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Galileu Galilei diante do Santo Ofício, pintura do século 19 de Joseph-Nicolas Robert-Fleury.

É muito interessante ver como as pessoas se relacionam com a ciência, mais especificamente com o conhecimento científico. Usando como exemplo a recente epidemia de febre amarela no Brasil, é possível verificar essa relação. Muita gente diz que vai tomar a vacina, que ela é confiável, que ela é testada cientificamente e, portanto, sem risco algum. Ao contrário disso, há pessoas que não vão tomar a vacina por conta de um risco de morte, que não sabem a procedência das vacinas, que nelas os vírus estão “vivos”, etc. A ciência é realmente confiável ou não?

Se você quiser dar um tom de confiança no que fala, basta dizer as palavras mágicas “está comprovado cientificamente que…”. Pronto! Você passa a ser uma pessoa de credibilidade e de confiabilidade. A comprovação científica, nos nossos dias, tem um status de celebridade. Se Einstein fosse vivo atualmente, com as mídias sociais que temos, ele seria mais famoso que os Beatles, ou que o presidente dos Estados Unidos! É bem verdade que essa confiabilidade que a ciência tem não é de agora, nem do presente século. Desde quando a ciência passou a ter essa relevância?

Vamos voltar alguns séculos atrás e vamos encontrar um movimento que ficou conhecido como revolução científica. Um momento histórico marcado por uma ruptura no campo das ciências naturais, mas que se estendeu para todas as áreas da atividade humana. Até o século 17, as ciências naturais estavam muito vinculadas ao que a igreja acreditava, ensinava e determinava. Havia um uso da razão para as pesquisas científicas, mas esse uso e a própria razão estavam subjugados ao que o clero determinava. Segundo o Prof. Klaas Woortmann, da Universidade de Brasília, estamos entre “algum momento do século 15 (…) até se dissolver na modernidade, em outro momento de difícil definição no século 17” [p. 12].[1] É possível perceber, então, que essa ruptura se estendeu por muito tempo. Que evento pode servir de exemplo dessa ruptura?

Um dos eventos mais marcantes dessa revolução foi Galileu Galilei implodir o geocentrismo eclesiástico. Depois de observar o céu com sua rudimentar luneta, ele chegou a uma conclusão bombástica para aquele momento: “a Terra não está no centro”. Pronto! O “pavio” acabara de ser aceso e a “pólvora” explodiria em todas as direções. É bem verdade que Copérnico já tinha acendido esse “pavio”, mas a “pólvora” ainda estava imprecisa e foi recalculada algumas vezes. Aqui, no século 16, no meio do Renascimento, o homem passou a ocupar o centro das atenções, das discussões e passou a ter uma relevância que só tinha existido na Grécia antiga. A partir dessa “nova” forma de pensar, como a razão passou a ser preponderante sobre a fé?

Isso pavimentou a estrada para o ápice desse movimento, culminando no Iluminismo: o racionalismo, um modo de pensar que valoriza a razão, o pensamento lógico e a obtenção de conhecimento através do pensamento racional. Talvez a mais famosa das frases que resume esse momento histórico seja: “Penso, logo existo”. René Descartes, o autor dessa frase é icônico nesse instante. Ele acreditava na verdade absoluta, que poderia ser alcançada questionando todas as ideias e teorias que estavam vigentes. Quem é que hoje, na ciência ou na filosofia, os campos de Descartes, acredita em verdades absolutas?

De Descartes a Dawkins, o método científico, a divulgação científica, o racionalismo e, mais recentemente, o cientificismo se firmaram como o novo paradigma da sociedade humana. Só merece consideração e respeito aquilo que é palpável, visível, testável e decodificado. Se você afirmar, em pleno século 21, que acredita em Deus, um cientista raiz ficará desconcertado, inerte e sem ação. Deus não se vê, Deus não se toca, Deus não se testa. Deus não se prevê, Deus não se codifica, Deus não se planeja, Deus não se teoriza. A ciência faz tudo isso.

Fazemos isso com a Drosphila melanogaster, com células tumorais, com células tronco e até com doenças renais. Testamos remédios, drogas sintéticas, aparelhos ortopédicos e modelos matemáticos. Teorizamos a explicação da nossa galáxia e a formação de gêmeos univitelinos, bem como tentamos explicar as voltas que os elétrons dão em torno de si mesmos! O fundo dos oceanos segue como o ambiente menos explorado pelos cientistas, mas já conseguimos ver a superfície de Marte com imagens HD. Veja o alcance que a ciência tem. Mas ela é capaz de dar conta de todos os nossos questionamentos?

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Com Deus a ciência tem de se curvar e reconhecer seus limites. Como lembra John Lennox, para muita gente, a frase “’A ciência explica’, resume o poder e o fascínio da ciência. A ciência nos capacita a entender o que não compreendíamos e, ao nos proporcionar o conhecimento da natureza, confere-nos poder sobre ela. Mas quanto explica a ciência? Há limites?” [p. 54].[2]

Sim, há limites para a ciência e, consequentemente, para os cientistas. Mas os limites que a teologia impõe à ciência não a torna irracional. É preciso reconhecer – principalmente os cristãos e obviamente os cientistas também – que a revelação de Deus nas Sagradas Escrituras é suprarracional, isto é, está para além da razão.

A revelação escriturística não está desprovida da razão (irracional), muito menos a crença nessa revelação. Ela supera a razão humana, porque vai para além da capacidade humana de racionalizar. Aqui se percebe uma forte polarização entre a ciência e a fé. Você acha possível ter fé e razão ao mesmo tempo?

Como afirma Jonas Madureira, “De um lado, tem-se o fideísmo, que seria o sacrifício da razão em favor da fé; do outro, o racionalismo, que seria o sacrifício da fé em favor da razão” [p. 26].[3] Nem a fé nem a razão precisam ser sacrificadas. Elas não estão em disputa. Nós – cientistas e teólogos – é que as colocamos no altar do sacrifício e com o cutelo da nossa arrogância forçamos os seus sacrifícios. É preciso reconhecer que a ciência e a teologia têm seus limites por serem um constructo humano. Deus não tem limites nesse sentido. Deus é improvável, não é impossível.

Portanto, o cientista pode ter fé e não precisa ter medo de pensar. A bem da verdade, é preciso entender o uso de palavras como “creio”, “acredito”, “eu tenho fé”, “é provável que aconteça…”. Quando um cientista é perguntado se ele tem fé, invariavelmente ouvimos frases do tipo “eu confio nos resultados que…”, “os estudos indicam que…”, “as pesquisas demonstram que…”. É muito interessante perguntar para eles o seguinte: “Você acredita que dipirona monoidratada alivia as dores?”

De igual modo, como declara Jonas Madureira, o cristão pode usar a sua razão e “reconhecer o papel fundamental da fé” [p. 27, Inteligência Humilhada]. Foi o Criador que nos dotou com essa capacidade da raciocinar e, ao usá-la, ficamos mais inteligentes, mas não precisamos ficar presunçosos. A razão não se opõe à fé. Descartes e seus contemporâneos é que fizeram isso e, ao mesmo tempo, sacrificaram a fé e a razão, colocando-as em conflito. Francis Bacon, Joahannes Kepler, Isaac Newton, Pasteur, James C. Maxwell e Raymond V. Damadian não sacrificaram nem a fé nem a razão e contribuíram para o avanço da ciência. Eles reconheceram a presença de Deus nos estudos que fizeram e nas conclusões a que chegaram.

___________________

[1] Woortmann, Klaas. Religião e Ciência no Renascimento. Editora Universidade de Brasília, Brasília, DF, 1997.

[2] Lennox, John C., Por que a ciência não consegue enterrar Deus?. Editora Mundo Cristão – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, 2011.

[3] Madureira, Jonas. Inteligência Humilhada. Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 2017.

Marcos David Muhlpointner é biólogo pela Universidade Mackenzie, com especialização em Fisiologia Humana pela Faculdade de Medicina da Fundação ABC. Fez sua iniciação científica no Instituto de Ciências Biomédicas da USP e é aluno de mestrado da Faculdade de Medicina da USP. É aluno do Seminário Servo de Cristo no curso de M.Div. e membro da Igreja Batista da Palavra.

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