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No tempo em que Brandon era uma criança, ele era o que muitos chamam de “gênero não conforme”.  Na pré-escola, enquanto os garotos bagunçavam de um lado da sala, do outro ele brincava com as garotas. No Ensino Fundamental, ele sentia-se claramente em descompasso com a imagem de masculinidade do tipo John Wayne, a qual era prevalente. “Eu sinto-me como as garotas se sentem, me interesso por aquilo que as garotas são” – ele disse aos seus pais. “Deus deveria ter me feito menina.”

Aos 14 anos, Brandon estava vasculhando a internet em busca de informações sobre a cirurgia de redesignação sexual. Entretanto, após uma extensa autorreflexão, ele chegou à conclusão que tal ato não lhe concederia os resultados almejados. “Percebi que a cirurgia não me tornaria uma garota. Não mudaria meus genes e cromossomos”, ele me disse. “Uma pessoa não é um programa de computador no qual se possa deletar e reprogramar do zero.”

Pessoas jovens como Brandon vivem em uma sociedade que os impulsiona a contestação de sua identidade psicossexual como nunca antes. Os direitos relacionados  a orientação sexual e identidade de gênero (SOGI laws) – os quais crescem em influência sobre escolas, corporações, e até mesmo igrejas – são fundamentados na suposição de que uma pessoa pode nascer em um corpo errado.

No coração do discurso transgênero está a destrutiva ideia de que sua mente pode estar “em guerra com o seu corpo.” O que configura uma oposição entre o corpo e o self, afastando as pessoas de suas identidades biológicas básicas enquanto masculino e feminino. Crianças desde o jardim de infância estão sendo ensinadas que suas identidades psicológicas não possuem conexão com sua imagem corpórea básica.

Nuridden Knight, uma negra escrevendo ao Witherspoon Institute, disse que o movimento transgênero relembra-a de um tempo, não tão longínquo, quando pessoas negras com tons de pele mais claros “passavam-se” por brancas. Ela questiona: não há um paralelo quando um homem “passa-se” por mulher ou quando uma mulher “passa-se” por homem? Em ambos os casos, o motivo basilar parece ser uma forma de odiar a si mesmo: “Uma pessoa negra que quer ser branca está odiando a si, e da mesma forma um homem que quer ser uma mulher ou uma mulher que quer ser um homem.”

Por que nós não “encorajamos pessoas a amarem o corpo em que elas estão?”, questiona Knight. “Nós dizemos às mulheres para amarem suas curvas, idade e pele, mas não dizemos a elas (e aos homens) para amarem o sexo de seus corpos?”

Jonah Mix foi um jovem de gênero não conforme que gastou anos imerso na teoria queer. Ele se autonomeou de não-binário e passou a usar roupas apertadas, delineador e esmaltes: “Foi nos círculos queer que pela primeira vez ouvi a comum advertência para nunca definir uma pessoa por seu corpo.”

Por fim, entretanto, ele percebeu que esta visão identitária na verdade reforça os rígidos estereótipos de gênero. Para descobrir se você se identifica como um homem, você deve primeiro definir masculinidade. “Se não somos homens por nossos corpos, somos por nossas ações”, escreve Mix. Você age conforme o estereótipo masculino? Então você deve ser um homem. Você comporta-se de acordo como o estereótipo feminino? Então deve ser uma mulher.

Por contraste, se você define sua identidade a partir de seu corpo, Mix diz, você pode comprometer-se com uma gama de diversos comportamentos sem ameaçar a segurança de sua identidade enquanto homem ou mulher. “Quando somos definidos por nossos corpos”, ele escreve, então “toda abrangência da experiência humana permanece aberta… Há liberdade no corpo.”

Mix descobriu uma verdade fundamental: há mais diversidade e inclusão quando ancoramos nossa identidade psicossexual na realidade objetiva e cientificamente conhecível de nosso corpo biológico, masculino ou feminino.

Crianças, em particular, podem ser pressionadas a enquadrarem-se em sufocantes e estreitas definições de gênero. Mason, um de meus estudantes que tem lutado com o fato de ser gênero atípico, comentou, “A ironia é que são precisamente aqueles rígidos estereótipos que levam os jovens não conformes de gênero aos braços das comunidades trans ou gay” na sua busca por um senso de pertencimento e aceitação.

De fato, estudos indicam que existe forte correlação do comportamento não-heterossexual na idade adulta com o comportamento não conforme de gênero na infância – incluindo traços de caráter como os de Brandon.

Desta feita, como a igreja deveria responder ao movimento transgênero? Infelizmente, os cristãos estão frequentemente agindo de modo reativo. Como Mark Yarhouse observa no livro Understanding Gender Dysphoria, de um lado estão as igrejas que buscam serem tão inclusivas e compassivas que espelham as visões seculares que estão desconstruindo sexo e gênero. De outro lado, algumas igrejas se tornam “hipercorretas” ao serem mais severas, mais restritivas e mais rígidas na garantia do cumprimento dos papéis de gênero.

Nós na igreja devemos estar na vanguarda do resgate de definições mais ricas do que significa ser homem ou mulher. Devemos ser o primeiro lugar onde os jovens possam encontrar liberdade dos estereótipos não bíblicos – a liberdade para aprimorar o que significa ser criado à imagem de Deus como um povo holístico e redimido.

Nós também precisamos “mostrar hospitalidade a estranhos” (Heb. 13.2) para acolher aqueles que são diferentes e que não se encaixam em um lugar. O sofrimento psíquico causado pela disforia de gênero é real. A sensação de estar no corpo “errado” não é algo que as crianças escolhem e, em muitos casos, pode ter complexas raízes psicológicas. Isso significa que carecemos de uma abordagem pastoral que seja sensível e compassiva.

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Uma disjunção entre o corpo e a identidade de gênero é, como todas as discordâncias, um efeito da queda. Como Sam Allberry descreve: “O pecado causa profunda alienação – primeiro e sobretudo de Deus… E estamos alienados de nós mesmos. O que foi feito para ser inteiro e integrado – nossa mente, corpo e espírito – está agora profundamente fraturado. Não nos sentimos alinhados em nós mesmos.”

Para aqueles que se encontram fraturados, o corpo de Cristo oferece um lugar para encontrar esperança e restauração.

Conforme Brandon crescia e se tornava um jovem rapaz, ele experimentou esta restauração. Após expressar seus sentimentos de disforia de gênero, seus pais passaram a trabalhar em cooperação com ele a fim de ajudá-lo a aceitar-se enquanto um garoto – apenas um garoto que, de modo pouco comum, apresenta maior sensibilidade e emotividade. Eles recomendaram fortemente que ele assumisse a identidade de seu corpo, aceitando o fato de ser um homem em termos físicos, anatômicos, fisiológicos, genéticos e cromossômicos.

Eles o conduziram a realização de testes de personalidade como a Tipologia de Myers-Briggs para mostrá-lo que é perfeitamente aceitável para um homem ser gentil e emotivo. Eles diziam repetidamente, “Não é você que está errado; são os estereótipos que estão errados.”

Eles também fizeram ponderações a partir de exemplos bíblicos como o de Esaú e Jacó. Considere o contraste entre Esaú e Jacó. Esaú era um homem do campo, caçador, bruto e cabeludo. Jacó era quieto, gentil, preferia estar dentro de casa (“contente em permanece no lar entre as tendas” [Gn.25.27]) e próximo de sua mãe. Apesar disso, as Escrituras jamais apresentam Jacó como menos másculo por conta destes traços. Ao contrário, Deus o honra fazendo dele um patriarca da nação Hebraica, dando-lhe o nome de Israel.

Tendo em vista que conheci Brandon pessoalmente, testemunhei em primeira mão a angústia e o isolamento sofrido por ele por conta da disforia de gênero. Por muitos anos, fui uma das poucas pessoas que teve a oportunidade de estar ao lado dele, chorando com ele, sentindo sua dor e orando por ele.

Como Yarhouse escreve, “Se você deseja que uma pessoa [sofrendo por conta da incongruência de gênero] escolha um caminho que aparenta ser mais redentor, você almejará ser parte da comunidade redentora que facilita a tomada desse tipo de decisão.”

A igreja primitiva enfrentou desafio similar, cercada por uma cultura onde o gnosticismo ensinava uma visão empobrecida do corpo enquanto uma “prisão”, da qual se devia escapar. Antes e agora, são os cristãos ortodoxos que detém a base teológica necessária para a defesa de uma visão enriquecida do corpo humano. A visão teleológica da natureza encontrada na Escritura provê o fundamento para a aceitação da bondade da natureza e a afirmação de seu valor e dignidade como ordem criada por Deus.

A cosmovisão bíblica garante valor e dignidade para nossa identidade como homem e mulher e nos convida a um tipo adequado de amor próprio que advém da aceitação do amor de Deus. Neste contexto, o dimorfismo sexual não é um acidente evolutivo, nem é um movimento opressivo da cultura dominante. É uma forma positiva e saudável de interdependência que comunica a respeito da nossa criação como seres sociais projetados para o amor, a interdependência mútua no casamento, nas famílias e nas comunidades.

Jovens, em particular, necessitam ouvir esta mensagem. Recentemente, li um artigo de uma garota de 14 anos que viveu como um garoto trans durante três anos, e em seguida reverteu a sua transição para recuperar sua identidade de garota. O ponto crucial para a mudança veio quando ela percebeu que estava tudo bem “aprender a amar o seu corpo.”

Como cristãos vivendo em um momento cultural conflitante, precisamos ir além dos roteiros negativos do tipo “Não farás” e, ao invés disso, alcançar as pessoas com uma mensagem positiva. Uma cultura que denigre o corpo, carece desesperadamente da verdade eterna da Escritura: que Deus nos ama e nos fez por um propósito.

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Este trecho foi adaptado do livro Love Thy Body: Answering Hard Questions about Life and Sexuality, de Nancy Pearcey. Usado com permissão da Baker Books, uma divisão da Baker Publishing Group, copyright 2 de janeiro de 2018.

Traduzido por Abner Ferreira e revisado por Jonathan Silveira.

Nancy Pearcey é professora visitante no Torrey Honors Institute, na Biola University. Seu currículo inclui um mestrado em Ciências Humanas (M. A.) pelo Covenant Theological Seminary, e outros trabalhos de pós-graduação em filosofia no Institute for Christian Studies, em Toronto, no Canadá. Escreveu "Saving Leonardo" (B&H Books), "Verdade Absoluta" (CPAD), e é co-autora de outros livros vertidos para o português, como por exemplo: "A Alma da Ciência" (Cultura Cristã), "O Cristão na Cultura de Hoje" e "E Agora, Como Viveremos?" (CPAD).

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