As cartas do inferno continuadas: Progresso tecnológico | Douglas Groothuis

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Meu caro Vermebile,

Conseguimos convencer os vermes que progresso tecnológico é o mesmo que progresso moral. Nosso velho inimigo, aquele senhor de Oxford, deu até mesmo um nome a isso: “esnobismo cronológico” – ou seja, o que é novo é bom, uma vez que é mais “avançado”, “moderno”, “atual”, e assim por diante.

Mas embora esse velho personagem, que cunhou a frase “esnobismo cronológico“, nunca sequer tenha usado uma máquina de escrever em seu trabalho (estamos tentando desacreditá-lo ainda), sua ideia é bastante útil para nós – contanto que nossos encarregados nunca cristalizem o conceito e tomem consciência dos nossos estratagemas. Você sabe, é claro, que devemos sempre desviá-los de raciocínio real e reflexão. Temos que descer as nuvens do pensamento frouxo, vida frouxa, e atividade constante. Dadas as condições atuais, cumprir essa tarefa não é nem um pouco difícil, considerando-se todas as nossas vitórias anteriores. Nós temos até mesmo os estudiosos inventando novos nomes para essa condição, como “multitarefa”, “atenção parcial contínua”, e “a presença ausente”. Deveríamos estar muito orgulhosos pelo nosso trabalho estar sendo estudado pelos melhores estudiosos e pensadores, e não apenas por esses teólogos irritantes e pretensiosos. Sim, de fato devemos ficar muito orgulhosos. Mas não deixe que isso suba à sua cabeça, Vermebile. As posições mais baixas na Baixerarquia merecem a maioria dos créditos. E eu sou o seu Superior Infernal.

Mas voltando ao nosso plano de jogo. Que delicioso! Seu homem pensa que quanto mais “conexões” tecnológicas (como eles amam essa palavra sem sentido) ele tem, maior ele é, mais urbano, e mais atualizado. Outro adversário nosso, um enfadonho Professor Boorstin, deu um nome a este tipo de patife moderno, “homo-up-to-datum”, em um de seus livros, o qual está na nossa lista de livros proibidos. Isso foi importuno, pois dispersa um pouco da névoa na qual tanto gostamos de envolver os mortais. No entanto, poucos leem suas obras agora e seus livros estão um pouco fora de moda. De fato, eles estão desatualizados! Quão maravilhosa é a ironia. Fique atento naqueles que defendem a leitura desse material tão contra-revolucionário e reacionário. Esses intrometidos, alguns muito bem estudados, são mais perigosos do que eles pensam. Garanta que as pessoas os chamem de “rabugentos”, “do contra” e “doentios”. Como você sabe, insultos funcionam muito bem para separar os tolos dos argumentos e da observação aguçada.

Que o seu pequeno cyborg sinta que ele não pode ficar sozinho com seus pensamentos. Afinal, ele tem poucos pensamentos próprios. Diga-lhe que estes são um desperdício de tempo, ar parado, conexão perdida; que ele está sendo desligado. Não deixe entrar em seu cérebro superestimulado e supersaturado que se desconectar é uma forma de acalmar a alma e ouvir os sussurros insistentes e incessantes do Inimigo, que (que raiva!) chama-se a si mesmo a Palavra, e que até mesmo comanda o silêncio em certas ocasiões. Sim, certifique-se de que eles não leiam essas partes da Bíblia. Mas, como escrevi anteriormente, nós mesmos vamos acabar com todo o silêncio e música de verdade no fim. Eu sei disso. Temos muita evidência a nosso favor.

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Nenhum silêncio para ele. Dê a ele os seus aparelhos, seus dispositivos, seus brinquedos (adultos usam até mesmo “play stations” agora), seus aplicativos. (Eles estão até mesmo vestindo-os agora. Ou, talvez, a tecnologia está vestindo os seres humanos. Eu gosto disso.) Mantenha-o desejando mais, mais, mais, de modo que ele ignore o cão na coleira, o homem no ônibus, o aluno e professor em sala de aula ou até mesmo sua esposa em sua cama. Não são poucos esses palhaços que dormem com seus celulares e têm uma tela de TV enorme na frente de suas camas. Como outro dos nossos adversários escreveu, um tal de Dr. Postman (um teórico da mídia bastante apto, devo dizer), esses vermes realmente adoram a tecnologia, uma vez que ela é de fato o seu Deus.

Não é nem um pouco estúpido falar do deus da Tecnologia – no sentido de que as pessoas acreditam que a tecnologia funciona, que elas acreditam nela, que ela faz promessas, que elas ficam desoladas quando têm o acesso negado a ela, de que elas são muito felizes quando estão em sua presença, que para a maioria das pessoas ela funciona de formas misteriosas, que ela condena as pessoas que falam contra ela, que as pessoas ficam admiradas com ela, e que estas, a seu modo de “nascer de novo”, vão alterar os seus estilos de vida, seus horários, seus hábitos, e suas relações para acomodá-la. Se isso não é uma forma de crença religiosa, o que seria?

Agora, Vermebile, você sabe que o nosso fim principal é que eles adorem nosso Pai Abaixo, mas preste atenção. Assim que eles começarem a adorar qualquer parte da natureza ou da cultura, eles andarão no nosso largo caminho que leva à sua destruição. Assistir a divagação deles é delicioso.

E se eles não mudarem de rumo, vamos ganhá-los! Oh, como nós amamos esta “nuvem”, este mundo de ciberespaço. Afinal, Nosso Pai Abaixo é “o príncipe do poder do ar.” Pelo menos isso o Livro Mau entendeu corretamente. Como eu detesto a grandiosidade daquela antiga versão King James do Livro Mau; no entanto, isso será assunto de outra carta. Portanto, fique alerta, especialmente porque a maioria dos seres humanos se esqueceu dessa arte.

De seu tio carinhoso,

Fitafuso

Traduzido por Fernando Pasquini Santos e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original aqui.

Douglas Groothuis é professor de filosofia no Denver Seminary. Coordena o curso de apologética cristã e ética e dirige o Gordon Lewis Center for Christian Thought and Culture. Obteve seu PhD em filosofia na University of Oregon em 1993, e está no Denver Seminary desde então.

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