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28/set/2015O sociólogo Mark Regnerus publicou recentemente o resultado de uma pesquisa para o Witherington Institute, sugerindo que o apoio a uniões do mesmo sexo em certos círculos cristãos está correlacionado a baixos padrões morais sobre sexualidade e relacionamentos. Aos vários participantes da pesquisa foi perguntado seu nível de concordância com sete declarações relacionadas a temas como pornografia, coabitação, sexo sem compromisso, o dever de permanecer casado, sexo extraconjugal, relações de poliamor e aborto. Os resultados ilustram uma pronunciada distância entre aqueles comprometidos com a fé cristã histórica no quesito da moralidade sexual e os defensores da união homoafetiva.
Como cristãos conservadores, nós sempre vemos esses dados e os encaixamos em uma ou outra das seguintes narrativas: a narrativa da rejeição da moralidade e a narrativa da rampa escorregadia. Eu estou convencido que ambas as abordagens simplificam demais a questão e obscurecem a realidade.
Dentro da narrativa da rejeição da moralidade, aqueles que abandonam uma posição cristã ortodoxa sobre a moralidade sexual, acabam rejeitando toda restrição externa e toda norma moral e ficam sujeitos somente aos desmandos de sua natureza pecaminosa. Como as estrelas de suas constelações morais são eliminadas do céu, eles navegam pelo abismo, guiados apenas pela luz sem princípios de sua própria vontade, fazendo apenas o que é certo aos seus próprios olhos. Deveria nos surpreender que estas pessoas sejam fortes defensores do aborto e do sexo fora do casamento?
Para a narrativa da rampa escorregadia, existe uma tendência inerente ao erro e, no decorrer do tempo, a rejeição da verdade bíblica em uma área irá levar a rejeição em várias outras. Esta narrativa é empregada por aqueles que acreditam que a defesa da união homoafetiva irá eventualmente levar à defesa da poligamia, incesto, pedofilia e bestialidade. Mesmo que a moralidade bíblica não seja abandonada de uma vez, será gradualmente minada. Aqueles que defendem a narrativa da rampa escorregadia sempre apresentam evidências empíricas para ilustrar o contínuo abandono da verdade cristã entre aqueles que tomaram um primeiro-passo precipitado.
Elementos da verdade
Ambas as narrativas contém elementos da verdade. Em muitas das mudanças morais que estamos testemunhando um status privilegiado é atribuído ao indivíduo, e ele é empoderado para rejeitar várias autoridades superiores ou direcioná-las para suas tendências. Nós também frequentemente observamos a e(in)volução do compromisso moral ao longo do tempo, percebendo como, ao puxar um pequeno fio, todo um novelo de lã se desenrola.
Mas há problemas também. A narrativa da rejeição da moralidade não faz justiça ao fato de que muitos dos que abandonam a moralidade cristã ortodoxa não o fazem por uma voluntariosa anarquia moral. Defensores da narrativa da rampa escorregadia sempre pressupõem, antes de demonstrar, que a rejeição da posição A irá eventualmente levar a apoiar a posição B. Existe muito pouca evidência para apoiar a ideia de que defender a união homoafetiva irá conduzir a defesa de coisas como a zoofilia ou a pedofilia. Na verdade, a oposição a certos atos pecaminosos, especialmente aqueles envolvendo abuso coercitivo, pode até ser intensificada.
Os elementos de verdade nas duas narrativas podem ser mantidos, e mesmo fortalecidos, quando consideramos que a mudança que estamos observando hoje não é o abandono da moralidade, mas a mudança para um novo sistema moral, um com raízes profundas na tradição filosófica liberal. Este novo sistema moral é pouco coerente, e seus princípios de base servirão como fermento para a massa de nossa compreensão moral. Antes de invocar a simples amoralidade, ele pressiona afirmações morais contra a ética sexual e relacional cristã: para esse sistema moral, a moralidade cristã não é só errada, é imoral.
Até nós entendermos essa nova moralidade em seus próprios termos, seremos incapazes de oferecer respostas para ela.
Cinco princípios-chave
A seguir veremos algumas das noções principais da nova moral sexual e relacional:
Em primeiro lugar, os atos sexuais não possuem significado ou propósito intrínseco. Eles não se relacionam a nenhuma ordem natural profunda, que nós devemos honrar e evitar violar. Seu significado é meramente construído pela sociedade e as pessoas envolvidas nela. As relações sexuais entre um homem e uma mulher não necessariamente envolvem o significado natural de fazê-los “uma só carne”, com tudo o que isso implica. Sexo “sem-sentido” é uma possibilidade genuína.
Em segundo lugar, nossa sexualidade é uma sensação subjetiva, intrínseca à nossa identidade. Contanto que não causemos mal a outros, temos o dever de cuidar para que nós realizemos e expressemos nossos desejos e identidades sexuais, mesmo que isso implique medidas como a cirurgia de mudança de sexo. Como membros de uma sociedade, nós também temos o dever de garantir que a identidade sexual de nosso próximo seja afirmada e garantida. Oposição ao sexo fora do casamento, ou a expectativa de que uma pessoa permaneça casada pelo resto de sua vida (mesmo que isso seja sexualmente frustrante), são duas posições cristãs em tensão com esse princípio de moral sexual.
Em terceiro lugar, agentes sexuais são indivíduos autônomos, portadores de direitos. Relações sexuais são parcerias mutuamente enriquecedoras. Relações apropriadas pressupõem que os parceiros são iguais em posição e não há diferença significativa de poder entre eles. Para aqueles que desenvolveram esse princípio, formas tradicionais de casamento podem causar desconforto. Modelos conjugais tradicionais geralmente reconhecem algum grau de desigualdade de poder entre marido e esposa (fisicamente, economicamente, socialmente), fortalecendo o poder masculino para o amor e serviço responsável ao invés de apresentar homens e mulheres como indivíduos autônomos com poder igual de barganha. Eles também estabelecem limites às escolhas sexuais do indivíduo e do casal, esperando exclusividade e compromisso por toda a vida, mesmo à custa de seus desejos sexuais privados. Muitos desses limites foram colocados pelo bem dos filhos, que pela natureza de sua existência misturam conceitos liberais de pessoa e relações sociais.
Em quarto lugar, “dado livremente” é a palavra-chave das relações sexuais. Quando o relacionamento entre duas partes é consensual, pouca ou nenhuma objeção pode ser levantada contra ela. Quando os defensores da ética cristã opõem-se ao relacionamento consensual entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, eles violam esse princípio fortemente mantido e ameaçam tanto os direitos quanto as identidades de outros agentes sexuais.
Em quinto lugar, ao invés da preservação do mal, relações sexuais deveriam ser libertas de qualquer restrição ou vigilância social, de quaisquer normas ou estigmas. Enquanto o casamento garantir o reconhecimento público e a afirmação do casal, cada um deveria ser livre para praticar a forma de casamento que lhe aprouver, e nenhum casal deveria ser obrigado a se casar. Mas o cristianismo sempre tem sancionado certas formas de relação sexual e condenado outras, tratando a sexualidade como questões de domínio público e comunitário e assim contrariando esse princípio também.
Apelo instintivo
É imperativo que entendamos o apelo instintivo desses princípios morais para a maioria das pessoas em nossa sociedade. Esses princípios brotaram da tradição liberal e de sua definição de pessoa, uma tradição que influenciou amplamente nossa política, nossa economia e nossa ética social. Como as suposições por trás dessa nova ética sexual são tão difundidas em nossa sociedade, e mesmo em muito do cristianismo conservador, sempre nos falta recursos para apresentar princípios desafiadores a ela. O “não farás” da autoridade bíblica é posto como nada mais que a última resistência, uma trincheira contra uma invasão de princípios que nós não temos meios de neutralizar, por estarmos tão envolvidos neles. As Escrituras, por outro lado, têm uma visão alternativa muito mais persuasiva e substancial a nos oferecer, uma que pode nos vacinar contra essa falsa moralidade.
Num primeiro momento eu questionei as narrativas típicas usadas para explicar essas mudanças – a narrativa da rejeição da moralidade e a narrativa da rampa escorregadia. Eu sugeri que uma análise cuidadosa da nova moralidade poderia nos prover com um quadro mais iluminado. Agora nós estamos na posição de fazê-lo.
Em resposta à narrativa da rejeição da moralidade, vimos a substituição da moralidade cristã por uma forma alternativa. O anarquismo moral absoluto que essa narrativa vislumbra não se materializa. Contudo, observamos uma exaltação da vontade individual contra a ordem natural e contra as normas divinas e sociais, concedendo à auto-realização individual um objetivo moral central. A narrativa da rampa escorregadia falha em fornecer uma explicação suficiente sobre o porquê de a rejeição da posição do cristianismo histórico sobre relações homoafetivas sempre vir acompanhada pela futura rejeição de outras posições, enquanto mantém outras intactas. Quando nós entendemos que a mudança está ocorrendo através da mudança gradual desses princípios em um novo sistema moral, a lógica ficará clara, assim como as posições sob ameaça. Por exemplo, os princípios desse sistema moral irão geralmente produzir uma forte oposição à pedofilia, que parece envolver violência, diferença significativa de poder e a falta de capacidade para o consentimento informado. Em contraste, esses princípios oferecem pouca resistência a relações consensuais poliamorosas.
Armados com uma firme compreensão dessa nova moralidade, seremos capazes tanto de interpretar como de prever seus movimentos.
Traduzido por Bruno Mori Porreca e revisado por Jonathan Silveira.
Texto original aqui.
3 Comments
Texto esclarecedor. Mas como demonstrar aos adeptos dessa nova moral que ela não funciona? Como responder de forma apropriada a pessoas que dizem que “você não tem nada a ver com a sexualidade dos outros” (isso seria o quarto ponto mencionado no texto)?
Mas que disse que essa moral não funciona? Claro que funciona! Esse tipo de conduta pode ser facilmente posto em prática, assim como os mais variados tipos de perversões que o ser humano consiga imaginar.
Na minha opinião, se demonstra a inviabilidade desse modelo social nos valores judaico-cristãos e, PRINCIPALMENTE, que eles provém de Deus, que é a fonte e o ideal perfeito de bondade e justiça.
Olá Leon, acho que não me expressei corretamente. Não nego que esse tipo de conduta (como você menciona) não possa ser posto em prática. A minha dúvida é quanto a mostrar que a visão estritamente secular de moralidade não consegue prover uma base sólida de certo e errado, ou da própria dignidade humana, entende? Não há de onde (no secularismo) derivar a dignidade humana (se somos apenas matéria, tudo em nós, desde a consciência, os pensamentos, desejos e emoções, não passa de reações bioquímicas dentro do corpo). Como Jonathan Sarfati disse “Se somos apenas produto de uma sopa primordial rearranjada, o que é assassinato? É simplesmente um saco de reações químicas impactando um outro saco de reações químicas”. Numa visão materialista, a única diferença entre um corpo vivo e um morto é que o primeiro produz ATP (e consequentemente, tem metabolismo) e o segundo, não. Os secularistas apenas inferem a singularidade humana e a dotam de valor inestimável, mas eles não têm porquê fazer isso (ou demonstrar) se o mesmo acaso que (em tese) nos fez também fez o flagelo de uma bactéria, o vacúolo de um protozoário ou todas as características que diferem os outros seres de nós ou as deles quanto a nós. A vida em si seria nada mais que uma forma de arranjar e organizar elementos químicos a fim de produzir certas reações bioquímicas, tendo esse maquinário todo aprendido como passar a “receita” de como fazer isso para a frente.