética e a China, as violentas revoluções comunistas foram seguidas por governos que praticaram assassinatos em massa e usaram o terror para manter a população submissa, o que era considerado necessário até que ela pudesse vir a compreender os benefícios do sistema comunista.

O movimento comunista de Karl Marx foi inaugurado com a publi­cação de um pequeno panfleto, O manifesto comunista (Londres, 1848), no qual ele e Friedrich Engels resumiram a proposição fundamental do comunismo e do sistema marxista. Eles introduziram as suas ideias desta forma:

Toda a história tem sido uma história de lutas de classes, de lutas entre explorados e exploradores, entre classes dominadas e dominantes, em vários estágios do desenvolvimento social; […] tal luta, contudo, agora chegou a um estágio em que a classe explorada e oprimida (o prole­tariado) já não mais consegue se emancipar da classe que a explora e oprime (a burguesia) sem, ao mesmo tempo, libertar para sempre a socie­dade como um todo da exploração, da opressão e das lutas de classes.32

A ideia era de que nações rivais e classes econômicas rivais se enfrentavam em uma luta fundamental e histórica pela supremacia. O coletivismo, o autoritarismo e o planejamento governamental de comando e controle seriam todos interconectados e mutuamente reforçadores, todos funcionando juntos como uma força libertadora. Os “capitalistas” gananciosos pelo lucro seriam finalmente derrotados.

A essência do sistema marxista era o conceito de mais-valia,33 a ideia de que o trabalhador é espoliado porque não recebe o paga­mento do valor inteiro por sua mão de obra e que o juro, o aluguel e o lucro são simplesmente formas de roubar o que pertence, na verdade, ao trabalho.

Marx defendia a tese de que o valor de uma mercadoria podia ser mensurado do ponto de vista das horas de trabalho gastas na sua produção.34 Se um artigo levasse duas vezes mais tempo para ser pro­duzido que outro, ele valeria duas vezes mais. Seu apelo pela aboli­ção da posse de propriedade (origem do lucro de seus proprietários quando os trabalhadores vinham trabalhar em suas fábricas) originou­-se dessa teoria errônea de que o valor de um produto é determinado pela quantidade de trabalho nele investida. Ele pensava que o dono de uma fábrica ou fazenda não merecia obter nenhum lucro simples­mente pelo fato de ser o dono. Marx não entendia que o valor é sub­jetivamente determinado pelas preferências de quem compra, e não simplesmente pelas horas de trabalho investidas, e que os proprietá­rios mereciam lucrar pelo seu investimento de tempo, esforço, plane­jamento e risco.

A teoria de Marx iniciou políticas que inevitavelmente tomavam dos mais produtivos para subsidiar os menos produtivos. Embora a teoria seja demonstravelmente falsa, ela prevaleceu em muitos países no final do século 19 e, depois, durante quase todo o século 20.

A teoria marxista deu também ao governo o papel fundamental de produzir a igualdade de condições materiais. Somente planejado­res governamentais comunistas poderiam ocupar os altos escalões da sociedade para lidar com a tarefa hercúlea de planejar toda uma economia segundo as capacidades e necessidades e fazer com que tudo resultasse em igualdade. Para dar poder ao governo, a coerção seria necessária e, sim, ovos teriam de ser quebrados para se fazer uma omelete. Porém, nem mesmo Marx fazia ideia de quantos ovos seriam quebrados.

Em sua obra posterior em três volumes Das Kapital (Hamburgo, 1867), Marx e Engels tentaram enumerar os pressupostos centrais do comunismo — valor, exploração e luta de classes — e mostrar como uma ordem comunista poderia se desenvolver. Afirmavam que a histó­ria se movia inevitavelmente para um “proletariado” (a classe operária oprimida) cada vez maior em que “juntamente com a constante dimi­nuição do número de magnatas do capital, que usurpam e monopoli­zam todas as vantagens do processo de transformação, cresce a miséria em massa, a opressão, a escravidão, a degradação, a exploração”.35

Finalmente, o proletariado tomaria o poder e uma nova ordem econômica (comunista) haveria de emergir, sem qualquer opressão de uma classe por outra.36 Nessa nova situação, a riqueza da nação seria finalmente usada para o bem de todos, “de cada um segundo sua capa­cidade, para cada um segundo sua necessidade”.37

Sob o comunismo, as pessoas deixariam de ter a liberdade de decidir se queriam trabalhar ou não, porque todas seriam obrigadas a trabalhar. Mas o problema (experimentado hoje por todos os países comunistas) é que as pessoas debaixo do comunismo não têm qual­quer incentivo para trabalhar mais ou para inovar, pois não recebem os frutos do seu trabalho extra. A produtividade inevitavelmente fra­cassa. A abolição da propriedade privada destrói os incentivos.

Marx, no entanto, não enxergava isso. Ele acreditava que a pro­priedade privada prejudicava a natureza humana e que, se pudesse ser abolida, as pessoas naturalmente trabalhariam para o bem da coleti­vidade. Ele escreveu: “A teoria dos comunistas pode ser resumida em uma única máxima: Abolição da propriedade privada”.38

As mesmas objeções que levantamos na seção sobre propriedade tribal se aplicam também aqui. Os ensinamentos da Bíblia claramente apoiam um sistema de posse privada da propriedade, refletida no mandamento “Não furtarás” (Êx 20.15), bem como nas muitas leis que regulavam a posse de propriedade. (Sobre o argumento equivocado de que a igreja primitiva praticava uma forma elementar de comunismo, veja adiante, p. 152.)

Mais de um século antes de Marx, John Locke sabiamente havia observado: “Qualquer que seja a extensão de terra que um homem are, semeie, incremente, cultive e cujo produto ele utilize, esta lhe será sua propriedade. Ele, com seu labor, praticamente a cerca, [separando-a] do [que é] comum”.39 Depois disso, em dezenas de parágrafos, Locke descreve os direitos do homem à sua propriedade.

Não surpreende que as previsões de Marx sobre o surgimento de uma sociedade comunal não tenham se materializado e que a rebe­lião dos operários oprimidos e sua consequente utopia comunista não tenham ocorrido. E não porque a União Soviética do século 20 não tenha tentado realizá-las. A antiga União Soviética foi o primeiro país a aplicar princípios marxistas e um plano racional comunista para operar um sistema econômico inteiro.

“Gos” é uma abreviação da palavra russa para governo. Portanto, na União Soviética, “Gosplan” determinava o plano; “Gosten” decretava os preços; “Gosnab” alocava a oferta; e “Gostude” determinava as atribui­ções trabalhistas e os salários. Planejadores governamentais hábeis e experientes entrelaçavam os planos econômicos locais com os planos econômicos regionais, que por sua vez eram entrelaçados com um plano econômico nacional.

Essa estrutura elaborada explica: (1) por que a economia soviética era tão desajeitada a ponto de não conseguir funcionar com eficiência (um crítico poderia dizer que se tratava de um grande emaranhado); e (2) por que os planejadores soviéticos tinham que reescrever anu­almente os seus planos quinquenais. Por que isso não funcionou? É que, novamente, quando todos são proprietários de alguma coisa, ninguém é. Os agricultores têm o mau hábito de não se esforçar muito quando não são os donos das terras que cultivam. Além disso, a Gos­plan não previa com boa precisão a demanda pelos produtos que ela forçava os trabalhadores a produzir.

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A experiência soviética, assim como as da República Popular da China, Cuba, Coreia do Norte e Camboja, mostrou que a esperada “ditadura do proletariado” na verdade sempre significou a ditadura tirânica de líderes do partido sobre as massas. Jamais houve uma única história de sucesso no mundo real sob a bandeira comunista. O poder estatal é absoluto, o poder governamental é arbitrário e as liberdades humanas mais elementares são negadas ao cidadão comum.

E o que é pior, o número de mortes infligido pelos regimes comu­nistas totalitários e autoritários foi inacreditável. “Medida da perspectiva dos padrões básicos como o respeito à vida humana e à liberdade pes­soal, a nossa época tem sido a mais bárbara na história do planeta. Mais de cem milhões de pessoas foram exterminadas por poderes totalitá­rios, com outros milhões de pessoas presas em campos de trabalho escravo ou submetidas a outros tipos de repressão organizada”.40

Jay W. Richards relata em algumas páginas as terríveis crueldades impostas sob o comunismo na União Soviética de Vladimir Lenin e Josef Stalin, na China sob Mao Tse-tung e no Camboja sob Pol Pot.41 Em seguida, ele resume como os regimes comunistas mataram 85 a 100 milhões de indivíduos de sua própria população no século 20:

China 65 milhões
URSS 20 milhões
Coreia do Norte 2 milhões
Camboja 2 milhões
Países africanos 1,7 milhão
Afeganistão 1,5 milhão
Vietnã 1 milhão
Países do Leste europeu 1 milhão
Países latino-americanos 150 mil
O movimento comunista internacional cerca de 10 mil 42

E o socialismo? Uma vez que o elemento econômico essencial da posse governamental dos meios de produção é o mesmo, o socia­lismo pleno enfrenta os mesmos obstáculos que o comunismo: falta de incentivos suficientes, perda de produtividade humana, perda da propriedade privada de empresas e uma correspondente perda de liberdades humanas e econômicas para assegurar produtividade. Em vez de os consumidores decidirem livremente quais produtos são melhores e quais devem ser produzidos, são os burocratas do governo que tomam todas essas decisões. O socialismo, portanto, reduz a liber­dade humana, a escolha e a oportunidade de superação. Não importa o plano, ele não funcionou nem poderá funcionar.

O filósofo político Michael Novak critica esses “-ismos” destruti­vos no seu livro de referência The spirit of democratic capitalism:

O socialismo foi desde o início uma força mitológica. Os socialistas ado­taram a bandeira vermelha como um artifício de simplificação dramática, deliberadamente contrastando sua cor única (inicialmente negra e depois, vermelha) com o tricolor convencional das revoluções democráticas exis­tentes. Eles desejavam representar uma simples ideia universal transcen­dendo qualquer nação. A cor vermelha brilhava ameaçadoramente à luz das tochas, observou Victor Hugo, simbolizando fogo, perigo, luta e uma universalidade de sangue compartilhado.43

O fracasso total, tanto da União Soviética como da China, em fazer o comunismo funcionar forçou os defensores do marxismo-leninismo a recorrer à ideia não provada de que o comunismo ainda é “inevitá­vel” e que seu sonho utópico algum dia haverá de se realizar. Entre­tanto, um século de promessas que resultaram somente em horrível desumanização e fracassos econômicos nos leva a concluir que uma economia baseada no socialismo ou no comunismo jamais poderá levar um país da pobreza para a prosperidade.

_____________________

Notas:

32 Friedrich Engels, prefácio à edição alemã de 1883 de Karl Marx e Friedrich Engels, The communist manifesto, in: Robert C. Tucker, org., The Marx-Engels reader (New York: W. W. Norton, 1972), p. 334.

33 Karl Marx, “The critique of capitalism”, in: ibidem, p. 232-49.

34 Veja Karl Marx, Das Kapital: a critique of political economy (Washington: Regnery, 2000), partes 1—2 [edição em português: O capital: crítica da economia política (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014)].

35 Ibidem, p. 355.

36 As revoluções comunistas jamais ocorreram onde Marx afirmava que ocor­reriam, nas economias capitalistas desenvolvidas. Elas ocorreram somente em eco­nomias essencialmente subdesenvolvidas (Rússia, China, Cuba, Coreia do Norte e algumas nações africanas). A suposição de Marx de que os empregadores (a burgue­sia) e os operários (o proletariado) eram inimigos, era falsa, uma vez que nas econo­mias modernas desenvolvidas eles geralmente trabalham juntos para o bem comum das companhias.

37 Karl Marx, Critique of the Gotha program (Rockville: Wildside Press, 2008), p. 27 [edição em português: Crítica do programa de Gotha (São Paulo: Boitempo, 2012)].

38 Karl Marx; Friedrich Engels, The communist manifesto (New York: Monthly Review Press, 1968), p. 27 [edição em português: Manifesto comunista (São Paulo: Hedra, 2010)].

39 John Locke, Concerning civil government, in: Robert Maynard Hutchins; Mortimer

40 Evan M. Stanton, The theme is freedom: religion, politics, and the American tradition (Washington: Regnery, 1994), p. 5.

41 Veja Jay W. Richards, Money, greed, and God: why capitalism is the solution and not the problem (New York: HarperOne, 2009), p. 11-9.

42 Ibidem, p. 21; Richards cita essas estatísticas extraídas de The black book of com­munism (Cambridge: Harvard University Press, 1999), p. 4.

43 Michael Novak, The spirit of democratic capitalism (New York: Simon and Schuster, 1982), p. 319, citando James H. Billington, Fire in the minds of men (New York: Basic Books, 1980), p. 203-4 [edição em português: O espírito do capitalismo democrático (Rio de Janeiro: Nórdica, 1982)].

Trecho extraído da obra “A pobreza das nações – Uma solução sustentável”, de Wayne Grudem e Barry Asmus, publicado por Edições Vida Nova: São Paulo, 2016, capítulo 3, p. 128-134. Traduzido por Lucas G. Freire. Publicado com permissão.

Wayne Grudem é professor pesquisador de Teologia e Bíblia pelo Phoenix Seminary, no Arizona. Foi professor titular do departamento de Teologia Bíblica e Sistemática da Trinity Evangelical Divinity School durante vinte anos. É graduado em Harvard, mestre em Teologia pelo Westminster Theological Seminary e doutor pela Universidade de Cambridge. É autor de Teologia sistemática, Entenda a fé cristã, Política segundo a Bíblia, Economia e política na cosmovisão cristã, Comentário bíblico de 1Pedro e A pobreza das nações, publicados por Vida Nova.
659-autor_defaultBarry Asmus (PhD, Montana State University) é economista sênior do respeitado National Center for Policy Analysis [Centro Nacional de Análise de Políticas Públicas], entidade sem fins lucrativos dedicada à promoção de soluções para o crescimento e desenvolvimento econômico baseadas no setor privado e na economia de mercado. Citado pelo jornal USA Today como um dos cinco palestrantes mais requisitados nos Estados Unidos, Asmus tem escrito e falado a respeito de questões políticas e empresariais durante mais de 25 anos. É autor de 9 livros dentre os quais Crossroads: the great American experiment, em coautoria com Donald B. Billings, e Bulls don’t blush, bears don’t die.



a-pobreza-das-nacoes
PODEMOS VENCER A BATALHA CONTRA A POBREZA GLOBAL. Só precisamos encontrar uma forma melhor de combatê-la. O economista Barry Asmus e o teólogo Wayne Grudem trabalharam juntos para traçar um caminho claro rumo à prosperidade nacional e à estabilidade econômica, aliando os princípios do livre mercado aos valores bíblicos, elaborando, assim, uma solução sustentável para a pobreza das nações.

A clareza de raciocínio e a originalidade dos argumentos farão desse livro uma referência para as gerações futuras.
ARDIAN FULLANI, ex-presidente do Banco Central da República da Albânia

Fundamentado em sólida teoria econômica, análise histórica e exegese bíblica fiel.
REV. JOHN STEVENS, diretor nacional da Fellowship of Independent Evangelical Churches, Reino Unido

A ética e a teologia cristã são conjuminadas com uma ciência econômica rigorosa, formando uma síntese abrangente e profundamente satisfatória.
JAY W. RICHARDS, membro ilustre do Discovery Institute

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REV. AUGUSTUS NICODEMUS LOPES, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil

Publicado por Edições Vida Nova.

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