Contracepção e aborto: sim ou não? | Erkki Koskenniemi

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Até pouco tempo atrás, os estudiosos supunham que os métodos contraceptivos antigos seriam muito ineficazes para serem usados no planejamento familiar, embora vários métodos fossem mencionados. Algumas passagens com recomendações de práticas mágicas tornam fácil rir de antigas práticas descabidas. No entanto, em 1992, John Riddle fez os estudiosos revisarem suas opiniões sobre os métodos antigos. Ele testou os antigos medicamentos —principalmente os recomendados por Sorano — em animais e redescobriu o antigo método de planejamento familiar. Os medicamentos se mostraram contraceptivos em até 100% dos casos e também produziram abortos precoces na maioria das vezes. Embora os medicamentos não tenham sido testados em seres humanos, grande parte dos especialistas não duvida mais de sua eficácia, mesmo perguntando o quanto eram conhecidos fora do grupo de estudiosos antigos. Aparentemente, o caminho percorrido não se iniciou nos manuais até chegar às pessoas comuns, mas prevaleceu o inverso: a antiga medicina popular inventara os métodos registrados nos prontuários médicos. No mundo clássico, a contracepção era amplamente aceita, e o aborto era moralmente condenado apenas às vezes. As leis civis raras vezes — ou nunca — limitaram esses métodos antes que o estado se preocupasse de modo sério com a população decrescente, por volta de 200 d.C.

As fontes judaicas mencionam a contracepção muitas vezes. Uma característica comum da Mishná e da Toseftá consiste na citação frequente de opiniões diferentes e contraditórias de seus mestres religiosos. Havia temas sem discussão, como o monoteísmo, por exemplo, mas outros eram debatíveis. O dever de frutificar e crescer em número era explícito, mas não se sabia exatamente quando essa obrigação havia sido cumprida. Após o cumprimento do dever, alguns rabinos permitiam a contracepção para as mulheres: na opinião deles, o mandamento abrangia apenas os homens, enquanto outros diziam que a aplicação compreendia homens e mulheres. Também as opiniões variavam sobre o número de filhos necessários para cumprir o mandamento.

Só conhecemos declarações negativas sobre a contracepção entre os cristãos, e o motivo parece se encontrar na ética conjugal descrita acima. Se, de modo geral, o casamento fosse apenas uma concessão divina aos fracos, e os filhos representassem o único objetivo da relação sexual, haveria pouco espaço para métodos contraceptivos. No entanto, deve-se observar que muitos dos primeiros escritores atacaram ao mesmo tempo as relações sexuais irregulares e a contracepção; muitas vezes, é impossível saber o que o escritor cogitava sobre a contracepção no casamento. O primeiro escritor a condenar a contracepção parece ter sido Minúcio Félix, embora não seja fácil saber se ele se referia apenas à contracepção ou também ao aborto[1]. Apenas alguns escritores antigos foram capazes de distinguir a contracepção do aborto, pois os medicamentos ocasionavam abortos precoces. No entanto, após Minúcio, a contracepção foi rejeitada, por exemplo, por Hipólito, Jerônimo, João Crisóstomo e Agostinho.

Fontes judaicas condenavam o aborto de modo frequente e duro. Muitas vezes, ele surgia nas listas de pecados que nunca foram permitidos. Filo, Pseudo-Focílides e Josefo condenaram o aborto de maneira mais sucinta. As fontes rabínicas o permitem quando a vida da mãe está em perigo, mas sempre consideram o caso muito grave. A decisão de permitir a embriotomia era tomada por um tribunal, e a permissão poderia ser rescindida quando emergia a cabeça do bebê. Os mestres cristãos concordaram com a rejeição do aborto, e as primeiras fontes cristãs que tratam do tema repetem as palavras dos escritos judaicos. Hipólito e Ambrósio condenaram o aborto mais tarde, no Apocalipse de Pedro. Tertuliano e Agostinho seguiram seus predecessores judeus ao permitir o aborto para salvar a vida da mãe. As opiniões sobre a contracepção e o aborto não estão diretamente relacionadas com a exposição. No entanto, os comentários sobre elas lançam uma luz considerável sobre a ética sexual, à qual pertence a rejeição da exposição. As pessoas que condenavam a contracepção e o aborto como males demonstrariam com dificuldade alguma compreensão a respeito do abandono de crianças já nascidas. Além disso, os limites estritos da embriotomia, realizados para salvar a vida da mãe, por certo ilustram o pensamento ligado à vida da criança.

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[1] Oct., 30.2.

Trecho extraído e adaptado da obra “Toda vida pertence a Deus: a ética judaica e cristã sobre o aborto e o infanticídio no mundo antigo“, de Erkki Koskenniemi, publicada por Vida Nova: São Paulo, 2023, p. 65-68. Traduzido por Rogério Portella. Publicado no site Cruciforme com permissão.

Erkki Koskenniemi é professor adjunto de Novo Testamento na University of Helsinki, University of Eastern Finland (Joensuu) e Åbo Akademi University (Turku). Também escreveu vários livros acadêmicos, especialmente sobre milagres na antiguidade clássica e no judaísmo primitivo.
Gregos e romanos com frequência abandonavam seus bebês, especialmente se a criança fosse do sexo feminino, malformada ou simplesmente quando ela não era necessária. A prática, chamada de exposição, era lícita, mas mestres judeus, e depois os cristãos, fizeram de tudo para impedi-la entre os membros de seus grupos. O valor único de cada ser humano e os mandamentos de Deus foram enfatizados pelas duas religiões.

"Toda vida pertence a Deus" apresenta os textos mais importantes que trataram várias vezes ao mesmo tempo da exposição e do aborto. Os textos são interessantes, às vezes chocantes. Este livro não trata de fenômenos modernos, mas se espera que apresente uma nova perspectiva para os debates de hoje. Ele foi escrito para pessoas que lutam com a questão do valor da vida humana nas fases iniciais, para pastores, bem como para mestres e médicos.

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