A caridade não é uma virtude ideológica | Jonathan Silveira

Qual o problema do ceticismo? | Jonas Madureira
20/jun/2016
Verdade absoluta e conhecimento relativo | Vern Poythress
27/jun/2016

Ilustração da Parábola do Bom Samaritano (autor desconhecido)

Em sua obra “Ministérios de Misericórdia: O chamado para a estrada de Jericó”, publicada por Edições Vida Nova, Timothy Keller faz uma análise detalhada da parábola do Bom Samaritano exposta por Jesus em Lucas 10.25-37. Keller destaca a importância de se exercer o amor ao próximo como o fez o samaritano que proveu o socorro necessário àquele homem que fora assaltado e agredido na estrada de Jericó.

O ponto da parábola de Jesus é demonstrar que qualquer pessoa em necessidade é o nosso próximo e que devemos agir da mesma maneira que o bom samaritano, exercendo o ministério de misericórdia. Conquanto tenhamos a estranha tendência de pensarmos que estamos isentos da injustiça, a dura verdade é que o sofrimento é heterogêneo, atingindo todas as camadas sociais. Keller nos lembra:

“Na história mundial, somente um número pequeno de pessoas viveu em relativa ‘segurança’. Guerra, injustiça, opressão, fome, desastres naturais, ruptura familiar, enfermidade, doença mental, deficiência física, racismo, crime, escassez de recursos, luta de classes – esses ‘problemas sociais’ decorrem de nossa alienação de Deus. Eles geram grande miséria e violência à maior parte da humanidade. É provável, no entanto, que a maioria das pessoas que leem este livro pertença a um grupo relativamente pequeno que, pela graça de Deus, em geral leva uma existência livre da influência dessas forças. Esse conforto relativo pode nos isolar em um mundo fictício, no qual o sofrimento é objeto raro. Contudo, esse isolamento é frágil, pois o sofrimento nos cerca – até mesmo nos bairros nobres! Precisamos de uma visão mais acurada do mundo em que vivemos. Talvez precisemos entender que não vivemos em ilhas de conforto, e sim na estrada para Jericó.”  (in: “Ministérios de Misericórdia: O chamado para a estrada de Jericó”. Ed. Vida Nova, p. 15-16. Tradução de Eulália Pacheco Kregness)

Após apresentar uma visão panorâmica devastadora do retrato social americano, Keller arremata:

“Os dados mostram que há muitas pessoas necessitadas, que suas necessidades aumentam e que elas são um grupo heterogêneo. Tudo isso vai além do que a maioria dos evangélicos está acostumada a ver. Nosso país está se tornando um mosaico de diferentes grupos, cada qual com um conjunto singular de necessidades. A maioria das igrejas está cercada por um número crescente de pessoas desempregadas e subempregadas, de novos imigrantes, de solteiros, de divorciados, de mães solteiras, de idosos, de encarcerados, de pessoas que estão perto de morrer, de enfermos e de deficientes físicos. A pobreza aumenta, a porcentagem de idosos em nossa sociedade explode, os imigrantes chegam aos milhares à nossa terra, e o dinheiro do governo para ajudar instituições e hospitais está se esgotando. Desejamos levar o evangelho a esses novos próximos? Devemos, então, expressar ativamente a nossa fé por meio de obras de misericórdia acompanhadas de evangelização e discipulado.” (Ob. cit. p. 31)

Diante deste cenário, notamos que exercer justiça social não é uma tarefa opcional, mas um elemento essencial da fé cristã. É de suma importância ressaltar este ponto, uma vez que, em vista dos debates teológicos e políticos efervescentes em nosso atual contexto, alguns cristãos perigam relegar a caridade ao campo ideológico, despindo-a de sua natureza eminentemente espiritual. A caridade é uma virtude cristã e não uma virtude ideológica ou humanista. O exercício da misericórdia não se amolda a pensamentos políticos de esquerda ou de direita, senão ao próprio evangelho. Neste sentido, Keller conclui:

“Segundo Francis Schaeffer, enquanto realizam essa tarefa, os cristãos às vezes têm de ser ‘cobeligerantes’ com a esquerda e a direita, mas nunca seus aliados. ‘Se houver injustiça social, digam que há injustiça social. Se precisamos de ordem, digam que precisamos de ordem […] Mas não se alinhem como se estivessem em um desses campos. Você não é aliado de nenhum deles. A igreja de Jesus Cristo é diferente dos dois – totalmente diferente’.

A ideologia de esquerda acredita que uma grande reforma governamental e social resolveria os males sociais, enquanto a de direita defende que os grandes negócios e o crescimento econômico é que alcançariam esse objetivo. A esquerda espera que o cidadão seja legalmente responsável pelo uso de sua riqueza, mas que seja totalmente independente em outras áreas, como a da moralidade sexual. A direita espera que o cidadão seja legalmente responsável por sua moralidade pessoal, mas totalmente independente no uso de sua riqueza. O ‘ídolo’ americano – o individualismo radical – está por trás das duas ideologias. Para o cristão, as duas ‘soluções’ são fundamentalmente humanistas e simplistas.

As causas do agravamento dos problemas sociais são muito mais complexas do que os secularistas da direita e da esquerda imaginam. Não lutamos contra carne e sangue, mas contra poderes e principados! Já observamos que há grande injustiça social – preconceito racial, ambição, avareza – por parte das faixas mais ricas da população (e, infelizmente, dentro da própria igreja evangélica). Ao mesmo tempo, há um colapso generalizado da ordem social: da família e dos padrões morais do país. Há mais sexo fora do casamento (e, portanto, o número de mães solteiras é maior), mais divórcio, mais negligência e abuso infantil, mais crimes. Nem a mera redistribuição de riqueza nem o simples crescimento econômico e o aumento da prosperidade conseguiriam restaurar famílias destruídas; nada disso também é capaz de transformar mães com baixa qualificação profissional em engenheiras ou técnicas. […] Somente a igreja pode ministrar à pessoas integralmente. Somente o evangelho entende que o pecado nos arruinou individual e socialmente. Não podemos ser vistos pela ótica do individualismo (como fazem os capitalistas) nem pela ótica do coletivo (como fazem os comunistas), mas sim como pessoas relacionadas com Deus. Somente os cristãos, armados com a Palavra e o Espírito, planejando e trabalhando para expandir o reino e a justiça de Cristo, podem transformar tanto uma nação quanto seu bairro ou um único coração partido.” (Ob. cit. p. 31-33)

Para o cristão, portanto, o exercício da misericórdia não é novidade, uma vez que é um elemento orgânico do evangelho de Cristo. Robert Murray M’Cheyne, ao comentar a passagem de Mateus 25, nos faz uma severa advertência acerca deste assunto:

“Cristãos, temo que alguns de vocês não ouvirão Cristo lhes dizer tal coisa (‘Vinde, benditos […] Possuí por herança o reino’, em Mateus 25.34). Suas residências luxuosas se erguem no meio de milhares de pessoas que mal têm como acender um fogo para se aquecer e que têm poucas roupas para se proteger do frio mordaz; contudo, vocês nunca procuram ajudá-las. Talvez suspirem de longe, mas não as visitam. Ah, meus caros amigos! Preocupo-me com os pobres; entretanto, eu me preocupo muito mais com vocês. Não sei o que Cristo lhes dirá naquele grande dia […] Temo que muitos de vocês que estão aqui hoje sabem (agora) muito bem que não são cristãos, pois não gostam de ofertar. Ofertar generosamente, sem má vontade, exige um coração novo; o coração velho prefere ficar sem o sangue que lhe dá vida, mas não sem o seu dinheiro. Ah, meus amigos! Usufruam de sua riqueza; aproveitem bem o seu dinheiro; não deem sequer um centavo a ninguém; mas usem-no rapidamente, pois uma coisa eu lhes digo: vocês esmolarão por toda a eternidade” (citado por Timothy Keller, ob. cit. p. 46-47).

Como temos falhado em exercer misericórdia com o nosso próximo! As palavras do reverendo Robert M’Cheyne são de transpassar o coração. Não raras vezes temos a tendência de fazer vistas grossas aos textos bíblicos que nos impelem a socorrer o órfão, a viúva e o pobre porque estamos viciados em ler a Palavra do Senhor com pressupostos egocêntricos. Oh, Senhor! Remova os ídolos do individualismo de nosso coração e ajuda-nos na prática do amor e da caridade. Não permitas que negociemos a verdade eterna do Teu evangelho com filosofias humanistas, mas desperta-nos à generosidade em Cristo de modo que o Teu nome seja glorificado!

Leia também  Por que faz sentido acreditar em milagres em uma era científica? | Craig Keener
Jonathan Silveira é graduado em Direito pela Universidade São Francisco e mestre em Teologia pelo programa Master of Divinity da Escola de Pastores da Primeira Igreja Batista de Atibaia. É casado com Carrie e pai da Emily.
ministerios-misericordiaPor que alguém arriscaria a própria segurança, cancelaria a agenda, gastaria suas economias e ficaria todo sujo de terra e sangue para ajudar uma pessoa de outra raça e classe social?

E por que Jesus nos diz: “Vai e faze o mesmo” (Lc 10.37)?

O Bom Samaritano não ignorou o homem espancado na estrada de Jericó. Assim como ele, tomamos ciência de pessoas necessitadas à nossa volta: a viúva que mora ao lado, a família afundada em dívidas médicas, o sem-teto que fica do lado de fora da igreja. Deus nos chama a ajudá-los, precisem eles de abrigo, assistência, cuidados médicos ou simplesmente amizade.

Tim Keller mostra que cuidar dessas pessoas é tarefa de todo cristão, tarefa tão fundamental ao cristão quanto o evangelismo, o discipulado e a adoração. Mas Keller não para por aí. Ele ensina de que maneira podemos realizar esse ministério vital como indivíduos, famílias e igrejas.

Ao final, cada capítulo oferece perguntas para debate e aplicação.

Publicado por Edições Vida Nova.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: