A dignidade humana e a contradição humanista | R. C. Sproul

“Ninguém é perfeito” é uma resposta ruim aos escândalos nas igrejas | Dale Chamberlain
25/abr/2022
Por que a ciência precisa da filosofia? | J. P. Moreland
13/maio/2022

Foto de Andrew Spencer em Unsplash

A contradição humanista

De um lado, temos alguns que procuram driblar o dilema contornando as questões de modo a se esquivar astutamente na transigência. O humanista rejeita Deus e, ao mesmo tempo, afirma em altos brados o valor das pessoas. Ele se une a cristãos e judeus para marchar por direitos humanos, para acabar com a escravidão, para impedir a opressão dos pobres, para construir hospitais que cuidem de homens e mulheres na miséria. Ele exalta virtudes como honestidade, justiça, compaixão, embora precise crucificar a própria mente para fazê-lo.

Pois o humanista fica preso na contradição viciosa de atribuir dignidade a criaturas que vivem suas vidas entre os polos da total falta de sentido. Ele vive à base de capital emprestado, derivando seus valores da fé judaico-cristã, ao mesmo tempo que repudia o próprio fundamento sobre o qual repousam esses valores. Ele ainda está à procura de alguém lá em cima que o ajude, mas nenhuma resposta vem. Sua atribuição de valor ao ser humano é inteiramente gratuita, baseada não na razão, mas única e exclusivamente na preferência.

Devemos fazer ao humanista algumas perguntas duras e difíceis: Por que deveríamos nos preocupar de qualquer modo que seja com a situação de insignificantes germes adultos? Que diferença faz se os germes brancos subjugam os germes negros e os fazem se sentar na parte de trás do ônibus? Quem se importa se bolhas de protoplasma sem sentido são exploradas em uma usina siderúrgica ou roubadas nos corredores da justiça?

Ó — você diz — os germes negros importam-se e as pequenas bolhas de protoplasma clamam.

Novamente digo: “E daí?”. Uma criatura que não tem um valor último, que é insignificante em última análise, não vale nenhum sacrifício. Diga isso ao idiota, pois só ele pode conviver com som e fúria vãos. Se o homem não tem valor, então todos podemos ficar dormindo amanhã de manhã.

Com exceção dos céticos fervorosos, poucos de nós respondem ao humanismo dessa maneira. Seguimos o sentimentalismo e aceitamos a feliz inconsistência do humanista. Nós também somos humanos e frequentemente nos contentamos em deixar que o humanista fique com o bolo que já comeu.

Aplaudimos sua façanha mágica de ter um mundo que veio do nada, como se tira um coelho da cartola. Ficamos maravilhados com sua capacidade de obter o ser a partir do nada, a dignidade a partir da insignificância, a personalidade a partir da impessoalidade; e ficamos encantados com a capacidade do humanista de se manter firme, com os dois pés bem plantados em pleno ar.

Uma cosmovisão cristã

De outro lado, nossa paixão pelo valor humano não se baseia na magia, mas na base sóbria de uma cosmovisão cristã. A dignidade do homem está em Deus, que atribui um valor inestimável a cada pessoa. A origem do homem não é um acidente, mas um ato profundamente inteligente de alguém que tem valor eterno, de alguém que estampa a própria imagem em cada pessoa.

Deus cria pessoas e move céus e terra para redimi-las quando elas caem. Nossa origem está na Criação e nosso destino é a Redenção. Entre esses dois pontos, cada batimento cardíaco do ser humano tem valor.

O futuro da nossa raça não é sombrio, enquanto o Criador-Redentor governar o universo. Não somos um planeta perdido vagando sem rumo pelo espaço; somos um planeta habitado com um destino glorioso.

Às vezes é fácil nos sentirmos perdidos, separados de nossas raízes e cegos com relação a nosso futuro. Há momentos em que podemos nos identificar com Alice no país das maravilhas[1], de Lewis Carroll, quando ela chega a uma bifurcação e não sabe que lado tomar. Também ela olhou para cima em busca de ajuda e não encontrou Deus, mas, sim, o sorridente Gato de Cheshire.

— Você poderia me dizer, por favor, que caminho devo seguir daqui em diante?

— Isso depende muito de onde você quer chegar, disse o Gato.

— Eu não me importo muito com onde chegarei, afirmou Alice.

Leia também  Por que a beleza importa? | Roger Scruton

— Então, não importa por qual caminho você vai, observou o Gato.[2]

Dignidade e pecado

Há um caminho para a redenção no qual todo ser humano tem dignidade. Muitos rejeitam esse caminho por pensar que o cristianismo destrói a autoestima, depreciando o valor humano com lamentáveis denúncias do mal no homem. Os pregadores protestam contra essa corrupção, chamando o ser humano de pecador miserável.

Davi não clamou: “sou verme e não homem” (Sl 22.6, ESV) e Jó não rastejou no pó gemendo: “Abomino minha vida” (Jó 7.16, ESV)?

Deus leva o pecado a sério porque a humanidade tem valor

Essas declarações sombrias fazem parecer que o cristianismo tem uma visão que não preza a dignidade humana. Mas o ponto frequentemente esquecido é que o caráter pecaminoso de forma alguma diminui o valor de pessoas. É justamente porque a humanidade é tão valiosa que Deus leva o pecado a sério.

Podemos ficar incomodados com a notícia de que um rato foi comido por um gato, mas não ficamos moralmente indignados com isso. Não temos pena do pobre rato nem perguntamos o que ele fez para merecer ser comido pelo gato. Mas, se um gato maior maltratar uma criança, ficaremos furiosos.

Quando uma mosca é morta ou uma baleia abatida, alguns podem protestar, mas ninguém chama isso de holocausto. No entanto, a baleia nada sabe acerca do pecado e a mosca ignora a moralidade.

A humanidade tem valor porque o ser humano reflete a imagem de Deus

Essas criaturas mencionadas não são, de forma alguma, destituídas de valor, mas nenhuma delas reflete a imagem de Deus. Quando um ser humano peca contra outro, a condição de pessoa é violada. A qualidade da vida humana é prejudicada por aquilo que chamamos de pecado.

Pessoas ficam feridas, despojadas, exploradas e miseráveis pela transgressão moral. Por isso choramos, pois somos tanto vítimas quanto perpetradores de males pessoais.

Ao levar o pecado a sério, levamos os seres humanos a sério. O mal pode manchar a imagem divina e obscurecer seu brilho, mas não pode destruí-la. Essa imagem pode ser desfigurada, mas jamais poderá ser apagada. O símbolo mais obsceno da história humana é a cruz; porém, em sua feiura continua sendo o testemunho mais eloquente da dignidade humana.

____________________

[1] Publicado em português por Darkside.

[2] Lewis Carroll, Alice’s adventures in Wonderland (1865), cap. 6 [publicado em português por Darkside sob o título Alice no país das maravilhas].

Trecho extraído e adaptado da obra “Em busca de significado: vendo a imagem de Deus no homem“, de R. C. Sproul, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2022, pp. 110-114. Traduzido por Marisa K. A. de Siqueira Lopes. Publicado no site Tuporém com permissão.

rc_sproulR. C. Sproul (1939-2017) foi pastor da igreja St. Andrews Chapel, em Sanford, Flórida, fundador e presidente do ministério Ligonier, professor e autor de diversos livros.
Todo ser humano quer ser tratado com dignidade e valor. Quando não somos respeitados, sofremos. Embora o anseio por respeito resulte muitas vezes em uma extrema concepção de pecado, esse desejo não é errado. Na verdade, reflete uma profunda consciência de que somos feitos à imagem de Deus. Devemos ser tratados com honra e compaixão — e, ainda mais importante que isso, precisamos tratar os outros da mesma maneira.

DR. SPROUL reflete sobre como a dignidade, a imagem e o respeito atingem o cerne de nossa busca por valor pessoal. Ao lançar luz sobre os muitos obstáculos contrários à nossa dignidade — em casa, na escola, no hospital, na prisão, na igreja e no local de trabalho —, o autor também ilumina as novas maneiras de amar e servir uns aos outros. À medida que nos valorizamos mutuamente em todas as áreas centrais da vida, toda a dignidade humana é elevada.

Publicado por Vida Nova.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: