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Filmes e séries sobre o Oriente Médio costumam ser controversos, especialmente quando feitos por ocidentais. Há sempre o risco de retratar erroneamente a região e o medo de recorrer ao erro do “orientalismo”, como definido por Edward Said. Segundo o proeminente intelectual palestino, em seu livro Orientalismo, o termo descreve uma estrutura ocidental de opressão criada para dominar e controlar o Oriente Médio, ao representar erroneamente o seu povo e cultura. Uma das maneiras de fazer isso é por meio da criação de estereótipos e deturpações sobre a imagem do árabe e do muçulmano na literatura e nas artes como um todo.

O filme em desenho animado Aladdin, produzido pela Disney em 1992, é apontado por muitos intelectuais como um caso claro do orientalismo. As letras da música de abertura do filme, por exemplo, pintam o Oriente Médio como um lugar bárbaro onde a violência tribal predomina. Ciente desses equívocos, a Disney tentou ao máximo evitar esse tipo de crítica à nova versão do filme, com atores reais, lançado no mês passado. A companhia escalou um elenco multiétnico formado por artistas de origem indiana, egípcia, iraniana e tunisiana. Além disso, contratou alguns assessores culturais para acompanhar a produção cinematográfica e até modificou as letras polêmicas originais. Em sua nova versão, a música Noite da Arábia troca “bárbaro” por “caótico”.

Apesar de todos esses esforços feitos pela Disney, ainda houve algumas acusações de Orientalismo e deturpação, especialmente online. Muitos reclamaram que a protagonista feminina, Jasmine deveria ter sido encenada por uma atriz árabe, não pela Naomi Scott, britânica de origem indiana. Outros acusaram o filme de imitar produções da Índia, no estilo de Bollywood. Em resposta a essas controvérsias, Mena Massoud – o ator egípcio-canadense que interpretou Aladdin – saiu em defesa dos produtores da obra. Segundo ele, o principal objetivo do filme foi retratar Aladdin como um conto de fadas clássico não apenas no Oriente Médio, mas também na Índia e na Ásia. Mena também disse que, como árabe, nunca se sentiu tão bem representado em uma produção de Hollywood. De acordo com suas próprias palavras, Aladdin mostra o Oriente Médio e sua cultura de uma maneira “muito bonita”.

A opinião de Mena é muito importante e deveria receber muito mais atenção da mídia. O ator, um cristão copta ortodoxo que cresceu em Toronto, revelou em uma entrevista recente que seus pais decidiram imigrar para o Canadá quando ele tinha 3 anos de idade, porque achavam que “as coisas estavam ficando perigosas demais” no Egito. Sua história se assemelha às trajetórias de muitos cristãos do Oriente Médio que agora vivem no Ocidente e representa uma das realidades mais negligenciadas do Oriente Médio moderno: o sofrimento das minorias cristãs.

Os eventos da chamada Primavera Árabe iniciada em 2011 levaram a um aumento de atos contra cristãos em muitos países da região, como Egito, Síria, Iraque e Líbia. Um relatório encomendado pelo Secretário do Exterior britânico, Jeremy Hunt, afirma que a perseguição aos cristãos no Oriente Médio está a caminho de se tornar um genocídio. O documento destaca que a perseguição assume uma variedade de formas, variando de discriminação rotineira e desemprego a assassinatos e ataques violentos. Todos esses fatores geraram um êxodo significativo de comunidades cristãs da região desde a virada do século. Acredita-se que no século XX os cristãos compreendiam cerca de 20% da população do Oriente Médio e do Norte da África. Atualmente, porém, são aproximadamente 4%. Essa migração forçada está ameaçando a existência do Cristianismo em seu próprio local de origem.

Recentemente, a violência aumentou devido às ações de organizações terroristas como o Estado Islâmico. Só em 2017, quase 100 cristãos foram mortos no Egito por grupos extremistas. No entanto, a perseguição e a discriminação social no país remontam muitos anos atrás, como atesta a história de Mena. Os coptas são aproximadamente 10% da população do Egito, mas estão sujeitos a várias formas de assédio e maus-tratos. Isso é claramente visto no cenário esportivo do país. Apesar da popularidade do futebol no Egito e da ascensão de Mohammed Salah como um verdadeiro herói nacional, muitos cristãos coptas são impedidos de jogar apenas por causa de sua fé. Infelizmente, o futebol é apenas uma das muitas áreas da sociedade da qual os cristãos foram sistematicamente excluídos.

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O presidente do Egito, Abdel Fatah al-Sisi, tem demonstrado alguns esforços no sentido de melhorar a vida dos cristãos. Ele foi o primeiro presidente a participar de cerimônias religiosas cristãs e deu permissão para a construção de novas igrejas, sendo a Catedral Copta da Natividade, perto do Cairo, a mais notória. Essas ações, no entanto, não são suficientes. A sociedade egípcia precisa experimentar uma mudança cultural na maneira como os cristãos são vistos. Eles precisam deixar de ser vistos como cidadãos de segunda classe que precisam de proteção e ser afirmados como cidadãos plenos que têm contribuído significativamente para o desenvolvimento do Egito ao longo dos séculos, desde os tempos dos apóstolos.

Nesse sentido, Mena Massoud no papel Aladdin, pode desempenhar um papel bastante significativo. Um estudo conduzido pela Universidade de Stanford divulgado este ano mostrou que, desde que Mohammed Salah começou a jogar no Liverpool, houve uma queda de 18,9% nos crimes de ódio contra muçulmanos em Merseyside. O estudo concluiu que a posição amigável de Salah no clube ajudou a “humanizar” a comunidade muçulmana no Reino Unido. E se o mesmo acontecesse no Egito devido ao papel de Mena em Aladdin? O filme, ao contrário do que alguns críticos dizem, não reforça os estereótipos de um Oriente Médio bárbaro. Pelo contrário, retrata um futuro para a região em que a tirania será derrubada e diferentes comunidades viverão em paz. O filme mostra que a região é diversificada e não se restringe ao islamismo ou à cultura árabe.

Talvez Mena não se torne popular no Egito – especialmente à luz de seus recentes comentários positivos sobre Israel. Mas ele certamente ainda será uma grande fonte de inspiração e encorajamento para milhões de crianças cristãs egípcias que sofrem por causa de sua fé. Mena não tem vergonha de ser um cristão copta e tem deixado isso bem claro em várias ocasiões, fato que deveria ser suficiente para que aqueles preocupados com a representação e a igualdade o celebrassem, ao invés de silenciar a sua voz. Uma ótima maneira de combater o orientalismo e retratar o Oriente Médio de maneira justa é destacar sua diversidade étnica e religiosa. Isso significa lembrar a situação dos cristãos, coptas, assírios, armênios, arameus, yazidis, mandeus, curdos, judeus e tantas outras minorias da região.

Como a nova letras de Noite da Árabia diz,

Imagine um lugar
Muito longe daqui
Com camelos pra passear
É uma imensidão
De cultura e expressão
É caótico, mas é, é um lar

O Oriente Médio tem sido de fato caótico nos últimos anos, especialmente para as minorias religiosas como Mena. No entanto, ele ainda precisa ser preservado como um lugar onde pessoas de diferentes culturas e línguas possam chamá-lo de lar. Que Aladdin lembre a sociedade internacional, especialmente os cristãos, acerca de sua responsabilidade na luta por um Oriente Médio mais plural e diverso.

Igor Sabino é Bacharel e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e alumnus do Philos Project Leadership Institute. Realizou trabalhos humanitários em ONGs de Direitos Humanos ligadas à American University of Cairo, no Egito e pesquisas de campo na Polônia, Israel, Territórios Palestinos, Líbano e Jordânia relacionadas a migrações forçadas e perseguição religiosa. Tem como áreas de interesse: Religião e Relações Internacionais, Migrações Forçadas, Política Externa dos EUA para o Oriente Médio, Sionismo Cristão e Islã Político.

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