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Imagem: © Os Curadores do Museu Britânico

Fontes do antigo oriente próximo podem fornecer informações valiosas sobre o mundo em que o Antigo Testamento foi escrito.

No Segundo Livro dos Reis, encontra-se uma explicação teológica sobre o cerco babilônico a Jerusalém no ano de 597 a.C. e, posteriormente, a conquista da cidade. O livro apresenta um relato rico, que revela a sabedoria dos profetas, a crueldade dos reis, os milagres fascinantes e as diversas conspirações de morte. Nossa distância, não apenas de centenas, mas de milhares de anos em relação a este período do Antigo Testamento, pode nos dar a impressão de que esses acontecimentos são relatos míticos — isto é, uma visão distorcida da história “real” do início da Idade do Ferro no antigo Oriente Próximo. Na realidade, ao contrário de estar desconectado dos eventos reais do início do século VI, o relato de 2Reis integra uma narrativa coesa com fontes extrabíblica da época.

O relato descreve como, no nono ano do reinado de Nabucodonosor II, Jerusalém foi cercada e invadida pela primeira vez. Neste período, quem reinava sobre Judá era Jeoaquim. Porém, todo o seu governo era supervisionado pelos babilônios, vivendo, portanto, como um de seus servos, e assim permaneceu por três anos (cf. 2Reis 24.1) até se rebelar contra esse sistema. No entanto, a sua rebelião lhe causou problemas, pois ele contava com o apoio do Egito, mas essa ajuda não havia ocorrido (cf. 2Reis 24.7). O resultado disso foi a sua morte e a ascensão de seu filho Joaquim ao trono. A partir desse momento, Joaquim teve que lidar com Nabucodonosor; porém, com apenas 18 anos de idade, logo se retirou do posto, após três meses, dando lugar ao seu tio Zedequias. Este rei era a peça-chave para os babilônios, pois cumpria a função de fantoche e não tinha a autoridade para reger o povo de Judá. Com isso, após uma década, Zedequias se rebelou contra o império babilônico e esta ação resultou na invasão e dominação total do grande império sobre o pequeno povo de Judá.

Esse relato da invasão, que ocorreu no ano de 597 a.C., não aparece apenas no Segundo Livro dos Reis, mas também pode ser encontrado em uma importante fonte babilônica conhecida como As Crônicas dos Babilônios. O texto está em acadiano (uma das principais línguas antigas da Mesopotâmia, região que atualmente pertence ao Iraque), e foi escrito em uma tábua de argila em cuneiforme. É possível acessá-lo no British Museum [Museu Britânico], localizado em Londres.

Os estudiosos acreditam que esta tábua foi, provavelmente, descoberta nos arquivos privados dos sacerdotes associados ao templo do deus Nabu, na antiga Borsippa [antiga cidade da Suméria], a cem quilômetros do sul de Bagdá, no atual Iraque.[1] Em contraste com o texto de 2Reis, as crônicas são consideradas como uma fonte relativamente imparcial, uma vez que inclui relatos desfavoráveis aos governantes babilônicos da época bem como os registos das derrotas de suas batalhas.

Uma importante porção das Crônicas diz o seguinte:

No sétimo ano [de Nabucodonosor], no mês de Quislimu,[2] o rei da Acádia reuniu suas tropas, marchou para o Levante e estabeleceu quartéis de frente para a cidade de Judá. No mês de Adaru [no início de 597 a.C.], no segundo dia, ele tomou a cidade e capturou o rei. Lá ele instalou um rei de sua escolha. Ele coletou seu tributo massivo e voltou para a Babilônia.[3]

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O rei da Acádia, mencionado neste texto, era Nabucodonosor II. “Acádia” se refere à região ao norte da Babilônia, onde ela estava situada. Por fim, “Ḫatti” era a maneira babilônica de falar do Levante, a região da costeira do leste do Mediterrâneo.

No contexto imediato da crônica babilônica, aprendemos que, quando Nabucodonosor ascendeu ao trono da Babilônia, ele estava consolidando um império conquistado desde o seu pai Nabopolassar, mas, em seu tempo, se encontrava mais evidente com a conquista recente do povo assírio. Com isso, a sua primeira prioridade era preencher o vácuo de poder criado pela conquista dos assírios e que se encontrava especialmente na região do Levante; região esta, que a tempo os egípcios objetivavam conquistar. Portanto, as suas primeiras oito campanhas como rei era conquistar o Levante e lá, após uma batalha com os egípcios, ele estabeleceu o seu domínio. Foi dentro desse cenário que o plano de rebelião de Jeoaquim foi por água abaixo, o seu filho Joaquim foi capturado após três meses e Zedequias havia assumido o trono de Judá. Na verdade, como podemos identificar, os anos do reinado de Nabucodonosor no calendário Juliano, sabemos que a conclusão da conquista de Jerusalém ocorreu em meados de março de 597 a.C.[4]

A tradição cristã interpreta, corretamente, o Livro de 2Reis pelo prisma teológico, isto é, como uma história sobre a fé. No entanto, é importante ter em mente que esta narrativa também pode ser vista por evidências históricas. Ou seja, ela pode ser analisada sob essa perspectiva. Portanto, ao situarmos o texto bíblico ao seu contexto politico e cultural certamente teremos uma compreensão mais apurado das suas narrativas.


Notas

[1] C. Waerzeggers, “The Babylonian Chronicles: Classification and Provenance,” Journal of Near Eastern Studies 71 (2012): 295.

[2] É o terceiro mês do ano civil, e o nono mês do calendário judaico. [Nota do editor]

[3] Author’s translation; for an edition, see J-J Glassner, Mesopotamian Chronicles (SBLWAW 19; Atlanta: Society of Biblical Literature, 2004), p. 230, reverse 11′-13′. Photographs of the tablet.

[4] RA Parker and WH Dubberstein, Babylonian Chronology 626 B.C.-A.D. 75 (Brown University Studies 19; Providence: Brown University Press, 1956), p. 27.


Pesquisador do Antigo Testamento e do Antigo Oriente Próximo na Tyndale House.
Texto original: How the Babylonians recorded biblical events. Tyndale House Cambridge. Traduzido por Gedimar Junior e publicado no site Cruciforme com permissão.

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